CNJ – Justiça Restaurativa muda vida de crianças e jovens em conflito com a lei no Ceará
Violência gera violência. E gentileza gera gentileza. Não há quem discorde das duas afirmações. No entanto, ao sermos afrontados em nossos espaços e direitos, ainda tendemos a buscar o litígio e a vingança como formas de compensação. Na contramão dessa cultura, a Defensoria Pública do Ceará criou o Centro de Justiça Restaurativa (CJR) para trazer novos olhares e construir novas histórias junto a crianças e jovens em conflito com a lei.
“O crime, quando acontece, é a ponta de um iceberg. O que fazemos é olhar embaixo. Como se chegou até aquele ponto e como podemos recomeçar daqui para frente”, conta a defensora pública Érica Regina Albuquerque, coordenadora do projeto. A proposta é olhar para o passado e para o presente a fim de projetar em um novo futuro, levando em consideração os sentimentos e as necessidades de todos os envolvidos. “Precisamos cuidar da vítima, claro, mas também do agressor, para que a história de violência não se repita.”
O trabalho desenvolvido no CJR consiste em cinco etapas: a análise do caso e avaliação pela Polícia Civil ou Ministério Público sobre a possibilidade de o caso ser atendido pela Justiça Restaurativa e a vontade das partes para que isso aconteça; o acolhimento e a conversa de ambas as partes com a equipe do Centro para explicar o trabalho; o atendimento individual dos envolvidos para identificar as necessidades tanto da vítima e sua família quanto do agressor e de sua família; e o encontro presencial entre todos no qual se chega a um acordo que pode ser o pagamento em dinheiro ou a prestação de um serviço ou outro combinado comum. No encontro, as pessoas se posicionam em um círculo para dar horizontalidade de posições.
“Quando cheguei ao CJR, eu estava como um leão ferido louco para abocanhar quem estivesse pela minha frente”, afirma um pai, corretor de imóveis, após ver a filha passar por uma experiência de violência com um namorado. “Eu queria prisão, queria dar o troco, que ele sentisse o mesmo sofrimento da minha filha”, lembra. Sendo também estudante de Direito, não pensava em outro caminho que não fosse litigioso. Convidado a participar de uma reunião com a equipe do CJR, aceitou sem muitas expectativas. “Eles me ouviram. Ouviram cada palavra, cada desabafo, cada choro. Eu precisava desabafar os meus sentimentos e encontrei pessoas dispostas a me ouvir e a entender as minhas necessidades.”
Quando foi convidado a se encontrar pessoalmente com o agressor da filha, o corretor de imóveis temeu pela própria reação. “Achei que iria pular nele, tamanha a minha raiva. Mas na hora em que o vi, me surpreendi, pois a minha vontade era de entender o porquê. Conheci a mãe dele, entendi a realidade da família, o impacto da ausência do pai na vida dele. Me emocionei. Impus algumas condições que foram aceitas e hoje nossas famílias são ainda mais amigas e ele frequenta a minha casa. Nunca mais tivemos problemas”, detalha. Para ele, a “Justiça Restaurativa é a Justiça do futuro”. “Ela cura! Eu fui curado da minha dor. Ela cura a vítima e também o agressor, e acaba com o círculo de violência.”
O CJR foi criado em abril de 2017 dentro do Núcleo de Atendimento ao Jovem e Adolescente em Conflito com a Lei (Nuaja). O trabalho é realizado em parceria com o Instituto Terre des Hommes Lausanne (TDH) no Brasil que oferece suporte às atividades. As atividades são desempenhadas também em parceria com Tribunal de Justiça do Ceará, Vice-governadoria do Ceará, Ministério Público do Ceará, Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) e Pastoral do Menor (CNBB). Desde que foi criado, os métodos da Justiça Restaurativa tiveram sucesso em mais de 80% dos casos. Entre os meses de abril de 2018 e 2019, foram 22 processos que resultaram em práticas restaurativas, entre os quais 18 resultaram em acordos que foram cumpridos.
Reconhecimento
Em outubro de 2021, o projeto do CJR da Defensoria do Ceará ganhou do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o Prêmio Prioridade Absoluta, na categoria Sistema de Justiça, eixo Infracional. A iniciativa reconhece boas práticas voltadas à promoção, valorização e respeito aos direitos das crianças, adolescentes e jovens postas em prática pelo Judiciário, sociedade civil organizada e órgãos do Sistema de Justiça e do poder público.
“Ficamos muito honrados com a premiação pois assim a Justiça Restaurativa ganha ainda mais visibilidade e podemos mostrar uma nova maneira de resolver conflitos, de forma mais pacífica, com soluções sustentáveis, fortalecendo vínculos e verdadeiramente satisfatória”, comemora a defensora pública Erica Regina Albuquerque.
Conselho Nacional da Justiça