IRRITADA COM CAMINHÃO – TJ/SP recebe denúncia contra promotora que avançou carro em trabalhador
A propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de autoria. Não é exigida certeza, que a toda evidência somente será comprovada ou afastada durante a instrução probatória.
Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu uma denúncia contra a promotora Janine Rodrigues de Souza Baldomero, da 2ª Promotoria de Justiça de São Sebastião, por expor a vida ou a saúde de terceiro a perigo direto e iminente (artigo 132, caput, do Código Penal).
Conforme a denúncia, em outubro de 2018, a promotora dirigia por uma avenida de Ilhabela, no litoral paulista, quando se deparou com um caminhão de coleta de lixo do município estacionado em uma das faixas enquanto dois trabalhadores recolhiam e prensavam o material descartado, o que acabou afetando o fluxo de veículos.
“Irritada com a obstrução da via pública, na tentativa de abrir passagem e prosseguir imediatamente em seu trajeto, com consciência e vontade de criar situação de perigo direto e iminente a vida e a saúde de um dos trabalhadores, a denunciada avançou com o seu conduzido em direção a ele, atingindo-o no abdome com o espelho retrovisor e a ponta do para-choque, sem, contudo, lesioná-lo”, diz a denúncia.
Na sequência, conforme a peça acusatória, com a abertura da passagem, a promotora deixou o local em direção a balsa de acesso a São Sebastião. Em defesa prévia, Janine afirmou não haver justa causa para a ação penal e disse que a Corregedoria do Ministério Público arquivou um procedimento administrativo instaurado pelos mesmos fatos.
Mas, por maioria de votos, o Órgão Especial recebeu a denúncia e abriu a ação penal. “A denúncia é apta a deflagrar a fase judicial da persecução penal. Atendidos todos os requisitos do artigo 41 do CPP, na medida que contém a exposição do fato criminoso imputado à denunciada, suas circunstâncias, a classificação do delito e as provas que a acusação pretende produzir”, disse o relator, desembargador Moreira Viegas.
Para o magistrado, o fato criminoso foi descrito adequadamente, individualizada, o quanto possível, a conduta da promotora. Viegas considerou “vazia” a alegação da defesa de ausência de lastro probatório apto a conferir justa causa à deflagração da ação penal. E também citou a “segurança e riqueza de detalhes” dos depoimentos dos trabalhadores que recolhiam o lixo em Ilhabela.
“Igualmente, irrelevante e sem nenhuma repercussão, a notícia de não ter a autoridade policial, a despeito da lavratura do boletim de ocorrência não haver instaurado inquérito policial ou desencadeado qualquer ato investigatório preliminar; bem como a circunstância da Corregedoria do Ministério Público, num primeiro momento, arquivado o procedimento administrativo disciplinar”, completou.
Isso porque, conforme o relator, é atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça a investigação e apuração de fato criminoso, que ao menos em tese, tenha como autor ou partícipe um membro do Ministério Público. Ele também lembrou que, na fase de oferecimento da denúncia, prevalece o princípio do in dubio pro societate.
“Firme a jurisprudência, inclusive, das Cortes Superiores, em asseverar ser imprópria a prematura valoração do quadro probatório a fim de obstar interesse, ao que tudo indica legítimo, do Ministério Público em dar prosseguimento à persecução criminal, pois é no desenrolar da ação penal, mediante amplo contraditório, que a convicção judicial a respeito da autoria e materialidade delitiva é consolidada”, afirmou Viegas.
Divergência
A decisão foi por 17 votos a 7. O entendimento dos vencidos foi de que, no caso, não havia qualquer testemunha estranha às partes “de modo a dar uma descrição isenta do que ocorreu”, só existindo a palavra dos trabalhadores contra a da promotora.
“Nenhuma lesão ocorreu. Propor-se ação penal nessas condições é invariavelmente se levar a uma solução absolutória, havendo desnecessidade de passar-se pelo processo sem que exista alguma prova segura”, disse o desembargador Damião Cogan, que completou: “A ação penal não é uma aventura”.
Para o desembargador Aguilar Cortez, não havia início de prova nem qualquer evidência de atropelamento, e a dinâmica dos fatos também era controvertida. “Nada autoriza dizer que existam elementos mínimos para sequer aceitar a denúncia e ter como possível o enquadramento da situação no tipo penal do artigo 132 do CP”, afirmou.
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2022247-09.2021.8.26.0000
Tábata Viapiana – Conjur