Law of Order a nossa tapioca do Pacto Pela Vida: Sistema Prisional de Pernambuco
Cezar Jorge de Souza[1]
O poder legislativo em tentativas de solucionar o problema da violência começa a propor novas soluções com base na criação de Novos Tipos Penais (neocriminalização), trazendo consigo o “inflacionismo” penal, que de forma ineficaz aponta sempre o Direito em Função do Sujeito Delinqüente, aumentando de sobremaneira as hipóteses dos tipos penais. Dentre os diversos mecanismos utilizados pelo estado na tentativa de solucionar e produzir resposta rápida e eficiente ao problema do crescimento exponencial da criminalidade, onde todos se arvoram penalistas de primeira linha, instigando à população e os legisladores a proposição de criminalização de condutas ou o recrudescimento das penas já existentes.
Assim desta feita, Ana Claudia Pinho, demonstra a preocupação com a inflação legislativa, e afirma: “Fazendo uma digressão nos postulados das escolas filosóficas do pensamento penal, salienta-se que, para os clássicos, o crime é um ente jurídico; ou seja, uma criação do Estado. Assim, sob esse prisma, cabe ao legislador a tarefa de “criar o crime”. Em última análise, portanto, compete ao Poder Legislativo impor à coletividade todos os modelos de conduta que serão reprimidos através da pena criminal[2].”.
A legislação penal brasileira, acompanhando a “orgia legiferante” do ordenamento jurídico brasileiro, fica cada vez mais adiposa na medida em que a mídia celebriza certos acontecimentos. Nos dias de hoje, com a superpopulação carcerária verifica-se o quão precipitado foi o legislador. Tipos penais insignificantes são etiquetados como hediondos[3]. Beijo lascivo e falsificação de cosméticos, por exemplo, são considerados crimes hediondos de acordo com o ordenamento jurídico vigente.
A legitimidade do estado deve nortear os princípios constitucionais. Princípio da Legalidade; Principio da Intervenção Mínima; Principio da Lesividade. Esses princípios são relativos aos dados da ordem jurídica penal, a exemplo, eis o principio da legalidade dos delitos e das garantias penais, fornece ao sujeito da devida garantia de liberdade. Diz o texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5. °, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Desta forma, o acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se solidificam as acusações, já que se pode chegar a uma conclusão de que o mesmo é inocente.
Apesar de incontestável relevância a necessidade de medidas resolutivas ou ao menos redutoras da violência em que nos encontramos atualmente, decorrente do inegável aumento das condutas delitivas, não podemos nos desviar dos princípios constitucionais e permitirmos um retrocesso processual, retroagindo ao tempo da inquisição.
Ante os fatos esboçados no presente artigo tem por escopo demonstrar a relação do aumento exponencial da violência e do clamor social com a subordinação dos preceitos constitucionais ao imediatismo requerido pela sociedade na solução dos problemas advindos da violência desenfreada, ao passo que, legiões de pessoas sem soluções plausíveis e equilibradas servem-se apenas da última ponta da política criminal, o cárcere, de exceção virou regra, para resolução do impasse atual existente entre a necessidade de punir e o dever de respeito aos ditames legais.
Pernambuco possui uma política de segurança pública denominada “Pacto pela Vida”, implantada na gestão do ex-governador, Eduardo Campos. Uma política que busca por meio de incentivos remuneratórios, incentivarem os agentes públicos, a efetuar prisões e a manter a “ordem” na sociedade.
É a nossa reinvenção com ares de “maracatu” ou “sabor de tapioca”, da política implantada por Rudolph Giuliani em 1994 na cidade de New York, foi então a realização prática da Teoria das Janelas Quebras e partiu para a TOLERÂNCIA ZERO. Essa teoria partiu do experimento de Kelling e Wilson na seguinte forma, fundamentou no experimento de deixar dois automóveis idênticos em bairros diferentes, sendo um deles com o capô aberto, sem placas, vidros quebrados ficando num bairro pobre em Nova Iorque e foi em 24 horas destruído. O outro carro sem nenhuma danificação foi deixado num bairro de classe média e permaneceu assim por duas semanas até que um dos pesquisadores quebrou algumas janelas e partes do automóvel e então, a partir daí, o carro foi totalmente destruído. Chegando a brilhante conclusão de que, a repressão massificada iria reduzir a criminalidade.
