DOSIMETRIA VARIÁVEL – TJSP diverge sobre aumento de pena por tráfico perto de escolas na epidemia
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem apresentado posicionamentos diferentes quanto à aplicação da causa de aumento de prática de tráfico de drogas nas imediações de escolas durante a epidemia da Covid-19, ou seja, quando os estabelecimentos de ensino estavam fechados.
De um lado, há Câmaras de Direito Criminal que mantiveram a majorante, mesmo com o fechamento das escolas ao longo de 2020 e 2021. A corrente majoritária, no entanto, não reconhece ou afasta a causa de aumento em razão da ausência de crianças e adolescentes nos locais onde foram cometidos os crimes de tráfico de drogas.
Ao confirmar a condenação de um homem a 9 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, a 7ª Câmara de Direito Criminal manteve a causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei de Drogas. Em julho de 2020, o réu foi preso em flagrante com cerca de 8 gramas de cocaína nas imediações de uma escola.
“Presente a causa de aumento ante a prova oral acusatória, que confirmou a narcotraficância ocorrida próxima a instituição de ensino, inclusive com a indicação da escola em audiência através do Google Maps. Desnecessária a comprovação da mercancia com os frequentadores dos locais protegidos pelo artigo 40, inciso III da Lei de Drogas, sendo suficiente a proximidade àqueles locais”, disse o relator, desembargador Klaus Marquelli Arroyo.
Mesmo entendimento foi adotado pela 14ª Câmara de Direito Criminal ao manter a condenação de um homem a 8 anos e 2 meses de prisão, em regime inicial fechado. Ele foi detido, em novembro de 2020, com 22 porções de maconha e 9 de cocaína perto de uma escola pública. O relator da ação foi o desembargador Fernando Torres Garcia.
“Consoante entendimento pacífico desta Colenda 14ª Câmara Criminal, a mera posição geográfica de tal estabelecimento constitui fator bastante para a exacerbação da reprimenda, pois representa risco potencialmente maior de que a maléfica e abominável conduta criminosa venha a atingir as crianças e adolescentes que por lá transitam no dia a dia”, afirmou o magistrado.
Para ele, “pouco importa” se o tráfico de drogas visava, ou não, os alunos da escola, já que o simples perigo, concreto e real, em relação aos mesmos já é suficiente para o aumento da pena, “sendo irrelevante o fato de que, na data dos fatos, estivessem os alunos em aula ou férias, pois é sabido que, muitos deles frequentam o local mesmo durante as férias para uso da área de lazer”.
A 2ª Câmara de Direito Criminal também manteve a causa de aumento e condenou um homem, detido a 350 metros de uma escola com 41 porções de maconha, 363 de cocaína e 58 de crack, a 5 anos e 10 meses de prisão, em regime inicial semiaberto. O crime ocorreu em abril de 2020.
“A proximidade do local dos fatos com o estabelecimento de ensino ficou bem evidenciada, porquanto o croqui do local dos fatos e os depoimentos dos policiais militares indicam que o acusado estava nas imediações de um colégio (cerca de 350 metros), sendo irrelevante que o acusado não tivesse a intenção de se aproveitar dos frequentadores do local para o comércio de drogas, uma vez que esta majorante tem natureza objetiva”, frisou o relator, desembargador Luiz Fernando Vaggione.
Causa de aumento afastada
A 15ª Câmara de Direito Criminal não reconheceu a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso III, da Lei de Drogas, como pleiteou o Ministério Público. O caso envolvia um homem preso com 11 pedras de crack, 177 porções de cocaína e 30 de maconha, em setembro de 2020, nas proximidades de uma instituição de ensino. Ele foi condenado a cinco anos de prisão, em regime inicial fechado.
Segundo o relator, desembargador Ricardo Sale Júnior, não se vislumbra a efetiva exposição de pessoas aos riscos inerentes à prática do tráfico de drogas, “tendo em vista que, à época dos fatos, as escolas encontravam-se fechadas em virtude da pandemia de Covid-19, de modo que não havia circulação de estudantes no local, circunstância esta que impede o reconhecimento da causa de aumento de pena ora em debate”.A 12ª Câmara de Direito Criminal foi na mesma linha e afastou a majorante na condenação de três pessoas, detidas em agosto de 2020 com 1,8kg de maconha. “A causa de aumento deve ser afastada, como pleiteiam as defesas, tendo em vista que, com o cenário da pandemia de Covid-19, na época dos fatos, as escolas permaneceram fechadas, ou seja, não houve maior circulação de pessoas em razão do estabelecimento de ensino, motivo pelo qual a referida causa de aumento não pode ser reconhecida”, disse o relator, desembargador Paulo Rossi.
Na 5ª Câmara de Direito Criminal, o desembargador Damião Cogan, negou um pedido do Ministério Público para reconhecer a causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei de Drogas, na condenação de um homem preso, em outubro de 2020, com três pedras de crack, nas imediações de duas escolas e de um ginásio de esportes.
“Referida majoração por proximidade da escola ou quadra tem que redundar em perigo concreto com a frequência efetiva de pessoas aptas à aquisição de drogas no local, o que inocorreu, tendo em vista estarem referidos estabelecimentos fechados no dia dos fatos (28/10/2020) em razão da pandemia da Covida-19 (Decreto 64.864, de 16/03/2020)”, explicou Cogan ao fixar a pena em 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado.
O mesmo posicionamento foi aplicado pela 3ª Câmara de Direito Criminal ao confirmar a condenação de um réu, detido com 50g de cocaína perto de uma escola. Para o relator, desembargador Toloza Neto, não havia prova da difusão do vício entre os frequentadores da instituição de ensino, de modo que não ficou demonstrada a intenção do réu em atingi-los com a prática criminosa.
“Além disso, como bem ressaltou a r. sentença: ‘O fato ocorreu durante a suspensão de aulas decorrente da pandemia de Covid-19, período em que não havia circulação de estudantes para que o risco de venda de drogas a adolescentes e crianças pudesse ser aumentado. Sem haver tal risco, a causa de aumento, mesmo que se caracterize pela mera proximidade física, não se aplica porque o estabelecimento de ensino estava fechado'”, diz o acórdão.
Já a 1ª Câmara de Direito Criminal acolheu em parte o recurso da defesa de um condenado para afastar a majorante. Em abril de 2020, o homem foi preso em flagrante com 335 porções de crack, 108 de maconha e 26 de cocaína. Para o relator, desembargador Diniz Fernando, além da pandemia da Covid-19, também não havia indícios de que o réu se instalara perto de uma escola de forma proposital, para vender drogas aos estudantes.
“Não há nenhum indício de que o réu sabia dessa circunstância e tenha instalado propositalmente o ponto de tráfico naquele local para ter maior proveito da venda de drogas em local de maior concentração de pessoas, até porque não foi flagrado em ato de comércio. Deve ser ressaltado, também, que os fatos se deram no momento inicial da pandemia de Covid-19, quando foram suspensas as reuniões e as aulas presenciais”, disse.
Com o afastamento da majorante, a pena do réu foi reduzida de 11 anos e 8 meses de reclusão para 6 anos, 9 meses e 20 dias, mantido o regime inicial fechado. Todas as decisões citadas nesta reportagem foram por unanimidade.
1501080-91.2020.8.26.0302
1503728-63.2020.8.26.0037
1500780-82.2020.8.26.0544
1500540-54.2020.8.26.0557
1500720-16.2020.8.26.0187
1501213-83.2020.8.26.0545
1500933-78.2020.8.26.0621
1500679-23.2020.8.26.0616
Tábata Viapiana – Conjur