Skip links

​A história verdadeira é “fake News”

Estamos vivendo uma época de notícias instantâneas em que muitas vezes os relatos dos fatos estão encobertos por mentiras sutis, distorcidos ou subentendidos, que fogem do foco informativo e são potencializadas pelas redes sociais.

Em algumas notícias os fatos são interpretados além da informação, carregadas de parcialidades. Em outras notas, a expressão da opinião sobre os fatos, demonstram realidades que contestam critérios morais do comportamento humano, comportamentos que podem ser percebidos no nosso cotidiano, que chegamos a pensar que são situações corriqueiras e que já fazem parte da cultura brasileira.

É certo que o mundo tecnológico possibilitou a facilidade na comunicação e hoje qualquer um narra uma nota sobre um fato com o objetivo de gerar discussão entre vários receptores. A necessidade de fazer notícias ou de abrir portas para a propagação de pseudodiálogos com a sociedade, nasce com a inclinação de trazer informação, mas estamos assistindo à produção de fatos com pitadas generosas de ironia, mesmo trazendo marcas subjetivas do comunicador ou propagador.

O cineasta alemão Werner Herzog disse em uma entrevista: “A solidão humana aumentará em proporção direta ao avanço nas formas de comunicação”.

Esse avanço chegou, mas com ele trouxe a necessidade de as pessoas manterem contato e aguardarem resposta a todo instante. As fake News também são produto dessa ânsia por se sentir conectado a alguém. Por mais que se tenham incontáveis acessos por mensagens, em redes sociais e os instrumentos de comunicação levando informações em profusão, o silêncio que impera entre as pessoas está só aumentando a solidão.

A ânsia de compartilhar pode ser uma reação imediata e inconsciente que aflora a vontade de interagir com nossos semelhantes.

Recentemente, seminário promovido pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), cujo o tema era “Impactos Sociais, Políticos e Econômicos das Fake News”, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, disse que falsas notícias têm ligação direta com os pleitos eleitorais, mas que não patrocinará qualquer tipo de censura prévia ou cerceamento da liberdade de expressão.

– Não se pode, por combater fake news, pôr em risco a liberdade de expressão. O congresso Nacional, sob minha presidência, não patrocinará qualquer tipo de censura prévia ou cerceamento de direito à liberdade de opinião. – afirmou.

O encontro foi salutar para o debate sobre o papel do jornalismo profissional no combate a difusão dessas notícias falsas contra candidatos durante o período de campanha eleitoral.

A visão negativa que a opinião pública tem atualmente em relação ao nosso pais e seus governantes, demonstram o desprezo à política e àqueles que a exercem como um sentimento comum entre os cidadãos e há quem se aproveite desses sentimentos para mercalizar notícias inverídicas ou destorcidas num marketing digital.

Mas não podemos nos esquecer que fora dos debates do congresso as mensagens instantâneas por mídias sociais propagam notícias falsas a todo segundo. Pesquisas mostram que a comunicação online feita por qualquer cidadão em mensagens de texto cresceu exponencialmente nos últimos anos.

Diariamente, adultos e adolescentes trocam mensagens de texto e compartilham notícias repassadas, sem se quer verificarem a veracidade dos fatos antes do repasse, pois, para checar a veracidade dos fatos precisariam recorrem a noticiários da televisão ou matérias de jornais, por vezes, inacessível no momento.

O que é verdadeiro e o que falta com a verdade nas notícias no nosso dia a dia? As versões dos acontecimentos podem ter vários ângulos, interesses, pretensões, predileções…

Acreditar não depende de querer e o narrador de um fato tem direito de expressar sua opinião. Porém, as opiniões atualmente estão vazias de critérios morais e éticos e a propagação dos fatos não mensuram os danos, sendo ínfima as estratégias de combate e de repressão às fake News.

A convivência entre os meios de comunicação e o acesso as informações confiáveis faz parte do aparato democrático e a facilidade do acesso as informações precisa acompanhar a velocidade da propagação das fake News, e, na mesma proporção deve persistir o controle da veracidade dos fatos.

Desde os primórdios convivemos com fake News e suas consequências para a sociedade. Estabelecer normas para critérios morais ou políticos, indicando sua conveniência para a permissão positiva sempre existiu inspirando o respeito para com os nossos pares e as leis.

A moral e a ética estão entrelaçadas e intrínsecas na democracia, pois são norteadoras da instrução do ser humano, formam nossos costumes dentro de cada cultura, sendo o reflexo de condutas aprovadas pela sociedade. A formação da conduta de crianças e jovens se dá pelo que observam como conduta prática correta de pessoas que são suas referências. Hoje há uma linha tênue entre o permitido, proibido e o aceitável.

A rapidez das informações atingiu até as formas de relacionarmos com as pessoas. As sidebar conversations estão em números crescentes, o que nos permite indagar “se os diálogos verbais um dia deixaram de existir” ou “se o hábito constante de ler e enviar mensagens pelo celular, mesmo estando numa mesa de bar, restaurante ou em família, traz a ilusão do sentimento de proximidade com pessoas amigas e/ou facilitam que nos expressamos de forma mais verdadeira, contando sentimentos que pessoalmente não teríamos coragem de falar, aliviando cargas emocionais e permitindo novas formas de expressar os sentimentos”?

