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Nulidades no Processo Penal: Paz sem voz é medo

Por Jader Marques – 10/07/2017
Ao todo são dez artigos, mas, na verdade, com sete o advogado é capaz de defender corretamente qualquer acusado de alguma ilegalidade praticada pelo juiz na condução do processo.
Elias Mattar Assad, Presidente Nacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, em artigo publicado há cerca de dez anos, chamava a atenção para a expressão “Delinquência Processual”.[1] Conforme o articulista, o que diferencia as leis penais materiais das leis que contêm meras recomendações é a punição, ou seja, para quem viola a lei penal tem contra si uma pena clarissimamente estabelecida; mas quem viola uma lei processual, não recebe qualquer reprimenda. Como o próprio Mattar Assad destaca: “Aquele que subtrai coisa alheia está sujeito a uma pena entre um e quatro anos (furto) ou quatro a dez anos (roubo). Aqueles que violam as leis processuais (os marginais do processo) não estão sujeitos a nenhuma pena, embora as consequências possam ser catastróficas para as vidas de suas vítimas”.
Há bastante tempo também e na mesma linha, desde as primeiras edições, Aury Lopes Jr. vem denunciando o fato de haver no sistema processual penal relativo às nulidades, apenas preceitos que informam o tratamento da questão no plano da identificação e renovação dos atos em caso de atipicidade, sem quaisquer sanções.
Assim, quando um juiz viola um dispositivo da lei processual penal, impondo às partes a prática de um ato do processo em desacordo com a regra, ou seja, impondo a sua vontade, resta aos jogadores da acusação e da defesa, registrarem seus protestos e utilizarem os meios adequados para que o abuso seja reconhecido e o ato seja renovado.
Neste ponto, entram os sete artigos.
Em primeiro lugar, incumbe demonstrar que o ato processual é atípico. Para isso, pedindo a palavra “pela ordem”, deve-se iniciar a consignação pela identificação da hipótese de nulidade em uma das situações previstas no art. 564 do CPP.
O segundo passo será narrar, ainda que objetivamente, o prejuízo decorrente da nulidade, de acordo com o art. 563 do CPP (“nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”), que inscreve no direito processual brasileiro o princípio da instrumentalidade das formas, cuja leitura equivocada leva ao raciocínio de que os fins justificariam os meios.[2] O registro do prejuízo é fundamental.
Em seguida, deve-se registrar, sucintamente, que a parte tem interesse e que não deu causa à nulidade e que ela poderá influir na apuração da verdade ou no resultado da causa, conforme art. 565 (Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse) e art. 566 (Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa).
Registre-se, ainda, que a consignação está sendo feita no momento previsto no art 571 do CPP, evitando-se com isso a preclusão prevista no art. 572 do CPP.
Finalmente, vale registrar que tudo está sendo consignado para os efeitos do art. 573 do CPP (Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados).
Registrada em ata a inconformidade, restará buscar a reforma da decisão pela medida juridicamente adequada.
Desde logo, uma observação muito importante: as nulidades fazem parte do jogo e podem ocorrer por desconhecimento da lei, por descuido, por erro quanto ao procedimento, por abuso, por vaidade, etc. De qualquer forma, seja qual for a causa do “deslize” judicial, não há razão para o enfrentamento pessoal, para a falta de educação, sequer para o destempero. Os jogadores do contencioso devem aprimorar sua capacidade de autocontrole ou de gestão da emoção. Em palavras bem simples: nem tudo vai sair como devia, nem sempre a lei processual será respeitada, nem todos os juízes são garantidores, nem todos os atos processuais acontecerão com a observância da Constituição e de acordo com a regra processual. Portanto, esteja preparado para reagir com urbanidade, especialmente quando as coisas não seguirem o roteiro.
Sempre lembrando, entretanto, que paz, sem voz, é medo!
O direito de defesa é corrompido toda a vez que, por receio, insegurança, despreparo, covardia, o profissional deixa de consignar em ata uma nulidade (relativa?), operando-se a preclusão em prejuízo do acuado. Um profissional acovardado, não pode receber procuração para atuar em defesa do direito das pessoas. Por isso que o direito não é lugar para covardes, lembra-nos sempre Sobral Pinto. As pessoas não têm voz e, por isso, contam com um profissional que as represente.
Nem destempero, nem covardia. O jogo processual deve ser levado por um profissional que conhece as regras e que está preparado também para o descumprimento delas.[3]
Como bem lembra Mattar Assad, quando o Tribunal reconhece os erros ou abusos praticados pelos juízes que fazem valer sua vontade sobre a regra processual, a consequência será o refazimento de atos, ou seja, a autoridade violadora da norma continua na presidência ou na relatoria do feito anulado. Nesse ponto, o autor põe em debate o significado da palavra “impunidade”, pois o juiz burla a lei processual, em prejuízo da parte e do andamento processual, e nada acontece.
Pior do que isso, escudado numa leitura equivocada do princípio do prejuízo ou da instrumentalidade da forma, o Tribunal afasta a declaração de nulidades evidentes, dando um verdadeiro “jeitinho brasileiro”, na pior acepção dessa expressão. Novamente, depois da violação da regra processual pelo juiz, o Tribunal também cometerá uma (segunda) ilicitude, ao acobertar e admitir a permanência da nulidade, quando deveria atuar em defesa da norma processual, enquanto garantia do acusado contra o (abuso de) poder Estado-Juiz.[4]
O processo não é aquilo que um magistrado, segundo seus humores, entenda que deva ser. Pela clássica conceituação, direito processual está para o Judiciário assim como a partitura está para os integrantes de uma orquestra.
Para finalizar, fica ecoando a voz e Jacinto Miranda Coutinho: “O novo juiz, ciente das armadilhas que a estrutura inquisitória lhe impõe, mormente no processo penal, não pode estar alheio à realidade; precisa dar uma “chance” (questionando pelo seu desejo) a si próprio, tentando realizar-se; e a partir daí aos réus, no julgamento dos casos penais. Acordar para tal visão é encontrar-se com seu novo papel.”[5]
Mais não digo.


