O Estado de Direito Paralelo do Judiciário em: o Paradoxo do Juiz “Boca da Lei” e o da Livre Convicção.
Por: José Borges Neto
Chamar o cenário jurídico/político de Novela Mexicana, seria uma piada de mau-gosto, com os mexicanos!
O caos reina e impera na seara jurídica e política ou seria “políjudica” ou “jurítica” (choose your weapons lol), acredito não haver mais distinção!
Temos de tudo nessa “feira popular” ou quiçá “coliseu de gladiadores”, de “ejaculação precoce”, passando por fotos de blitz com prisão em flagrante até enquete de ministro, uma “Zorra Total”, o escárnio, de quanto pior melhor. E tudo em nome da coletividade, do “pro societate”, que chique!
Um grande amigo meu me advertiu e disse:” meu amigo não adianta reclamar, porque não seremos ouvidos, pois não somos “players” do sistema, só haverá desgaste de energia e perda de tempo, ponderei sobre o aconselhamento e achei razoável, porém mesmo que eu admire este grande parceiro, “I beg to differ”, ou seja, discordo, pois enquanto advogado e formador de opinião, não posso me dar ao luxo de simplesmente deixar de me indignar e muito menos externar minha indignação, mesmo que eu não seja ouvido, pelos “big players”, outrossim acredito ser temerário não nos indignarmos, com o estado das coisas, com receio de represálias ou medo de ser ignorado.
Como bem pontuou o Dr. Martin Luther King: “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons.”
Vamos ao busílis, o paradoxo do juiz “ boca da lei” (JBL) e o juiz da livre convicção (JLC). O que significa um magistrado “boca da lei e o da livre convicção”? Superficialmente falando, o JBL é ou era aquele onde em tempos remotos, não tão remotos assim, aplicava a letra da lei ao caso concreto, literalmente. Por outro lado, o JLC é aquele que interpreta a lei partindo do seu prisma, entendimento, conveniência e situação.
Alhures, reclamávamos do JBL e pedíamos mais flexibilidade na aplicação das leis e consequentemente nas decisões proferidas, conforme o caso e situação, norteados pela dinamicidade do Direito e a ultrapassada visão de que o sistema JBL estaria obsoleto. Hodiernamente, temos o que pedimos e um “plus”, ou seja, um magistrado com decisões flexíveis, principiológicas e douto em analogias.
Porém, o problema é que o antigo JBL gostou do terreno fértil da livre convicção e está convicto de que é livre, livre para alçar vôos, dantes, jamais vistos, quase que um intento do “sonho de Icáro”, sem regras, sem limites e sem noção, que como Icáro, experimentará o sabor amargo do exercício inescrupuloso dessa liberdade.
Portanto, sem mais delongas, passemos ao polêmico caso do “ejaculador”, que indubitavelmente é um ato imoral, mas não se pode tentar usar interpretações extensivas, por causa da imoralidade, muitos juristas, queriam enquadrar o ato imoral praticado, nos arts. 213, 215 e até o 217-A do Código Penal, sugiro para estes colegas um reexame nas primeiras disciplinas do Curso de Direito, onde se aprende como é a construção de um artigo, que tem vida com o núcleo do verbo, no caso em comento, do art. 213/CP :“ Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, destarte alguns incautos fazem uma leitura apressada de :”…outro ato libidinoso”, que englobaria o já revogado art. 214/CP, “atentado ao pudor”, porém olvidam que o núcleo do verbo exige “constrangimento mediante violência ou grave ameaça…”, ou seja, essa parte permanece e rege o restante do artigo, portanto inaplicável ao caso em tela.
Como bem elucidou o professor Lenio em seu artigo: “…quando se opta pelo Direito, há uma consequência com a escolha, a partir deste momento, não temos mais escolhas e sim, decisões. Esse é o busílis! Decisões adstritas ao e fundamentadas no Direito. Não na moral, não na política, não na economia, enfim, não em seus predadores externos. (grifo meu e algumas adaptações na primeira parte)
Portanto, dar ouvidos ao senso comum, dar satisfação à população, ouvir o clamor social do Twitter, Facebook ou Instagram é algo que o pensador do Direito, não deve sucumbir, por mais atraente que seja a “vontade de tocar o sol”, pois a conseqüência será a derrocada em espiral.
Para ilustrar o ”Inferno Dantesco” jurídico ao qual estamos inseridos, lançarei mão de uma situação que está se tornando corriqueira em nosso cotidiano, e que está se espraiando Brasil afora. A famosa ou infame, divulgação de blitz (vide Operação Lei Seca) via mídias sociais, apesar de eu considerar esse tipo de ação, por boa parte da sociedade, leviano, imoral, imaturo e irresponsável, não é ilegal, porém não é o que certas autoridades entendem, percebam o imbróglio: o policial prende em flagrante delito, encaminha o agora “bandido” (que pode ser, um pai de família, filho, filha, esposa, irmão , eu, você…), para a delegacia e “alea jacta est”, ou seja, a sorte foi lançada! Pois, a estadia do “meliante” em “Hotel Estatal”, 5 estrelas, dependerá do entendimento, humor e boa vontade da autoridade policial, que poderá trancafiá-lo e lhe privar de um dos seus bens mais precioso, a liberdade; lá, “o hóspede” estará sujeito à rebeliões, exposto à doenças e demais agruras do cárcere, mesmo que na Delegacia de Polícia e por pouco tempo.
