TÉCNICA CONTROVERSA – Justiça dos EUA empurra para o Legislativo disputa sobre hipnose investigativa
A Suprema Corte dos Estados Unidos se recusou, na semana passada, a decidir um caso em que a controvertida tática da hipnose investigativa, usada pela polícia do Texas, foi contestada. O Tribunal Superior do Texas já havia feito a mesma coisa. Agora, a polícia estadual continuará usando essa técnica contestada por cientistas até que a Assembleia Legislativa do Estado a proíba por meio de legislação.
Apenas quatro Estados dos EUA permitem à polícia usar a hipnose para fazer testemunhas e vítimas se recordarem da descrição e identificação de criminosos, bem como de fatos em cenas de crime que estejam nebulosos em suas mentes. Mas apenas a polícia do Texas a usa. E o faz com frequência. Os investigadores policiais do Estado conseguem provas testemunhais para condenar dezenas de suspeitos todos os anos — alguns deles à pena de morte.
Na madrugada em que a idosa Elizabeth Black foi assassinada, em 1998, a vizinha Jill Barganier viu, de sua janela, dois homens saindo de um Volkswagen com pinturas psicodélicas e entrando na casa pela garagem. O dono do carro — e motorista — foi identificado, preso e condenado a 35 anos de prisão, depois de fazer um acordo de admissão de culpa. Foi solto em 2016.
O outro homem, Charles Don Flores, que seria o coautor do crime, foi condenado pelo Tribunal do Júri à pena de morte. Em vez de confessar a culpa, ele manteve sua inocência no processo de investigação e julgamento. Continua preso, aguardando a execução da pena, segundo o jornal The Dallas Morning News.
Ele foi condenado graças ao testemunho da vizinha, que, nas entrevistas com os investigadores na delegacia, o descreveu de uma maneira bem diferente do que realmente era. Ela não conseguiu identificar o réu nem mesmo por fotos ou em meio a um grupo de “suspeitos”. Mas, depois de conversas com os investigadores e de passar por sessões de hipnose, ela apontou, do banco das testemunhas no julgamento, o dedo para o réu.
A técnica da hipnose investigativa é contestada pelos cientistas, de uma maneira geral, por não ser confiável, nem mesmo tomadas todas as precauções. Ela se baseia, dizem seus oponentes, em pseudociência (nos EUA, junk science — literalmente, “ciência-lixo”).
O jornal da Associação Médica Americana se posicionou contra o uso dessa técnica com a declaração:
“O Conselho (da associação) conclui que recordações obtidas durante hipnose podem envolver confabulações e pseudomemórias e que não apenas deixam de ser mais precisas, mas parecem ser, na verdade, menos confiáveis do que recordações não hipnóticas. O uso de hipnose em testemunhas e vítimas pode ter sérias consequências para o processo criminal quando o testemunho se baseia em material obtido de uma testemunha que foi hipnotizada com o propósito de refrescar sua memória”.
Há defensores da técnica, além do Departamento de Polícia do Texas. O National Criminal Justice Reference Service (NCJRS) declara em seu site:
“O valor da memória refrescada hipnoticamente em investigações criminais tem sido demonstrado em vários casos. Dependendo de diversas variáveis, a hipnose pode possibilitar a ultrapassagem de variáveis inconscientes, facilitar a desobstrução da memória de eventos em questão e fornecer uma oportunidade de examinar detalhes não reconhecidos anteriormente. A hipnose pode ajudar o indivíduo a relembrar um evento traumático desapaixonadamente, sem distorção ou bloqueio emocional”.
O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) admite o uso de hipnose investigativa, que chama de hipnose forense, com algumas condições. Mas ressalta as objeções e sugere o uso de “entrevista cognitiva”, em vez de hipnose. O DOJ declara em seu site:
“Em certos casos limitados, o uso de hipnose forense pode ajudar no processo investigativo. Testemunhas de crimes têm conseguido recordar certas facetas do crime em estado hipnótico, que não se lembraram sem hipnose. No entanto, o uso de hipnose está sujeito a sérias objeções e, portanto, deve ser útil apenas em raras ocasiões. As informações obtidas de uma pessoa durante um transe hipnótico não podem ser consideradas precisas. Portanto, qualquer informação obtida pelo uso de hipnose deve ser cuidadosamente checada, para se verificar a precisão e a (possibilidade de) corroboração”.
“É, portanto, aconselhável consultar um psicólogo ou um psiquiatra certificado por seu conselho para se certificar de que a matéria em questão é apropriada para a aplicação da hipnose forense”, continua o DOJ. “Por causa da questão de admissibilidade (da prova) obtida de uma sessão de hipnose, os promotores devem considerar a conveniência e possível aplicação de uma entrevista cognitiva, antes de usar a hipnose. A entrevista cognitiva é uma entrevista não hipnótica estruturada, que é usada para aumentar a capacidade da testemunha de se lembrar de um evento, por se engajar na reconstrução do contexto no qual o evento aconteceu. Nesse tipo de entrevista, é pedido à testemunha que: 1) reconstrua as circunstâncias do evento; 2) forneça um relato não dirigido do evento; 3) lembre as circunstâncias do evento em ordens diferentes; 4) mude sua perspectiva do evento”.
A Califórnia permite o uso de hipnose investigativa, embora tal técnica não seja usada costumeiramente. No entanto, há restrições. A hipnose tem de ser feita por um profissional, como um psiquiatra — e não por policiais, como no Texas. Os policiais podem assistir à sessão de hipnose eletronicamente e podem sugerir perguntas ao psiquiatra. O testemunho obtido só pode servir de auxílio às investigações, não pode ser usado como prova em julgamento.
No Texas, qualquer policial pode submeter uma testemunha ou uma vítima a sessões de hipnose. Para isso, ele faz um curso de uma semana e um teste escrito para se tornar um “especialista” em hipnose. O Texas tem 800 investigadores policiais certificados, segundo o The Dallas Morning New.
Projetos de lei já foram apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado da Assembleia Legislativa do Texas com o objetivo de proibir a polícia e os promotores de usar testemunhos obtidos por meio de hipnose investigativa como provas em julgamentos. Ou até mesmo de realizar sessões de hipnose para ajudar nas investigações.
João Ozorio de Melo – Conjur