Mas, e aqui em Pernambuco, Estado localizado no centro leste nordestino do Brasil, rico em cultura e artes, contudo pobre em divisão de renda e com falho sistema educacional, não seria Pernambuco e suas políticas a própria “janela quebrada”?
Como o exposto, o Direito Penal Brasileiro dirige-se para o modelo de “Law and Order” (Lei e Ordem), uma criação oriunda dos Estados Unidos da América, mais precisamente de New York, a teoria do movimento Law and Order surge das idéias de Wilson e Kelling, e implementada definitivamente pelo prefeito daquela cidade a época, Rudolph Guiliani. A tese defendida por eles é: Teoria das Vidraças Quebradas, defendendo a repressão do Estado de modo severo e imediato, nos crimes considerados Leves, haja vista que a defesa da tese deles é que, os infratores dos crimes menores seriam o “espelho” para os infratores dos crimes de maior potencial ofensivo. Com uma punição severa dos pequenos delitos, os índices dos crimes de grande porte cairiam, haja vista o temor que tais condutas repressivas causariam nos delinquentes. A isso faço o destaque da afirmativa de Leonardo Sica:
(…) o terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana. Não é necessária estatística para afirmar que a maioria das sociedades modernas, a do Brasil dramaticamente, vive sob o signo da insegurança. O roubo com traço cada vez mais brutal, ‘sequestros-relampagos’, chacinas, delinquencia juvenil, homicídios, a violência propagada em ‘cadeia nacional’, somados ao aumento da pobreza e à concentração cada vez maior da riqueza e à verticalização social, resultan numa equação bombástica sobre os ânimos populares.[4]
No ano de 2005, Pernambuco possuía entre 110 a 220 pessoas segregadas por cada 100.000 habitantes, em 2014 esse número saltou para 450 a 569 para cada mil habitantes. Somos obrigados a adentrar ao ponto de que, hoje em números absolutos a população carcerária pernambucana ultrapassa os 33 mil detentos (em todos os regimes), chegando a ser maior que a população de muitas cidades do nosso interior.
População quando não são analfabetos, são analfabetos funcionais, baixa compreensão e apreensão da sua realidade objetiva e subjetiva própria ou alheia, que ainda muito jovem desviam-se e entram na criminalidade e de lá, o mesmo Estado que segrega não lhes oferece a oportunidade de ressocialização, e até o dever de cuidar da integridade física, o Estado da às costas.
Poucos dias atrás, foi noticiado que 6 mortos e 11 feridos na unidade prisional de Caruaru, no início deste mês 2 mortos e 4 feridos no complexo prisional do curado, este ano os mortos já passam de uma dezena, feridos outros tantos. São recantos abandonados pelos homens, verdadeiros depósitos de gente, e lá dentro, existe de tudo, da “bodega” sortida, telefones, drogas e por fim armas.
O nosso sistema carcerário pernambucano, não é sistema carcerário, é uma cortina de fumaça que serve apenas para limpar as ruas de alguns elementos e dar uma suposta/pseudo segurança a sociedade, e os apenados considerados nocivos pelos poderes institucionais são jogados a própria sorte ou azar, pois a sua razão primária do sistema que é evitar, prevenir e ressocializar o apenado não faz nem minimamente. Se formos falar em outros campos de concentração espalhados no Brasil a fora, iremos ficar mais estarrecidos: Pedrinhas (MA); Presídio Central de Porto Alegre; Presídio Lemos de Brito (BA); Presídio Vicente Piragibe (RJ); Penitenciária Dr. José Mário Alves da Silva, o ‘Urso Branco’ (RO); Centro de Detenção de Pinheiros (SP); Instituto Penal Masculino Paulo Sarasate (CE); Penitenciária Feminina Bom Pastor (PE); Complexo prisional do Curado (PE)
A legislação Penal e o Sistema Penal brasileiro estão perdendo o “foco”, experienciando uma verdadeira crise processual e executiva das penas. O legislativo atabalhoadamente e com o afã de conseguir resolver a criminalidade, procura resolver apenas a “ponta do iceberg”, aumentando exaustivamente os tipos penais, para tutelar os bens jurídicos pouco importantes do conviver em sociedade.
