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A relativização da presunção de inocência e as consequências no cenário brasileiro – Por Mackysuel Mendes Lins

Por Mackysuel Mendes Lins – 17/11/2016
Já se fala, há muito tempo, em superlotação carcerária. Agora imagina se o STF reconhecer, no mérito das ADC’s que lá tramitam (e que estão em discussão em plenário virtual se firma ou não repercussão geral), o atropelamento de princípios constitucionais.
Está em jogo um dos mais importantes, inclusive é cláusula pétrea, o princípio da presunção de inocência (ou da não culpa) que determina com clareza que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
E em nossa ótica, se o STF manter a decisão de liminar e reafirmar no mérito tal possibilidade, será um tanto catastrófico. Quem viver verá.
Isso porque, segundo a Revista Consultor Jurídico, “a julgar pela quantidade de pedidos de Habeas Corpus recebidos pelas cortes máximas em Brasília, o número de atingidos é da ordem de 50 mil pessoas por ano, que passariam a ter de aguardar presas a análise dos seus recursos. O número de réus condenados em segundo grau que hoje aguardam em liberdade o julgamento de recursos no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça é incerto, mas se todos os impetrantes de Habeas Corpus nessas cortes hoje estivessem nessa situação, os estados teriam de arcar com R$ 1,1 bilhão a mais, anualmente, com o custeio de presos.”[1]
O que, na crise em que o País vive hoje, já é absurdamente inquestionável e inviável. Ademais, e aqui eu ressalto, tal julgamento está a lacerar de uma vez o princípio constitucional da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), bem como a ditames de ordem processual penal, e ainda, o tão valoroso artigo 283 do Código de Processo Penal.[2]
No que diz respeito a Convenção Americana de Direitos Humanos, muito me chama atenção ao fato de que o Brasil é signatário (Decreto n.º 678/1992), entretanto, passou a rechaçar (nos últimos tempos) os preceitos daquela convenção. E não estou aludindo sem fundamento, quer ver? Acompanhe comigo:
Artigo 8.  Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:” (grifamos)[3]
E como se comprova a culpa de um acusado? Será que no momento em que o Tribunal de Apelação (Tribunal de Justiça) reafirma a sentença de 1º grau?! Ou, na concepção do Processo Penal Brasileiro, com o transito em julgado da sentença penal condenatória?!
Artigo 7.  Direito à liberdade pessoal
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.” (Grifamos)[4]
Na minha humilde opinião, eu acho esse artigo 7º brilhante, em que pese se analisarmos com cautelar o que versa, teremos um choque, tendo em vista que a realidade do cenário brasileiro muito se distancia. O fato de “ninguém ser privado de sua liberdade, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas […]” não é aplicado e está sendo relativizado pela nossa Corte Suprema.
Note que artigo 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos aduz que “Os Estados partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar direitos e liberdades nelas reconhecidas e a garantir seu livre e pleno exercício […]”, in verbis: 
Artigo 1.  Obrigação de respeitar os direitos
1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.” (Grifamos)
E aqui eu lhes pergunto, Senhores, se o Brasil se comprometeu a aplicar e respeitar os direitos e liberdades reconhecidos pela Convenção, por que estamos diante de um cenário caótico em que as garantias constitucionais, e as mais importantes (cláusulas pétreas) são absurdamente relativizadas sem observância das consequências? É triste, mas é verdade, direitos adquiridos através de anos de lutas, mortes, torturas etc., se esvair por sentimento de (in)justiça dos nossos magistrados (esqueceram, inclusive, de que devem ser totalmente imparciais).
Vou mais além, a Convenção importa quanto ao seu cumprimento e restringe a privação da liberdade nos termos da Constituição Cidadã, e aqui eu lhes pergunto novamente, desenvolvendo um senso crítico analítico, fugindo do senso comum, – onde podemos identificar na Carta Magna a permissão de ofensa ao princípio da presunção de inocência? Ou seja, vou melhorar a pergunta, – Em que parte da Constituição da República, permite a prisão, senão em flagrante delito ou nos termos da lei, antes do trânsito em julgado? Achou? Pois é.
O Brasil é signatário de uma Convenção que não permite o encarceramento arbitrário de acusados. E com tal afirmação, me surgiu uma dúvida, se este País é signatário da convenção que veda encarceramento arbitrário, veda a prisão senão nos termos da CF, se esta mesma Constituição veda, por sua vez, a formação da culpa antes do trânsito em julgado, e se o próprio processo penal também veda a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, então, o que estamos a fazer relativizando o princípio da presunção da inocência e permitindo a prisão antes do trânsito em julgado? Respondam em suas consciências. Quais serão as consequências de tal feito? Devastadoras, com certeza. Um verdadeiro palco para um show de horrores no processo penal.


Notas e Referências:
[1] REVISTA CONJUR. Disponível em: . Acesso em: 08 Dez 2016.
[2]  Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
[3] Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso: 08 Dez 2016.
Mackysuel Mendes Lins é Advogado criminalista e pesquisador CNPq, sócio do escritório Almeida & Mendes Advogados..
Fonte: http://emporiododireito.com.br/

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