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Prova e processo

No julgamento da chapa Dilma/Temer, o Brasil ficou perplexo diante do embate jurídico entre os ministros do TSE sobre o que podia e o que não podia ser considerado como prova para o julgamento do feito. Explico: para o relator todos os fatos, inclusive as delações, vindas a público depois de iniciado o processo, poderiam ser conhecidas, mas para os ministros vencedores não, uma vez que essas provas não eram conhecidas quando do início do processo, e, assim, conhecê-las representaria um alargamento no objeto da investigação.
Tentarei aqui, em linguagem simples, mas pedagógica, desmistificar esse assunto. Ao se propor uma ação, seja ela eleitoral, cível ou criminal, deve-se, na petição inicial, delimitar os limites objetivos da demanda, equivale dizer, deve o autor descrever o fato ou os fatos que serão objeto da investigação, o que significa que a sentença terá que julgar o fato ou os fatos que foram descritos na inicial. Não pode a sentença considerar um fato que tenha aparecido ou sido citado depois que o réu contestou ação. Essa exigência está diretamente ligada ao direito à ampla defesa. Com efeito, a primeira condição para que alguém se defenda é que ela conheça o fato que lhe é imputado. Ora, por óbvio, não se pode considerar, no julgamento, fato que tenha surgido depois de iniciado o processo, e que, portanto, não conste da inicial. Isso parece mesmo óbvio.
E as provas? Pode-se usar, para provar os fatos narrados na inicial, elementos que tenham surgido após o início do processo. No caso do julgamento da chapa Dilma, a acusação era de uso de dinheiro de corrupção, ou seja, uso de dinheiro proveniente de corrupção e caixa dois no pleito de 2014. A acusação, dessa forma, era de a chapa ter usado dinheiro da Petrobras, de corrupção, portanto, e de caixa dois, para pagar as despesas da campanha. Assim, o limite objetivo da demanda, ou seja, o fato imputado, era o uso de dinheiro sujo, especificamente, dinheiro doado legal ou ilegalmente, mas originado, nos dois casos, de corrupção.
A inicial falava, inclusive, em doação ilegal da Odebrecht, embora, por óbvio, não fizesse referência às delações. Portanto, o uso de dinheiro, doado ilegalmente pela Odebrecht , era um fato constante na inicial, e, por conseguinte, objeto da investigação.
Nesse contexto, não me parece que usar as delações (confissões) da Odebrecht, mesmo que ocorridas após o início do processo, mas referentes a um fato já constante na inicial, possa ser visto como uma ofensa ao princípio da ampla defesa. Na verdade, o fato, ou seja, o uso de dinheiro de corrupção para o pagamento de despesas da campanha já existia, e, portanto, apenas o elemento de prova foi produzido após o início do processo, não havendo, no meu entendimento, surpresa para a defesa quanto ao fato.
Não se pode confundir prova nova com fato novo, como alguns tentaram fazer no julgamento em referência. Veja-se que se ao invés de confissões dos diretores da Odebrecht em delações tivesse aparecido uma gravação de um diretor da empresa entregando o dinheiro em uma mala, teríamos uma prova nova, não conhecida na época da propositura da ação, mas referente ao fato narrado na inicial. A prova, neste caso, somente conhecida após a contestação da ação, referia-se ao fato narrado na inicial. Usar essa prova não representaria alargamento no objeto da investigação.
Espero que nos próximos julgamentos do TSE, além de não carregarmos o caixão, não sejamos obrigados a participar do cortejo fúnebre.
Cândido Bittencourt de Albuquerque
Diretor da Faculdade de Direito – UFC
‘                              Presidente da ABRACRIM-CE

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