Limites da delação premiada
Por: Cândido Albuquerque
Jornal O Povo de 31/05/2017
Coluna: Opinião acadêmica.
A delação premiada é um controverso meio de obtenção de prova, no qual se concede ao colaborador, em troca de informações eficazes sobre a prática de crimes, um dos prêmios previstos na legislação: redução de pena, substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e até mesmo, em caráter extremo, o perdão judicial. Nos últimos tempos, e partir da amplitude dada ao método pela Lei 12.850/2013, houve uma expansão desmesurada do emprego da delação premiada principalmente pelo Ministério Público, o que tem levado a excessos preocupantes.
Com efeito, a “discricionariedade” do Ministério Público nas negociações e na oferta de prêmios ao delator precisa ser repensada e, além disso, melhor controlada pelo Poder Judiciário. Têm-se visto diversas delações, no contexto da Operação Lava-Jato, em que são ofertadas aos delatores benesses não previstas pela lei, como a execução diferenciada da pena em regime domiciliar e a fixação de características especiais para o regime semiaberto: chegou-se mesmo a aceitar o cumprimento de pena superior a 10 anos de reclusão em “regime domiciliar”, algo que a lei nem de longe prevê. O Ministério Público passou a criar penas e “modos” de execução em aberta ofensa ao princípio da legalidade das penas.
A falta de controle sobre a conduta do Ministério Público, agora, com os últimos eventos ligados à delação dos irmãos Batista, passou a causar desconforto para a sociedade: em troca de informações de duvidosa legalidade e da devolução de “parte” do produto do crime, são beneficiados com o perdão judicial e com a escandalosa permissão de que mantenham parte de seu lucro ilícito, para viver tranquilamente no exterior. Há até notícias de que o delator foi previamente orientado por um Delegado e um Procurador da República antes de obter parte da prova que seria utilizada na delação, o que, se confirmado, demonstra um sistema criminoso dentro da própria investigação criminal.
Sem dúvida, e isso deve ser reconhecido, a delação premiada tem trazido a recuperação de vultosos valores criminosamente subtraídos ao Estado, e em alguns casos seria mesmo impossível, de outra forma, obter a prova e recuperar o produto do crime.
O que se questiona, porém é a liberdade desmedida na definição dos prêmios aplicáveis, e, agora, a encomenda e orientação na busca de provas. A delação premiada não pode ser um jogo à margem da lei, que sacrifique o valor justiça em nome da suprema lógica do pragmatismo.
Caso não se estabeleçam mecanismos de controle, em breve teremos nulidades e, decorrente delas, a impunidade. Nesse contexto, um Procurador da República já se encontra preso por corrupção, e outro deixou a Procuradoria, segundo se comenta, para advogar para os irmãos JBS, numa manobra preocupante. Agora, para desconforto geral, a imprensa divulga que a JBS ajudou na indicação do Ministro do STF que homologou a premiadíssima delação.
Precisamos ficar atentos, e o Congresso precisa, com urgência, estabelecer critérios e limites mais nítidos para as negociações de delação premiada.
Cândido Albuquerque
Diretor da Faculdade de Direito da UFC.