DIREITO DE MORRER COM BASE NO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
RESUMO
O direito de morrer fundamentado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é o que se discute no presente artigo.Todos sabemos que a morte faz parte da condição humana, pois a vida se desenvolve para esse fim. Contudo na sociedade em que vivemos, o assunto morte gera desconforto é até mesmo repulsa. Todos querem falar em saúde, beleza, juventude e longevidade, estamos no auge da busca pela vida saudável e longa. Porém numa sociedade de massa, onde a tendência é anular as singularidades dos indivíduos, o pensamento sobre morte passa a exercer a função de fazer com que cada homem perceba que é único. Não há um conceito sólido sobre o que é a morte, porém isso não tem impedido, nós homens, de idealizarmos um julgamento do que vem a ser este fenômeno tão atemorizante, e apesar de temos imaginação frágil, passível de erros, alucinações e fobias, cada um formaliza seu próprio conceito sobre o tema em discussão, a rigor a morte não é nada, senão mais uma etapa da vida humana. Nesse diapasão, ousamos, então a falar da morte mesmo que o ser humano sempre tenha tentado exorcizá-la; pelos ritos nas culturas primitivas, pela reflexão, pela escritura ou até mesmo pela arte nas sociedades mais evoluídas. Não quero aqui falar da morte natural, muito menos da eutanásia, ou suicídio, mas no direito autônomo que todos temos, de decidir pela vida ou pela morte. Fundamentados no princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Aquele que nos conferiria o poder de tirar a nossa própria vida quando desejássemos. Esse direito nada mais seria que o direito de morrer.
Palavras-chave: direito. garantia. dignidade. Morte
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho é refletir sobre o direito de o indivíduo buscar a própria morte de modo a resguardar sua dignidade. Essa reflexão toma por base o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana inserido na Constituição Federal de 88. Nessa esteira, o homem se apresenta como senhor de si, tendo opção individual e autônoma de se autogovernar e agir de acordo com seus valores sociais, morais e religiosos em relação à morte.
Desse modo, garantir o direito a morte digna, seria o mesmo que garantir o direito à vida, previsto no artigo 5º., caput da Constituição Federal, alguns doutrinadores constitucionais explicam ser esse um direito genérico. Já que abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.
Há um confronto entre o direito á vida e a liberdade de abster-se desse direito, de um lado há argumentos relevantes no sentido de que o direito à vida perde sua valorização de tutela constitucional, quando ao prolongamento forçado de uma vida vazia, tímida, desvalorizada e cruel, ou às vezes simplesmente sem sentido. Ou seja, prolongá-la estar-se-ia ferindo o direito a dignidade humana da pessoa em sentido antagônico e inexorável. Já a justificativa é trazer à baila, um tema que todos preferem esquecer e fingir que não existe.
A primeira reação, das pessoas diante desse tema é vê-lo com assombro e desprezo; porque tratar de um tema tão complexo? Dessa forma, acredito que devemos sim falar, sobre o assunto e expor nosso pensamento a respeito do tema. Se obrigarmos uma pessoa a viver contra a sua vontade, não estaríamos condenando-a, a tortura tanto física quanto emocional? Onde fica o direito no que diz respeito a sua dignidade?
Se o Estado permitisse tal intento estaria arrombando uma ou várias portas, guardadas e protegidas a sete chaves, pelos seres humanos? Sabemos que o direito não é exato, devido ao emaranhado de convicções filosóficas, religiosas, morais, sociais etc. Sendo assim, o bom senso confere aos seus operadores o alicerce da “equidade”, devendo cada caso ser analisado isoladamente.
O que não podemos é ficar estáticos e nos entregar ao medo enfadonho do erro.
Nesse artigo tenho a missão de exarar de forma sucinta, clara e objetiva o tema objeto do presente estudo.
Proporcionando a compreensão que morrer com dignidade é ser respeitado como ser humano pleno de corpo, alma e espírito. Se tivermos dificuldades na compreensão do direito de morrer de forma digna, é apenas necessário lembrar-nos que para nós a morte também faz parte da vida.
DIREITO DE MORRER COM BASE NO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Todos nós, humanos ou não um dia iremos encontrar a morte. Esta é uma verdade inquestionável e certa, porém a pessoa natural, portadora de personalidade jurídica, a aquela, capaz de direitos e deveres, teria liberdade e autonomia para decidir sobre o momento de sua morte? Há aqueles que defendem que o direito a vida não é um direito de propriedade, não cabendo, portanto, ao indivíduo dispor dela.
