CRIME DE ÓDIO – Juíza rejeita acordo de admissão de culpa bom demais para os réus
Começa nesta segunda-feira (7/2) o julgamento, em um tribunal federal, dos três homens brancos que foram condenados à prisão perpétua, em um fórum estadual, no início de janeiro, pelo assassinato de Ahmaud Arbery, um homem negro que praticava jogging em uma rua de Brunswick, na Geórgia, EUA. Agora, eles serão julgados por crime de ódio, uma competência da justiça federal.
Gregory McMichael, 66 anos, e Travis McMichael, 35, pai e filho, foram sentenciados à prisão perpétua sem direito a liberdade condicional. O vizinho William Bryan, 52, que teve uma participação menor no crime, foi sentenciado à prisão perpétua, com direito a pedir liberdade condicional após 30 anos de prisão. As sentenças foram proferidas pelo juiz Timothy Walmsley.
Um desdobramento interessante da fase de pré-julgamento foi a decisão da juíza Lisa Wood de rejeitar um acordo de admissão de culpa, feito entre os promotores e os réus Gregory McMichael e Travis McMichael, para evitar o julgamento. Por esse acordo, pai e filho confessavam que perseguiram e mataram Arbery “em parte porque ele era negro”. E concordavam em não entrar com recurso contra a sentença de que lhes seria aplicada.
Em audiência para discutir o acordo com a juíza, a promotora Tara Lyons declarou que Travis McMichael, que de fato atirou em Arbery, estava “confessando publicamente ao mundo que esse crime não teria acontecido se Ahmaud Arbery não fosse negro”. E admitiam que eles usaram força ou ameaça de força para intimidar e ferir a vítima e interferir em seus direitos civis por causa de sua raça. Por isso, ela achava que esse era um bom acordo.
A juíza rejeitou o acordo a pedido da família de Arbery, que o considerou vantajoso demais para os réus. Isto é, os promotores teriam feito uma oferta muito generosa a eles: em troca da admissão de culpa, eles iriam passar os primeiros 30 anos de suas penas em uma prisão federal, em vez de em prisão estadual. E os promotores iriam desconsiderar outras acusações.
O advogado da mãe de Arbery, Lee Merritt, disse que esse foi um acordo feito por baixo dos panos para favorecer os réus, uma vez que as condições das prisões federais são consideravelmente melhores do que as das prisões estaduais.
“Uma prisão federal é um country club, em comparação com uma prisão estadual. As prisões federais têm populações bem menores, têm mais fundos e outros recursos e, normalmente, acomodam os prisioneiros muito melhor do que as prisões estaduais”, ele postou no Twitter. Ele e a família decidiram se opor ao acordo logo que souberam da oferta dos promotores de mandá-los para uma prisão federal, ele disse ao New York Times e Washington Post.
Agora, os dois vão oficialmente retirar o acordo e negar, no julgamento, que perseguiram e mataram Arbery porque ele era negro. Seus advogados vão defendê-los contra a acusação de crime de ódio e voltar à defesa antiga de que tentaram apenas fazer uma prisão por cidadão comum, porque suspeitaram que Arbery era responsável por alguns furtos que ocorreram na vizinhança — uma tese que já foi vencida no julgamento estadual, mas que pode servir para se contrapor à acusação de motivo racial e de violar os direitos civis da vítima.
Os promotores, por sua vez, vão reforçar a acusação de crime de ódio com o testemunho de William Bryan, o vizinho que acompanhou os McMichaels na perseguição, de que Travis McMichael usou a gíria “nigger” (tão ofensiva aos negros que a imprensa só usa o eufemismo “the n-word”), quando atirou em Arbery.
Os promotores também vão recorrer a provas colhidas na mídia social (por eles e por investigadores policiais) de uso frequente de insultos raciais, como os de se referir a negros como “niggers”, macacos e selvagens. Travis McMichael também se referiu a negros como “crackheads” (pessoas viciadas em crack) e “dentes de ouro”.
Um investigador federal poderá testemunhar que Travis McMichael “expressou o desejo de que crimes sejam cometidos contra afro-americanos”. Autoridades declararam que a placa da camionete dos McMichaels contém uma antiga bandeira da Geórgia com um emblema de batalha dos Confederados (um grupo de estados do Sul que lutaram contra a União na Guerra Civil, pela secessão, e eram contra a libertação dos escravos).
Os advogados do vizinho, por sua vez, procuraram bloquear testemunhos “que sugerem que Bryan não aprovou o namoro de sua filha adotiva com um homem negro”. Bryan também irá enfrentar acusações de crime de ódio, por violar os direitos civis de Arbery e de persegui-lo porque era negro.
João Ozorio de Melo – Conjur