Notas e Referências:
[1] http://www.atribunamt.com.br/2007/03/a-delinquencia-processual/ (Consulta feita em 06/07/17)
[2] Sobre o tema, Aury Lopes Jr.: http://www.ibraspp.com.br/wp-content/uploads/2010/09/Nulidades-no-Processo-Penal-brasileiro.pdf (Consulta em 07/07/17)
[3] A regra do jogo é a base sobre a qual os jogadores estarão debruçados, todos confiantes, mas não ingenuamente, de que será cumprida: “De acordo com exaustiva produção teórica de Norberto Bobbio[93], a democracia exige, sob um enfoque estritamente formal, uma prévia delimitação das regras do jogo – e aqui não se pode negar a contribuição do positivismo jurídico para uma noção de democracia que teve seu momento e importância histórica –, ciente todos, salvo os ingênuos, da necessidade da “lei” à própria sobrevivência (melhor seria Lei, com maiúscula), como demonstra a psicanálise”. (IN: http://emporiododireito.com.br/o-papel-do-novo-juiz-no-processo-penal-por-jacinto-nelson-de-miranda-coutinho/ – Consulta feita em 07/07/17).
[4] Elias Mattar Assad, no artigo referido, assevera: “Para esses déspotas que impunemente nos subtraem o estado de direito (e o princípio do “devido processo legal” é dele inseparável), um bom começo seria que o CNJ impusesse gravação ininterrupta das audiências, para a observação de comportamentos, tanto dos juízes quanto dos agentes ministeriais e advogados (ata eletrônica), como também, instituísse administrativamente a perda compulsória da presidência ou relatoria dos feitos, quando se reconhecessem violações de normas processuais ou comportamentais. Urge conferir tutela, inclusive penal, à regularidade do manejo da norma processual.” (IN: http://www.atribunamt.com.br/2007/03/a-delinquencia-processual/ – Consulta feita em 06/07/17).
[5] In: http://emporiododireito.com.br/o-papel-do-novo-juiz-no-processo-penal-por-jacinto-nelson-de-miranda-coutinho/ – Consulta feita em 07/07/17.


Jader Marques.
Jader Marques é Advogado desde 1996. Especialista e Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS e Doutor em Direito pela UNISINOS/RS. Integra a Associação dos Escritórios de Advocacia Empresarial – REDEJUR, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC. Presidente da ABRACRIM-RS.

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