Skip links

Longe do Senso Comum

LONGE DO SENSO COMUM

Por James Walker Júnior –

Esse é o meu lugar, enquanto investigador, pesquisador e estudioso da ciência criminal, longe do senso comum.

Desagrado a muitos dos meus queridos amigos, ao deixar de aplaudir o encarceramento alheio, mas, mantendo-me fiel às minhas convicções científicas, não posso sufragar a espetacularização do processo penal, com o mesmo olhar superficial do espectador leigo, que adotou a “vendetta” midiática, sem a menor percepção técnica, que a mim será cobrada, mais adiante, quando, em sede acadêmica, juntaremos os cacos do que restar desse processo penal “Pós-Democrático”[1].

Não me afasto do sentimento pátrio de combate à corrupção, entretanto, ao modular o calibre das armas desse enfrentamento, faço-o sem ódio, com menos paixão.

Não me permito tratar de questões dessa envergadura com o ímpeto visceral de um torcedor de futebol, que explode a cada aprisionamento, como o faz em um gol no Maracanã.

As recentes prisões, largamente divulgadas e exploradas pela grande mídia, desvelam casos emblemáticos de investigações de atos de corrupção.

Enquanto jurista, sempre apegado às boas práticas processuais, anseio que, após instruções que respeitem os contornos do devido processo, individualizadas as condutas e apuradas as culpas, sejam os autores de atos comprovados de corrupção, responsabilizados, seguindo-se o jogo processual com suas regras já existentes, e que cada jogador, na metáfora da Teoria dos Jogos[2], detenha maturidade suficiente para entender que, nesse jogo, a regra tem nome, e se chama Constituição Federal.

Não me peçam aqui, ou onde quer que seja, que eu concorde com a imputação de culpas de trás pra frente, seguindo o senso comum, ou que eu também aplauda o primado da mídia sobre o direito.

Essa é a perspectiva do leigo (esse sem culpa), mas também do mal intencionado, daquele que, para além do combate à corrupção, cultiva rasos interesses, que perpassam pela perseguição política, transitando pela autopromoção, chegando mesmo ao sadismo e ao prazer.

Nesse sentido, e adotando referencial teórico de denso conteúdo científico, sublinho: “Por outro lado, boa parte das condutas perversas e predadoras poderia ser também explicada por essa necessidade imperiosa de exercer alguma potência, uma vez que, para algumas pessoas, a única forma encontrada para sua expressão seria através da destruição e/ou submissão de outras pessoas.”[3].

São tempos em que, inexoravelmente, devemos admitir que a moral venceu o direito, fulminando as expectativas de um Estado Democrático, que deveria ser, tão somente, de Direito, jamais de moral.

Na perspectiva lúcida e erudita do professor Lenio Streck: “Isto quer dizer, no mínimo, que a moral não pode ser corretiva. Moral não corrige o direito. Isto também quer dizer que uma decisão jurídica não é uma”questão de moral ou de filosofia moral“.”[4].

O processo penal contemporâneo, manipulado midiaticamente e pelos interesses pessoais de alguns atores, transformou a discussão da culpa em uma espécie bizarra de “reality show“, com reiteração pública do menoscabo aos direitos e garantias fundamentais, vulnerabilizando, de forma perene e temerária, a supremacia constitucional, enquanto regra fundamental da sociedade.

As “torcidas organizadas” do espetáculo prisional não alcançam o esfacelamento do sistema constitucional, que hoje acolhe e aplaude o “gol-contra” do político humilhado, em seu recolhimento ao cárcere, mas amanhã, desnaturado em suas premissas de garantias, permitirá que outros atores ocupem, autoritariamente, esse vácuo de poder, restando muito poucos instrumentos de garantias à sociedade e ao cidadão.

Para os que analisam teoricamente esse “Coliseu Processual” brasileiro, percebe-se que a popularidade do exercício autoritário do poder retirou, de alguns agentes, qualquer resquício de cerimônia em vitimar a forma e o conteúdo das regras processuais.

Na ânsia por popularidade, revelam as suas personalidades – do ano – em decisões que prescindem de qualquer preocupação em “… Mostrar que temos um processo sério, em que você pode garantir para punir e punir garantindo”.[5]

Em tempos de severa crise econômica e social, alguns brindam o encarceramento de pessoas, como uma espécie de alívio pessoal e social, assemelhando-se a um revide ao descrédito político, com o efeito de “lavar a alma e a honra” feridas de uma sociedade usurpada.

Não condeno, absolutamente, esse sentimento vindo dos que se conduzem pelo senso comum.

Ao revés, reputo inadmissível que alguns “messias” da moralidade política e jurídica se apropriem do discurso “salvador da pátria”, em detrimento da higidez do sistema constitucional de garantias, instrumento de defesa dos próprios “espectadores incautos”, e mesmo da sociedade, que não se apercebem da ruptura democrática que se abateu sobre a república, repito, em tempos de pós-democracia.

São tristes tempos de ódio e vingança, que comprometerão tudo que se conquistou em sede de garantias, agora sob o manto maquiavélico e midiaticamente travestido de justiça, mas que, a bem das verdades científicas, não passam de rasos atos de justiçamentos púbicos, onde a discussão da culpa deu lugar ao decreto condenatório sumário, proferido por juízos decisórios via satélite, sempre confirmados por colegiados das câmaras e turmas de Facebook.

