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Prisão em segunda instância e a presunção de inocência. Por Yeda Barbosa

O Supremo Tribunal Federal (STF) surpreendeu a todos em 17 de fevereiro de 2016, sobretudo os profissionais do direito da seara criminal, por meio do julgamento da medida cautelar do Habeas Corpus (HC) nº 126.292/SP, que entendeu ser possível executar a pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, mesmo que o inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), tenha a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”.
Na prática, a Suprema Corte retornou ao entendimento adotado antes do julgamento do HC nº 84.078-7/MG, de relatoria do então ministro Eros Grau, julgado em 05 de fevereiro de 2009, na qual chegaram à conclusão que a execução provisória da penaatentava o princípio da presunção de inocência, consagrado na redação constitucional supratranscrita.
Em seguida, diversos estudiosos pregaram que a Corte Suprema se “esqueceu” de mencionar o artigo 283, do Código de Processo Penal (CPP), inserida pela Lei nº 12.403/2011, sobretudo a determinação do caput que diz:“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Em função disso,o Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) com pedido de liminar, com vistas ao reconhecimento da constitucionalidade da redação do dispositivo em comento.
Entretanto, apesar de todos os argumentos apresentados, por maioria (07 a 04 votos), em 05 de outubro de 2016, o Plenário da Corte Supremabrasileiraentendeu que o artigo em tela não impede a execução provisória da pena após condenação em segunda instância e indeferiu as liminares pleiteadas.
Nesse sentido, percebe-se que o STF praticou nitidamente a mutação constitucional (também chamado de Poder Constituinte Difuso) na releitura do mandamento constitucional mitigando o princípio em destaque, pois é possível notar que o entendimento expressado desde fevereiro de 2016 não segue a literalidade textual.
Essa modalidade de interpretação das normas, que pode ser até diversa daquilo que está escrito representa na prática uma espécie de ativismo judicial, que se porta como uma alternativa para tentar compensar a omissão dos outros poderes, neste caso, do executivo e, principalmente, do legislativo.
Em tese, essa situação(de interferência de poderes) expressa a “falência” da representatividade de um determinado poder, representando verdadeira violação ao princípio da separação dos poderes. Salienta-se que, em países com estabilidade política e democracia consolidada esse tipo de fenômenoé praticamente inexistente.
Apesarda Suprema Corte ser a guardiã da Lei Maior, é necessário compreender que há limites ao interpretar o alcance e a finalidade de determinado mandamento, pois essa modificação de paradigmapadece nitidamente da influência midiática e/ou do clamor social, porquanto aConstituição é clara ao condicionar o início da execução da pena com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Desse modo, é bem temeráriaa situação exibida, pois na prática a Corte Suprema“legislou”por pressões sociais derivada da sensação de impunidade, sobretudo dos criminosos da classe com maior poder aquisitivo. E pior, para manter a posição aventada terá que declarar inconstitucional o artigo 283, do CPP, mesmo que a redação deste dispositivo coadune perfeitamente com o texto constitucional.
Se este mandamento da Lei Maior gera injustiças, beneficiando principalmente aqueles com melhores condições financeiras, não é atribuição do Poder Judiciário “corrigir” essa situação, ainda mais, por se tratar de cláusula pétrea.
Destarte, a questão é tão complexa, que nem mesmo o Poder Constituinte Derivado ou Reformador possui permissão para alterar ou suprimir direitos e garantias elencados no artigo 5º, cabendo somente ao Poder Constituinte Originário fazê-lo.
Assim, nesta mitigação da presunção da não-culpabilidade, é manifesto que o STF está ultrapassando a linha tênue entre “interpretar” e “legislar”, pois claramente deu um sentido diverso daquele imposto pelo legislador constituinte originário.
FONTE:.
Yeda Barbosa é advogada criminalista, colunista, coach e palestrante, bem como pós graduanda em Penal e Processo Penal pela faculdade Damas. e associada da ABRACRIM-PE.

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