O Estado por sua vez, tem a vida como bem público indisponível, dessa forma o ordenamento jurídico veda qualquer forma de atentado direto ou indireto contra a vida, mesmo que tenha o consentimento do ofendido. Nesse diapasão, poderíamos pensar quanto à existência de um direito baseado na liberdade e autonomia do ser humano em dispor de sua própria vida? Sustentam alguns que sim, outros não.
Frente a inúmeros questionamentos, percebesse ser o tema polêmico, porém intrigante. Já que desperta sentimentos perturbadores, perguntas diversas, questionamentos jurídicos, filosóficos, teológicos, humanistas e tantos outros.
É evidente o clamor da sociedade em torno do direito de uma morte “boa”, sem dores, sofrimentos, traumas, carmas familiares, medicamentos paliativos e gastos excessivos. As pessoas estão querendo viver mais, porém com qualidade de vida física e psicológica, buscam uma alimentação saudável, exercícios físicos, checapes médicos periódicos, investem ainda em remédios contra o envelhecimento precoce e radicais livres, vitaminas, tônicos, personal trainer, cirurgias plásticas, próteses e por fim uma religião.
Buscam namorar cada vez mais, ter uma vida sexual plena e dinâmica, sair e curtir muito a vida. Nessa esteira, a vida humana hoje em dia é muito bem organizada, isso abrange, relacionamentos, casamentos, filhos, trabalho, sexo, alimentação, saúde, educação e aposentadoria. Tudo é pensado meticulosamente, com a única finalidade de se ter uma vida “boa”.
Outrossim, temos ainda um sistema estatal e jurídico atuante, que anseia cada vez mais em organizar, suprir, proteger e completar essa vivencia humana. Na contramão disso, o ser humano além de uma vida plena, busca ainda uma liberdade amplificada no que diz respeito a suas vontades unilaterais. Deseja viver intensamente do seu modo, todas as nuances da vida.
Em busca dessa liberdade, o ser humano tenta experimentar e viver experiências primitivas, querem ter seus desejos e valores singulares respeitados, repudiam a interferência estatal e jurídica no cerne de seus desígnios de vivencia.
Ressalte-se, ademais o movimento naturalista pelo qual estamos passando, alimentos orgânicos, contato com a natureza, moradias em parques e matas, mulheres requerendo o direito de parir seus filhos em casa sem acompanhamento médico, e até comendo sua própria placenta, pessoas abdicando a tecnologia e a vida moderna. Tudo na busca de viver plenamente, e alcançar uma vida “boa” gozando de seus direitos, princípios, convicções e opiniões.
Desse modo, assim como há preocupações em relação a vida, há também sobre a morte e sua ocorrência, ninguém que vive intensamente buscando uma vida “boa”, deseja um dia padecer com resignação frente a uma enfermidade incurável e degenerativa, paralisações físicas, motoras e celebrais, dores intermitentes, tratamentos paliativos, sondas e aparelhos por todo o corpo, sobrecarregar a família psicologicamente, fisicamente e financeiramente.
Sobre essa ótica, tem perpetuado a manifestação de diversas pessoas buscando uma morte “boa” digna, são indivíduos que viviam plenamente, até sua existência ser interrompida por uma doença ou acidente, dando uma “guinada” extraordinária no seu modo de vida.
Passam horas, dias, meses e anos no sofrimento físico e psicológico, padecendo dores, não podendo comer, beber, andar, falar, ouvir, ir ao banheiro, fazer sua higiene corporal, há casos de pessoas acamadas que tem feridas abertas, ferimentos que não saram, pele que esfolam ou caem. Não vivem mais, apenas vegetam de maneira desumana e precária, acumulando culpas internas por ver sua família sofrendo por seu “carma”.
Hodiernamente, dentro da concepção de vida digna, o direito de morrer vem ganhando destaque, já que o direito à vida, significa também o direito de viver com dignidade. Se essa dignidade não existe mais, enquanto se vive, forçar alguém a permanecer vivo, com base no direito e garantia constitucional à vida, traduz em violência e opressão ao indivíduo, é não reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação.
