Audiência de custódia: da iniciativa aos resultados e suas significativas consequencias para o sistema penitenciário do piauí
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA INICIATIVA AOS RESULTADOS E SUAS SIGNIFICATIVAS CONSEQUENCIAS PARA O SISTEMA PENITENCIÁRIO DO PIAUÍ
Talmy Tércio Júnior Advogado Diretor Geral do Núcleo de Apoio a Advocacia – NAAD/OABPI Professor de Direito
Jonas Deusdará Advogado Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Piauí indicado pela OAB-PI Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura indicado pelo Conselho Penitenciário do Piauí Consultor Jurídico do Núcleo de Apoio a Advocacia – NAAD/OAB-PI
A popular Audiência de Custódia surgiu no Brasil por consequência do que já se praticava em quase todo o mundo democrático, moderno e livre. As origens nacionais brotam do que já exortava a nossa própria Constituição Federal desde a promulgação em 1988 (art. 5°, LXII) e, dos Tratados Internacionais acerca de Direitos Humanos dos quais o Brasil aderiu sendo signatário. Assim podemos citar a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – O Pacto de São José da Costa Rica (ano 1969, mais comumente chamado), sem esquecermos o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (Nova York – 1966).
O projeto pioneiro brasileiro surgiu por iniciativa do CNJ e em parceria com o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no início do ano de 2015, cabendo àquele Conselho a desafiadora missão de estender e estabelecer o projeto por todo o território nacional.
Em Dezembro de 2015 o CNJ publicou a resolução 213/2015 (entrando em vigor em 1° de fevereiro de 2016), dispondo sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Assim, também, normatizou dois protocolos: 1) Procedimentos para a aplicação e o acompanhamento de medidas cautelares diversas da prisão para custodiados apresentados nas audiências de custódia e 2) Procedimentos para oitiva, registro e encaminhamento de denúncias de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme o Protocolo de Istambul – Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, de 1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 9 de dezembro de 1985, e a Lei 9.455/97 de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências).
Tratou a resolução acerca da urgente necessidade do indivíduo ter um primeiro e regular contato fiscalizador com o Juiz de Direito (em até 24 horas, frise-se), para a análise das particulares condições da prisão em flagrante (aspectos legais e constitucionais), sua apreciação quanto a necessidade (ou não) da conversão em prisão preventiva e/ou decisão pela liberdade provisória (com ou sem fiança) além da possibilidade de adoção de outras medidas judiciais diversas da prisão propriamente dita, por exemplo: Uso de ‘tornozeleira eletrônica’ (tecnicamente chamada de monitoração eletrônica), conforme as possibilidades e necessidades reais do caso concreto.
Na realidade o CNJ planejou materializar medidas alternativas que evitassem a prisão automática, combatendo a ultrapassada cultura do encarceramento, evitando consequentemente a tão conhecida superlotação carcerária, ou seja – a famigerada bolha penitenciária. O objetivo era (é) conter o uso desproporcional e excessivo do instituto da prisão provisória (registre-se a preventa e anterior Lei 12.403/2011), ampliando o leque de possibilidades de medidas cautelares diversas da prisão e, além disso, especialmente a Prevenção e Combate ao crime de Tortura (crime hediondo).
Especialmente objetivou além: O encontro de um “meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal”.
No Estado do Piauí houve a plena acolhida do projeto (em tese), com prévio diálogo entre as instituições legitimamente interessadas, inclusive com a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Piauí. Consequentemente houve a regulamentação local do projeto pelo Provimento Conjunto 03/2015, da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJ-PI) e da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Piauí (CGJ-PI).
Apesar da plena acolhida do projeto Audiência de Custódia no Estado do Piauí, considerando o passar do tempo e os dados registrados, ainda temos altos índices de encarceramento, ou seja, são percentuais acima de 50% (quase 60%) de conversões de prisões em flagrante em prisões preventivas, o que traz sério impacto no Sistema Penitenciário local, considerando o fato das prisões ocorrerem mais rápido e em maior número que a criação de novas vagas no Sistema Prisional local e suas consequências danosas a administração penitenciária. É uma matemática que se estabelece em progressão geométrica.
