IV ENAC – “Nos últimos 10 anos, o número de mulheres encarceradas aumentou 210%”, segundo Silvia Souza
No terceiro painel, do IV Encontro Nacional das Advogadas Criminalistas (IV Enac), ocorrido no último dia 22, as advogadas Silva Souza e Thaise Mattar Assad proferiram palestras sobre Seletividade Penal.
Silvia Souza é advogada, conselheira federal da OAB e presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do CFOAB e iniciou o painel falando sobre Criminologia Crítica e o poder punitivo estatal. “A minha abordagem é a partir da perspectiva racial e da Criminologia Crítica. Quando pensamos em seletividade penal, precisamos entender que a seletividade do poder punitivo do estado funciona como um controle social. Isso já está assentado na nossa literatura, da criminologia crítica em especial, mas temos um caminho para entender e ainda a percorrer, no sentido de como chegamos até aqui e quais as possíveis alternativas para que saiamos de um cenário que hoje coloca o Brasil no 3º lugar no ranking de encarceramento em massa, apresentando uma seletividade que é, ao meu ver, pautada pelo elemento racial”, disse.
Dando seguimento, a conselheira federal ressaltou que o controle social punitivo é institucionalizado e que é preciso conhecer isso e pensar em possibilidades de alteração desse quadro e como chegamos até aqui. “Nós sabemos que formalmente o sistema penal, constituídos pelos seus órgãos, é garantidor da ordem social, é o sistema garantidor da promoção da justiça, mas no entanto, quando olhamos para a práxis, para o cotidiano, para a vivência de milhares de pessoas que são atravessadas pelo sistema penal, nós entendemos que ele funciona, na verdade, como um sistema de controle social institucionalizado. Um sistema de controle que passa desde uma abordagem policial, julgamento, produção de provas ou não, e culmina no encarceramento. O Brasil ocupa hoje o 3º lugar no ranking mundial de encarceramento em números absolutos de pessoas presas e o 26º lugar do país que mais prende pessoas no mundo, em um total de 222 países. (…) 64% da população brasileira encarcerada hoje no Brasil é negra e, quando olhamos para o encarceramento feminino, que teve uma crescente absurda, principalmente depois de 2006, vemos nos últimos 10 anos, tivemos um aumento de quase 210% de mulheres encarceradas, sendo 64% delas negras. Então, pensando em seletividade penal, eu parto de que a raça é um fator central para determinar quais são os indivíduos que ‘devem’ (com aspas) ser presos e quais devem estar soltos (…) Precisamos enfrentar a seletividade penal com um pensamento antirracista com a aplicação do Direito anti-discriminatório que, com certeza, se estende à área criminal”, finalizou.
Thaise Mattar Assad, advogada criminalista, conselheira da OAB/PR e do IBDPE, trouxe também algumas indignações e pontos que a intrigam quando se trata de guerra às drogas no Brasil. “Quando partimos da premissa que a nossa Constituição resguarda todos os nossos direitos e garantias fundamentais, não podemos perder de vista que essa mesma Constituição traz a previsão de uma tratativa muito rigorosa aos crimes de tráfico de droga. Tanto é verdade, que temos a previsão de que não será cabível a fiança. Então, a tratativa é muito clara no sentido dessa repressão. Mas afinal, quem são os verdadeiros perseguidos pelo Estado nessa famigerada guerra às drogas? Além do Brasil estar no ranking mundial dos países que mais encarceram, nós prendemos muito e mal. Primeiramente, precisamos nos desapegar de qualquer paixão, moralidade relacionadas a esse tipo de pena, até porque a própria advocacia criminal nos reserva isso, pois nós precisamos efetivamente encarar a realidade nua e crua que nos espera. (…) Temos a clareza então, que só a repressão não inibe o tráfico estruturalmente organizado no Brasil, e que tem uma indústria inteira por trás disso. Dá dinheiro. Quando falamos da questão da despenalização ou da descriminalização das drogas, esse tipo de discurso – por muitas vezes, acaba gerando um certo preconceito. Mas a grande questão basicamente é que no Brasil, é possível falarmos em um anti-modelo de política criminal antidrogas, pois esse nosso sistema caracterizado pelo proibicionismo, encarceramento exacerbado, punições altíssimas e seletividade penal nos traz isso. Essa punição exacerbada não resolve o nosso problema! (…) Alguma coisa agora precisa ser feita. É urgente!”, ressaltou.
Compuseram a mesa: Renata Albuquerque, Hélio Brasil, Mariana Lopes, Layla Freitas, Mariana Camargo, Thaís Lara, Aurilene Brito, Daniela Palosqui, Flávia Camila, Nágela Alencar, Carlos Dantas e Carlo Velho Masi.
***OS VÍDEOS DO IV ENAC ESTARÃO DISPONÍVEIS EM BREVE!
Nannah Ribas
ABRACRIM NACIONAL