Na redundância imposta por certa dose de desesperança, repito, não condeno os que desconhecem a lógica fascistizada que se encobre pelo véu do combate à corrupção.

Com profundo conhecimento das fraquezas humanas “eles”, os “donos do poder”, empreendem uma conjunção simbiótica de justiça e vingança, anestesiando a crença nas instituições, em verdadeiro “doping social”, entoam o hipnótico mantra da penalização, como reposta mais rápida e satisfativa aos anseios dos injustiçados, cooptando as suas vontades e consciências, numa espécie de adesão profética da salvação moral da sociedade.

Relendo Nietzsche, salta aos olhos que: “Ainda, o homem, membro da sociedade, anseia a vingança da sociedade contra aquele que não a honra. Destarte, a honra será restaurada por meio das penas. Mas não somente a honra como retribuição, mas também é almejada a autoconservação da própria sociedade, no sentido de desferir um contragolpe em legítima defesa.”[6]

Preocupa-me que a dose do remédio ministrada ao combate à corrupção, em nosso país, tenha transformado aquele remédio em veneno, e que a vítima dessa alquimia, em sendo a constituição, faça perecer toda a sociedade.

A atual quadra política brasileira, no primeiro quartel do século XXI, parece mesmo retroceder à Inglaterra do século XVII, reeditando o “Bellum omnium contra omnes” – a guerra de todos contra todos de Thomas Hobbes.

A grande ironia reside, justamente, no fato do filósofo inglês acreditar, por seu olhar mecanicista, que a vida humana, sem a política, situação a qual chamou “estado de natureza”[7], em sua interpretação, determinaria aquela guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes)[8], enquanto no Brasil contemporâneo, aos olhos do senso comum, a razão dessa beligerância social é diametralmente oposta, ou seja, o excesso de política e políticos.

Por suas razões políticas e filosóficas, o pensador inglês gizava suas teorias na necessidade da submissão do homem a um poder político soberano (à época Igreja e Estado), como única forma de se alcançar a paz social.

No Brasil, em apertada análise de tudo que se passa, resta claro que a crise que alimenta o espetáculo não passa de uma disputa antirrepublicana de poder, onde o poder político sucumbiu ao poder judicial, que, por sua vez, teme o crescimento exponencial do Ministério Público, enquanto quarto poder, ao passo que todos juntos se rendem e curvam à mídia, como mais rápido, letal e poderoso instrumento do exercício de poder desse país.

Em epílogo, todos os atores dos dantescos espetáculos que somos forçados a assistir, com seus aparatos patéticos de poder e pirotecnia, que transitam desde a truculência com pessoas presas por dezenas de policiais (mesmo sem representar qualquer perigo), perpassando pela mediocridade cênica de PowerPoints, prisões espetaculares, tudo isso, apenas reafirma que o espetáculo só aproveita ao “dono do circo”.

Que continuem os aplausos, que antecedem ao choro, pois quem te induz a aplaudir, já te fez “Fiscal do Sarney”, “Pintou a sua Cara”, te nomeou “Caçador de Marajás”, depois “Caçou o Caçador”, empoderou o “Operário”, e te fez odiar o “Operário”, te fez votar no pioneirismo da “Primeira Mulher Presidente” e em seguida te fez humilhar essa mesma mulher, e agora, diante da sua absoluta vocação para a manipulação, te faz aplaudir algo que você não entende, na certeza de que, ao final, será você, sociedade, quem pagará o caro ingresso neste espetáculo.

Por convicção, prefiro seguir na contramão do senso comum, do lado de fora da lona, sem aplaudir absolutamente nada.

Notas e Referências:

[1] Rubens Casara, professor e juiz de direito: http://justificando.com/2016/07/09/na-pos-democracia-os-direitosegarantias-fundamentais-tambem-são-vistos-como-mercadorias/.

[2] Alexandre Morais da Rosa, professor e juiz de direito: http://emporiododireito.com.br/resenha-da-obraateoria-dos-jogos-aplicada-ao-processo-penal-de-alexandre-morais-da-rosa-por-luciana-rubini-tambosi/.

[3] Márcio Amaral, Vice-diretor IPUB-UFRJ, professor adjunto UFRJ e UFF (in: O Princípio do Prazer, O Princípio do Poder e o TEPT – Baseado em “Nietzsche e nascimento da Psicanálise”): http://www.ipub.ufrj.br/portal/ensinoepesquisa/ensino/residencia-médica/blog/item/118oprinc%C3%ADpio-do-prazeroprinc%C3%ADpio-do-podereo-tept.”

[4] Lenio Luiz Streck, professor e advogado: http://www.conjur.com.br/2014-ago-28/senso-incomum-matar-gordinho-ou-nao-escolha-moral-ver-direito.

[5] Aury Lopes Jr., professor e advogado: http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artig…

[6] Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiadamente humano: um livro para os espíritos livres. São Pulo: Companhia das Letras, 2000. 349 p.

[7] HOBBES, Thomas. Do cidadão. 3. Ed. Tradução de Janine Ribeiro. São Paulo: Martins fontes, 2002. Original inglês. (Clássicos).

[8] Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

X