Por outro viés, as redes sociais permitem as pessoas terem “voz”, mostrarem quem são, mas também, quem gostariam de ser, fingindo ser quem não são e isso facilita a falta de responsabilidade na propagação de notícias falsas.

O receio de ficar por fora é uma nova forma de dependência que veio com a multiplicação dos canais de comunicação, denominada de FoMO de Fear of Missing Out, que ocasiona numa atenção total as informações virtuais e na propagação de notícias sem checar a veracidade dos fatos, fazendo suplência a ausência de moral e ética nessa atitude.

Muitas pessoas acreditam no que leem, buscam fatos semelhantes que já acreditam e não tem hábito de checar a fonte e sequer sabem diferenciar o que é verdade de boato. Dar “voz” aos pensamentos ou querer estar por dentro dos fatos servem para confirmar a existência do indivíduo.

A população vem sofrendo as consequências da descentralização das informações por acabarem acreditando nas mensagens falsas repassando-as de forma a dar ao fato falso o cunho de verdadeiro.

A intensidade e o aumento de notícias estão sendo debatido e torna-se necessária de forma emergencial a prevenção e o combate a divulgação de fake News, no qual o compartilhamento de uma inverdade pode ter consequências jurídicas para quem participa do repasse da informação.

Há de se ter atenção ao que se diz e ao que se dissemina pelas mídias sociais, visto que o risco de “viralizar” é iminente e o ato pode responsabilizar civilmente o provedor e até ser tipificado penalmente por calúnia, injúria e difamação (arts. 138, 139 e 140 do CP), quando ferir a honra de quem se sentir atingido em detrimento de condutas que envolvam seu nome em particular.

Atualmente não há no ordenamento jurídico, nenhuma tipificação penal eficaz para a proteção da veracidade e qualidade das informações veiculadas nos canais de comunicação. Mas como medida de repressão, aqueles que criam intencionalmente fatos para denegrir imagem de pessoas, interesses econômicos e políticos, devem ser criminalizados, tanto criador quanto eventual compartilhador que pretendem influenciar pensamentos.

O mundo está cada vez mais dinâmico e é necessário superar os desafios das relações pessoais, analisar com base em critérios morais e políticos, exercendo um controle justo e repreender as atitudes aplicar repressão cabível, compreendendo as dificuldades inerentes a criação de ordenamento para tal, para surgir um ponto de basta nas práticas de criação e divulgação das fake news.

A nossa geração precisa de mais medidas justas, e essa preocupação legítima levanta questões fundamentais que revelam a crise atual das ferramentas globalizadas dos canais de comunicação instantâneas que em progressão epidêmica são catalizadores da falta de credibilidade das notícias que desvalorizam a busca pela fonte de fatos verídicos e se torna o cerne para um trabalho árduo de novos rumos para notícias informativas combativas as fake news.

As medidas de controle e repressão alinhadas a nossa constituição e a proteção das liberdades fundamentais, devem analisar e traçar os limites sem prejudicar a diversidade, a liberdade de expressão e a democracia numa tentativa de reduzir a divulgação de conteúdos falsos.

Dominar a veracidade dos fatos num mundo de comunicação instantâneas é um desafio sobrenatural para os meios jornalísticos.

Luciano Samósata granjeou em suas sátiras uma reputação mundial e arrisco a dizer que em pleno século II combatia a fake News com astúcia e bom humor.

Em sua obra mais famosa, A história Verdadeira, Samósata brinca com as fontes históricas contemporâneas e antigas, contando fatos inventados. Em seu primeiro livro diz:

“…me voltei para a mentira, em muito mais honesta que a dos demais, pois ao menos nisto direi a verdade: ao afirmar que minto. Assim, a mim me parece que também escaparia da acusação dos outros, eu próprio concordando que nada digo de verdadeiro. Escrevo, portanto, sobre coisas que nem vi nem sofri, nem me informei por outros e ainda sobre seres que não existem em absoluto e nem por princípio podem existir. Por isso, aqueles que por acaso se depararem com estes escritos não devem de forma alguma acreditar neles”.

As fake News são também estratégias que visam persuadir o leitor da veracidade dos fatos com pretensão de serem um relato real.

É com toda essa ausência de honestidade que nossa sociedade enfrenta as perdas sem perceber, e como dizia o escritor peruano Luis Felipe Angell (1926-2004), que adotou um pseudônimo de Sofocleto, em alusão aos gregos, numa brincadeira de querer parecer ser quem não era, disse em sua crítica bem-humorada: “Não sei se o homem descende do macaco, mas bem que merece”.

Luciana Abreu do Valle

Advogada, Ouvidora Estadual da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas em Goiás – ABRACRIM GO, atua na área do direito: Cível, Empresarial, Família, Imobiliário e Criminal.

X