Decidindo o delegado que houve “crime” o “bandido” (e como a população diz: “bandido bom, é bandido morto!”) será autuado, provavelmente com amparo legal no art. 265 do Código Penal, que ao meu turno é pior do que o caso do ejaculador, pois este artigo encontra-se localizado no Capítulo II, Dos Crimes Contra a Segurança dos Meios de Comunicação e Transporte e Outros Serviços Públicos, ou seja, totalmente fora de contexto no que tange ao pseudo crime ora em comento. Vejamos, in verbis, o que diz o mencionado artigo:
Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública
Art. 265 – Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único – Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.
Cabe ressaltar que o crime do art. 265 tem pena aplicável de um a cinco anos, o que impede a fiança, sendo assim o cidadão de bem que tornou-se “bandido”, será agraciado com os serviços 5 estrelas até a audiência de custódia.
Ora doutas autoridades, convenhamos, “não dá para tapar o sol com a peneira ou tirar leite de pedra”, a utilidade pública ao qual o legislador se referiu é um serviço como água, energia, esgoto etc, ademais o próprio título do capítulo, já diz tudo.
Não podemos permitir tal analogia descabida, analogia in malam partem é vedada na seara penal, por isso o pensador do Direito, não pode nem deve “acender vela para dois deuses”, ou seja, como disse o ilustre professor Lenio Streck, ou escolhemos a moral ou o Direito! Sendo que este último é utilizado para delimitar os poderes do Estado e da sociedade, coibindo barbáries na seara penal, que é a ultima ratio.
É inaceitável essa hermenêutica extensiva, da aplicabilidade do Direito Penal, usada como subterfúgio para dar uma resposta à sociedade. Atualmente, magistrados fundamentam suas decisões em decisões de seus pares, calcadas na livre convicção. Vivemos na era das jurisprudências e enunciados que se tornam leis, pois “quem diz o que é Lei é o juiz”.
Até mesmo o Ministério Público via Conselho Nacional do Ministério Público legisla com suas resoluções, depois revogam as resoluções/leis, editam novas e seguimos com a lambança, que nós mesmos, “pensadores do Direito”, que não estamos pensando direito, permitimos, estamos “mais perdidos do que cachorro quando cai de mudança!”
Estamos vivendo um Estado Paralelo do Judiciário, com a “Inflação da Persona” de muitas autoridades, como bem explica Prado.
O Dr. Genivaldo Neiva, magistrado do Tribunal de Justiça Baiano, se posicionou bem sobre o assunto, em seu artigo “ Juiz de direito: nem boca da lei, nem xerife”: “o juiz de Direito não precisa ser JBL, nem xerife, ou seja, o magistrado e demais autoridades têm que pautarem sua decisões nos direitos e garantias fundamentais e obedecer ao “due process of law” ou devido processo legal e ignorar anseios e clamores, sejam eles sociais ou virtuais de seus “trocentos” amigos do Facebook. Não esqueçamos que o mestre Jesus foi crucificado pelo clamor social “solta Barabás, solta Barabás!!”.
O mundo e “a vida é trem bala parceiro”, tudo está conectado e interligado, num emaranhado de energias, esses desrespeitos e atropelos em prol da coletividade, são como bumerangue, uma vez lançados, voltarão na testa do incauto.
Como diz a canção, Sonho de Icáro do Biafra, “…anjos de gás, asas de ilusão… amargo fim, simplesmente sol…”.
A conta vai chegar “and who is going to foot the Bill?”. E quem vai pagar a conta? Todos nós, eu particularmente acredito que a conta já está a caminho, nas redondezas de boas vilas ou seria Villas Boas?, Mas isso é assunto para outro texto, rsrs.
BIBLIOGRAFIAS
BRASIL. Código Penal. Disponível< em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-i/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 11 set. 2017.
KING, Martin Luther, O PENSADOR, Disponível em:< https://www.pensador.com/frase/NDg1MjYy/>. Acesso em 09 out. 2017
NEIVA, Gerivaldo, Justificando“ Juiz de direito: nem boca da lei, nem xerife. Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2016/03/10/juiz-de-direito-nem-boca-da-lei-nem-xerife/>. Acesso em: 25 mai. 2017.
PAVINATO, Thiago, O Estadão, “Hai capito, mio San Benedito?” – Despótico saber jurídico e viva a festa da Xuxa”. Disponível em:< http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/despotico-saber-juridico-e-viva-a-festa-da-xuxa/>Acesso em 09 out. 2017
STRECK, Lenio, Consultor Jurídico, Caso do ejaculador: de como o Direito nos funda e a moral nos afunda. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-set-07/senso-incomum-ejaculador-direito-funda-moral-afunda>. Acesso em: 11 set. 2017.
Advogado/Lawyer: OAB/PB 23.492
Bacharel em Direito/Bachelor in Laws