No descortino de tudo isso, muitos tem levantado a bandeira do direito pessoal de morrer, esse pensamento não é incutido no indivíduo de forma bilateral, mas sim, nasce unilateralmente dele. Esse entendimento vem alicerçado na consequência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de consciência, de sua autonomia jurídica, da inviolabilidade de sua vida privada e intimidade e principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana.
Cumpre ressaltar, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, perfaz fundamento da República Federativa do Brasil e princípio-matriz de todos os direitos fundamentais (art.1º, III da Constituição Federal), que, em suas relações internacionais, rege-se, dentre outros, pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, II, VIII e IX) .
Destarte, esse princípio corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada indivíduo fazendo o merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da sociedade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comum com os demais indivíduos.
Trata-se de um princípio fundamental incidente a todos os humanos desde a concepção no útero materno, não se vinculando e não dependendo da atribuição de personalidade jurídica ao titular, a qual normalmente ocorre em razão do nascimento com vida.
Sobre este prisma, cabe o seguinte questionamento; que faculdade é esta que exprime dizer que temos garantido a direito-permissão de viver e não temos a permissão de não-viver? Se não há na Constituição Federal de 88 o direito de morrer, também não encontramos ali normas que o vetem peremptoriamente .
Outrossim, se alicerçarmos o direito de morrer, na base do princípio da dignidade da pessoa humana, fica claro ser este um direito inerente do indivíduo, não cabendo a terceiros ou ao poder estatal editar normas que vetem ou mutilam tal direito.
Para Diane E. Papalia, independentemente do sistema jurídico sustentar ou não o direito constitucional de morrer, a opinião e as políticas públicas parecem estar indo em direção a legalização do direito de morrer. Ela continua argumentando que a questão se torna mais urgente à medida que a população amadurece. Grande parte do debate gira em torno da possibilidade de redigir leis que contenham proteção adequada conta o abuso .
Nesse mesmo jaez, a nobre doutrinadora afirma que nos próximos anos, tanto os tribunais quanto o público em geral serão forçados a se reconciliar com a questão, à medida que um número cada vez maior de pessoas alega o direito de morrer .
Por derradeiro, o ilustre constitucionalista André Ramos Tavares encerra a discussão dizendo que: “No Brasil, não se tolera a chamada “liberdade á própria morte”. Não se pode impedir que alguém disponha de seu direito à vida, mas a morte não é, por isso, um direito subjetivo do indivíduo, a ponto de poder exigi-la do Poder Público. ”
Dado o exposto, acreditamos que um Estado laico, leigo e não confessional, que traz em sua Carta Magna um princípio-matriz o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, deve libertar a lei de normas alicerçadas em fundamentos austeros e religiosos. Em compensação, deve promover direitos que não obrigam o indivíduo, mas permitem escolhas individuais sensatas, humanas e dignas.
A legalização do direito de morrer não tornará essa faculdade obrigatória há ninguém, apenas a disponibiliza como uma escolha legítima de proteção a dignidade da pessoa humana.
CONCLUSÃO
Levando-se em conta o que foi observado, depreendemos ser a vida humana sagrada, mas não por conta de alguma afirmação naturalista ou religiosa, e sim pela sua natureza imponente que leva o indivíduo ao potencial racional de pensar, criar, desejar, amar e experimentar prazer. Nessa conjuntura, nossa vida é sagrada pela possibilidade de alcançarmos a felicidade aqui mesmo. Dirigido por este pensamento, diríamos que a verdadeira preservação da vida faria do indivíduo um ser livre para perseguir o próprio caminho da felicidade, sem coerção estatal desnecessária ou imposição de algum dogma religioso. Nesse diapasão, todos devem ter o direito de viver, que abarca também o direito de escolher não mais viver. Se olharmos por esta ótica, logo a morte será um direito básico. Nascer, desenvolver e viver pode ser algo maravilhoso. Porém, devemos respeitar quem não mais compartilha dessa opinião, pelo motivo que for. Indivíduo algum deve ser forçado a continuar respirando, contra a sua vontade, pois a vida é para ser vivida intensamente com desejo, prazer felicidade, e principalmente dignidade. Afinal, a vida é sagrada para aqueles que assim a consideram. Por derradeiro, o direito à vida não é diferente do direito a morte; na verdade compreende duas dimensões geradas de um mesmo direito.
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