Há uma literal oferta diária de presos provisórios inseridos no Sistema Penitenciário piauiense.
Segundo dados extraídos no site do CNJ – GEOPRESIDIOS (http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php, acesso em 2 de maio de 2018), temos o Piauí com o 4° (quarto) maior índice percentual de presos provisórios (58,67%) do Brasil, ficando atrás apenas dos Estados: AL, AM e CE. Tomando apenas como exemplo a conhecida Casa de Custódia Professor José Ribamar Leite em Teresina, temos um déficit de aproximadamente 700 vagas (considerando a capacidade máxima do projeto: 346), com população superior a mil pessoas encarceradas provisoriamente. É um retrato da realidade sombria do Sistema Penitenciário Nacional e doméstica, infelizmente ainda muito desconhecido da sociedade piauiense!.
O recorte local tomado de exemplo é preocupante, mas se verifica estender-se a praticamente todos os estabelecimentos prisionais piauienses (os brasileiros também seguem os percentuais), indicando um déficit geral local de aproximadamente (75,6% vagas). Não se trata de mera incumbência da gestão do Sistema Penitenciário, mas sim da consciência filosófica e judiciária acerca do Projeto – Audiência de Custódia no Brasil, assim como dos fatos geradores das prisões, passando necessariamente pelas incumbências e responsabilidades estatais básicas.
Outro dado preocupante é o índice de ALEGAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO ATO DA PRISÃO – ATÉ JANEIRO DE 2017, segundo http://www.iddd.org.br/wp-content/uploads/2017/12/Audiencias-de-Custodia_Panorama-Nacional_Relatorio.pdf, acesso em 2 de maio de 2018, página 38), chega a 5% no Piauí. Parece baixo tal índice se forem desconhecidas as intrínsecas nuances do fenômeno TORTURA. Entretanto, trata-se de um número meramente informativo, pois as raízes do problema residem atrás da omissão verbal (das vítimas), de declarar ou denunciar. Considere-se, todavia, a diferença que pode haver entre os números documentados e os que realmente podem existir, eis uma questão a ser apreciada tecnicamente. Ainda há muito que se avançar nesse aspecto da prevenção e combate a tortura.
Quanto ao alto índice de conversão de prisões em flagrante em prisões cautelares (no âmbito doméstico), registre-se que os Estados: AL, BA, AP, MT, RR e DF possuem em regra, expressivos menores índices de presos provisórios que no Estado do Piauí, mesmo considerando que alguns deles possuem um sistema penitenciário com número de vagas muito superior ao local.
Enfim, a Audiência de Custódia não pode ser tratada como mero procedimento e de simples averiguação que fomenta, por consequência ou dano colateral, o crescente número de presos provisórios no Brasil e no nosso Estado (Piauí), nem a possibilitar ao preso em flagrante delito o imediato pânico da sorte de uma rasa apreciação. E sim, deve garantir os Direitos e Garantias Fundamentais Constitucionais, assim como estabelecer os limites estatais para aplicação da prisão cautelar (restrição da liberdade física), solidificando um termo civilizado ao direito de punir estatal ou de punir precocemente. É o preço que se paga por viver num Estado Democrático de Direito.
De outra banda não se pode negar terem havidos grandes avanços através do esforço constante de todos os que direta ou indiretamente participam desse universo (Juízes, Advogados, membros do Ministério Público, Defensoria Pública, etc,.), notadamente por se permitir ‘ouvir a voz daquele preso’ em flagrante, outrora dado a conhecer apenas pelas inexpressivas, anônimas e frias folhas de papel do processo penal. Pode-se assim, doravante, permitir a humanização progressiva do Sistema de Justiça como um todo, resgatando o popular, ainda que timidamente, o apelido ‘CIDADÃ’ (que a todos alcança), dado a atual Constituição da República desse país que insistimos em chamar de pátria.
Mas precisamos avançar mais, muito mais!.