Com o crescente avanço da criminalidade e o aumento da sensação de insegurança, tem aumentado o clamor social por uma justiça célere, e rígida, que puna de modo mais rigoroso e eficaz os cidadões que de algum modo tenham transgredido a ordem legal estabelecida.
Tal desejo, oriundo do aumento da violência vem ocasionando inúmeros despautérios legais, levando juízes a determinarem prisões preventivas e conceder a manutenção destas, sem que haja observância dos requisitos legais, causando prejuízos diversos ao ordenamento jurídico e violentando direitos fundamentais das pessoas que de algum modo se encontram em situação de suspeita no condizente à pratica de alguma delito.
Os operadores do direito devem sim estar atentos aos anseios sociais, mas não podem se deixar levar por estes e tão pouco os legisladores com sede de justiça, cabe observar as reais necessidades e encontrar os mecanismos capazes de atender às expectativas da sociedade sem frustrar a legalidade das decisões, buscando evitar a violação de princípios constitucionais sob o titulo e pretexto de uma justiça célere e eficaz.
A nossa tão sofisticada política criminal ou política de encarceramento “PACTO PELA VIDA”, é uma colcha de retalhos dizimando as pessoas menos favorecidas e nelas colocando trancas, as chaves dessas trancas estão nas mãos dos advogados criminais, que lutam pela dignidade e não permitindo que o Estado Democrático de Direito transforma-se em Estado Policial de Direito. O sistema Law of Order sabor tapioca, digo nosso Pacto Pela Vida queima a tapioca, desanda o ritmo do maracatu, apenas muda o lugar do problema social e o coloca em uma única caixa e espera apenas ver a explosão, e nessa explosão toda a sociedade perde. O que os olhos não vêem o coração não sente.
Referências Bibliográficas
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PINHO, Ana Cláudia B. de. Em busca de um Direito Penal Mínimo e de uma Redefinição de Papel para o Ministério Público. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, SP, ano 8, n.95, 2000.
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SANCHEZ, Cláudio José Palma, Perspectivas dos Princípios Constitucionais no Campo Penal. Disponível em: http://professoraliza.spaces.live.com .
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VARGAS, Robson. A Mídia e o Direito Penal do Inimigo. Disponível em www.direitopenal.adv.br/artigos.aso?id=1369 Acesso em 24 jul.2011.
[1] Advogado, especialista em Direito Público, Especialista em Direitos Humanos, Mestre em Ciências Jurídicas – Direitos Fundamentais, Vice-presidente da CDH/OAB-PE, Menbro da ABRACRIM-PE
[2] Em seu artigo Em Busca de Um Direito Penal Mínimo e de uma Redefinição de Papel para o Ministério Publico, faz-nos ver a necessidade de um discernimento acerca da produção legislativa penal, sem as devidas preocupações com a constitucionalidade material de tais normas criminalizantes, esquecendo-se da subsidiariedade do direito penal em nosso ordenamento.
[3] QUEIROZ, Paulo. Direito Penal.Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Saraiva 2005.
[4] SICA, Leonardo (p. 54, apud. GRECO, 2010, p. 13):Direito penal de emergência e alternativa à prisão, Op.cit.
Sugerido e enviado por Emerson Leônidas – Presidente ABRACRIM – PE