Por que a ciência jurídica precisa da filosofia?
Por Claudio Melim – 23/02/2017
Há uma profunda crise de compreensão que assola o ambiente jurídico profissional. Não se sabe dizer o que ou como é o Direito. Advogados, juízes, promotores, professores, defensores, etc. Todos caminham no escuro e muitos sequer sabem que não sabem. A legislação se contradiz, a jurisdição se enfrenta e o meio acadêmico patina sem conseguir dizer o que ou como é o Direito. Essa dissonância compreensiva generalizada no mundo jurídico não é mera consequência de uma sociedade plural, onde a diversidade cultural e econômica produz divergência por todos os lados. Também não se trata apenas do efeito nefasto da corrupção endêmica que deteriora a ética institucional. Existe um descaso involuntário com algo anterior, que se dá em razão da obsolescência e da insuficiência paradigmática das teorias do conhecimento que sustentam a atividade jurídica.
A Ciência Jurídica se oferece para resolver esse problema sem notar que não tem condições para isso. A busca por condições para responder o que ou como é o Direito é um problema de fundamento. As ciências pressupõem seus fundamentos, mas não sabem lidar com eles diretamente. A Ciência Jurídica precisa dessa resposta sobre o que ou como é o Direito, mas, ao tentar resolver a questão, sem ter recursos para tanto, acaba criando ficções ingênuas de uma racionalidade justificadora que só potencializam ainda mais os efeitos nocivos dessa crise de compreensão. Não se trata de um problema com os textos legislativos ou com os métodos lógico semânticos que presidem a interpretação. Há algo anterior que precisa ser compreendido.
O uso da lógica semântica como única base metodológica de apoio para jurisdição cria uma ilusão que esconde elementos essenciais do fenômeno jurídico. Essa falsa segurança compreensiva aumenta o risco de falhas no resultado da interpretação, prejudicando a eficácia civilizadora do Direito. É preciso ir além dos fundamentos clássicos, visando outras condições para formulação da tarefa de um novo pensar na Ciência Jurídica. Um pensar que ofereça possibilidades efetivas de arrefecimento dessa crise de compreensão, tendo em mente que a Ciência Jurídica não dá conta desse desafio sozinha.
Toda atividade científica já sempre pressupõe seu objeto e não sabe pensar sobre sua constituição. Os cientistas do Direito não tem condições de responder o que ou como é o Direito apenas com os meios da Ciência Jurídica. Precisam aprender a compreender os fundamentos de sua Ciência com o apoio da Filosofia. Só assim poderão enxergar que, para além do elemento lógico enunciativo da linguagem, há uma dimensão anterior, constitutiva da compreensão e que sustenta a positividade do Direito. Algo relacionado ao que se pode chamar de indícios formais da existencialidade jurídica.
Ernildo Stein[1] diz muito quando afirma que os “cientistas buscam a solução de problemas e os filósofos se ocupam com os problemas da solução”. Os estudos que o levam a essa afirmação demonstram que pensar os problemas das soluções aplicadas pelas ciências é um desafio filosófico e é por isso que a Ciência Jurídica precisa da Filosofia. Isso revela um desafio duplo. Por um lado, é preciso aprender a andar com a atividade filosófica para tematizar esta dimensão anterior que sustenta a positividade do Direito. Por outro, torna-se necessário pensar um fio condutor que viabilize a inserção prática do resultado dessa atividade filosófica no âmbito da Ciência Jurídica. Não se trata de algo fácil, mas saber desse desafio já é alguma coisa.
Importante alertar que a atividade filosófica não deve se mover em razão de expectativas apaixonadas por soluções imediatas para mazelas sociais. Principalmente acerca de injustiças supostamente decorrentes de problemas de natureza jurídica. Isso acaba contaminando ideologicamente o potencial compreensivo do pesquisador e reduzindo suas chances de sucesso. Melhorar a competência compreensiva da Ciência Jurídica a partir da Filosofia não irá mudar a funcionalidade original do Direito, que, desde tempos imemoriais, serve majoritariamente para legitimar a manutenção dos interesses dos mais fortes. A Filosofia ajuda a compreender a humanidade em relação a uma boa parcela de sua complexidade existencial, podendo melhorar, em muitos aspectos, a qualidade da vida, mas ela não dá conta de resolver a misteriosa origem da crueldade humana.
Notas e Referências:
[1] STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Editora Unijuí, 2004. p.128.
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Claudio Melim é Mestre e Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Possui graduação em Direito e Ciência da Computação pela mesma instituição. Advogado. E-mail: claudio@melim.com
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Fonte: http://emporiododireito.com.br