BOCA NA BOTIJA – Ação não deixa de ser criminosa quando barrada por circunstâncias externas
Uma ação não deixa de ser criminosa apenas porque circunstâncias alheias à vontade do autor da infração penal frustraram a concretização do delito. O entendimento é da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. A corte negou Habeas Corpus que pedia o trancamento de uma ação movida contra homem acusado de extorsão mediante tentativa de sequestro. A decisão é desta quinta-feira (15/4).
Em janeiro deste ano, a polícia abordou um carro que estava parado na frente de uma empresa. O único participante preso — os demais conseguiram fugir — disse que ele e seus companheiros aguardavam o diretor empresarial da companhia sair do prédio para sequestrá-lo. O grupo estaria armado e já tinha preparado um cativeiro.
A defesa alegou falta de justa causa e atipicidade da conduta, já que o paciente havia, no máximo, cometido ato preparatório e cogitação de sequestro, sem que a ação fosse concretizada. O TJ-SP discordou.
“O paciente e seus comparsas já haviam iniciado os atos preparatórios, ultrapassando a cogitação, passando para atos objetivos, pois munidos dos instrumentos necessários à prática da empreitada criminosa, e pelo que viu, em frente à empresa em que a vítima era diretor, esperando a hora que ele se aproximasse, ou seja, a oportunidade mais favorável para a realização do crime, conforme combinado com compras, adquirindo a arma de fogo, além de obter veículo para transportar a vítima”, diz a decisão que negou o pedido de HC.
A corte citou o artigo 14 do Código Penal, que considera crime a infração penal, mesmo que tentada, nos casos em que a execução do ilícito já foi iniciada, mas frustrada por circunstâncias alheias — no caso concreto, frustrada pela abordagem policial ocorrida antes do sequestro acontecer.
Manifestação do MP
O TJ-SP concordou com a argumentação do Ministério Público. Em manifestação, o procurador de justiça Saulo de Castro Abreu Filho pontuou que o delito de extorsão pode ser admitido em modalidade tentada.
“Há execução quando praticado o primeiro ato capaz de levar ao resultado consumativo e não houver nenhuma dúvida de que tal ato destina-se à consumação”, pontuou a manifestação ministerial.
Ainda segundo o procurador, só seria admissível o pedido de ordem de HC se “fosse constatada que a denúncia e seu recebimento decorreram de mera abstração, o que não se evidencia no caso concreto”.
À ConJur, Saulo de Castro explicou que ainda que a doutrina dominante considere atos preparatórios como não passíveis de punição, o caso concreto extrapola a mera cogitação da infração penal.
“O limite dos atos preparatórios e o início da execução de um crime ocorrem com o perigo ao bem jurídico tutelado. Na hipótese, ao que parece, o bem jurídico protegido já estava em situação de perigo e, portanto, já não existiam mais atos preparatórios”, disse.
Processo 2040006-83.2021.8.26.0000
Tiago Angelo – Conjur