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Todos contra um – Uma das piores coisas da advocacia criminal é a sensação de solidão – Por Jader Marques

Por Jader Marques – 23/08/2016
Muitas vezes, esse sentimento de vazio acontece quando estamos diante de situações difíceis, complexas, urgentes e que exigem a tomada de decisão sobre o que fazer. Nesta hora, o advogado, mesmo sabendo que deve decidir sozinho, sente muita falta de alguém para discutir a questão, ainda que seja apenas para falar sobre o caso, mesmo que seja só expor a situação.
Formular pedido de liberdade imediatamente ou aguardar? Impetrar HC no plantão, esperar o horário normal ou convencer a família de que não é o momento ainda? Apresentar resposta à acusação completa com todas as arguições de nulidades e documentos ou apenas arrolar testemunhas? Chamar a autoridade policial para depor como testemunha ou não? Deixar o cliente falar no interrogatório ou usar o direito de silêncio?
Um processo criminal abre tantos espaços para tomada de decisão e são tão importantes esses momentos que é indispensável trocar impressões com alguém, ouvir uma opinião alheia, ter alguém com quem conversar sobre o assunto.
Quem está começando deve saber que esse sentimento, não é um privilégio dos novatos. Sempre que possível, tenho busco a opinião de colegas, assim como procuro estar sempre aberto a colaborar com aqueles que me procuram. Muitas vezes, basta uma troca de informações e impressões pelas redes sociais, por e-mail ou diretamente pelo celular.
Penso que há sempre uma ajuda a dar, mesmo que seja apenas emprestando um olhar atento sobre a narrativa.
O advogado criminalista deve preparar-se para tomar decisões difíceis, urgentes, sob pressão e a respeito de temas realmente importantes. E deve estar preparado para fazer isso sozinho.
Quem advoga no direito criminal já passou por isso. A mulher do preso chora nervosa, com um filho de uns dois anos de idade no colo, enquanto uma senhora, talvez a sogra do preso, segura a outra criança, mais velha um pouco, uns quatro anos de idade. O homem, de aproximadamente trinta anos, irmão do preso, tenta manter a calma e explicar a situação, tendo ao seu lado outro rapaz, mais jovem e calado o tempo todo.
O homem (futuro cliente) acaba de ser preso em flagrante ou já estava preso e teve o pedido de liberdade negado. Não importa a situação, a família quer, exige, suplica por uma medida capaz de obter a tão almejada liberdade. Todos estão ansiosos, querendo a mesma coisa: um habeas corpus que coloque o réu em liberdade.
O criminalista analisa a situação e verifica que não é caso de impetrar o remédio naquele momento… mas como dizer isso para aquela gente desesperada? E quando dizer isso significa perder o cliente?
O criminalista é um profissional que necessita ter habilidade para a tomada dessas decisões em situações críticas, mesmo submetido a forte pressão. Leigos e desesperados com a situação, os familiares ou os envolvidos não têm condições de saber qual a melhor estratégia para o caso, qual o melhor caminho a seguir, enfim, somente o criminalista deve decidir o que fazer, como fazer e quando fazer.
Pois é. Mas não é só isso.
Há além da pressão vinda dos clientes, o criminalista também sofre pressão de parte da mídia, dos familiares da vítima e das pessoas indignadas com o fato de estar atuando na defesa de um crime tido como horrível pela imprensa.
Mais uma vez, poderá o profissional ter que enfrentar isso tudo de forma solitária, desviando dos ataques, firmando o corpo na hora dos golpes, perseverando, enfim, no seu trabalho, contra tudo e contra todos.
Mas a pessoa nasce com essa habilidade ou é possível adquirir essa firmeza com o tempo? Como aprender a decidir? Como perder o medo de decidir? E se não dá certo? E se o cliente não quiser contratar? As respostas dessas questões determinam o tipo de profissional que você é.
Será preparado ou covarde; honesto ou dinheirista; ético ou falso. Uma coisa é certa: no meio de toda a angústia, no meio de toda a incerteza, com ou sem pressão: o criminalista decide! Apenas o criminalista decide. Ninguém por ele. Ninguém sem ele. Apenas ele. E assume todo o ônus dessa decisão. E não cansa de mostrar ao cliente as razões da sua certeza. E não desiste de mostrar que está certo. E mesmo quando não ganha, está pronto para assumir a responsabilidade pelo que foi feito, porque era o que, tecnicamente, cabia fazer.
Certa vez cheguei em casa completamente exausto, depois de centenas de quilômetros e dias viajando para atender uma caso difícil e rumoro no interior do Estado. A imprensa, a cada coletiva da autoridade policial, jogava com a opinião pública com toda a força contra meu cliente e, por consequência, contra mim. Ao entrar em casa e encontrar com meu filho pré-adolescente, sou recebido com a seguinte frase: “pai, desta vez não vou ficar do teu lado”. Depois de toda a pressão vivida naqueles dias, percebi que nem mesmo em casa eu teria apoio. Paciência.
Quando alguém decide ser advogado criminalista deve estar ciente de que não poderá estar preocupado em agradar, em ficar bem na foto, em ser aplaudido ou ser valorizado. O advogado criminalista é aquele vai estar ao lado do acusado quando todos, realmente todos, estiverem contra ele.
Coluna de hoje sai com atraso, porque estou com muita dor nos dedos, nos braços e nas costas. Passei sem dormir e sem parar de digitar nos últimos dias, cumprindo o prazo de razões de RSE (dois dias), no processo gigante da Boate Kiss, no qual o magistrado ficou quase noventa dias para prolatar uma decisão de quase 200 fls. Além da pressão e da solidão, somos apenas nós, advogados, que cumprimos prazos. Mas isso é tema para outra coluna.
No seu DIREITO PENAL A MARTELADAS[1], Amilton Bueno de Carvalho mostra, a partir do diálogo com Nietzsche, que defender é a arte de atuar em nome de um, contra tudo e contra todos. Feliz aniversário Amilton. Muito obrigado. Por tudo!
Mais não digo.
Notas e Referências:
[1] CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Penal a Marteladas. Rio de Janeiro : Lumen Juris.
Jader Marques é Advogado desde 1996. Especialista e Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS e Doutor em Direito pela UNISINOS/RS. Integra a Associação dos Escritórios de Advocacia Empresarial – REDEJUR, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC. Presidente da ABRACRIM-RS.

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