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​A Vulnerabilidade do Lapso Temporal e as Falsas Memórias – Por Cláudia Pádua

A Vulnerabilidade do Lapso Temporale as Falsas Memórias

Algumas de nossas experiências mais marcantes, são registradas em nosso cérebro como memórias; a maior parte porém, cai no esquecimento. Quando lembramos de algo, o neurônio envolvido em gerar a experiência é reativado, realizando as sinapses, portanto todas as lembranças são reconstruções com a finalidade de fornecer informações para guiar nossas ações no presente.

Sendo assim, a memória se inscreve como a capacidade de lembrar algo ou mesmo em reconhecer uma face quando necessário; a visão vaga de um evento antigo ou mesmo saber que as chaves do carro estão sobre o console. São fenômenos que envolvem o aprendizado e a reconstrução parcial ou total de uma experiência passada.

A finalidade do cérebro é otimizar comportamentos e tentar manipular com exímia destreza as necessidades que o corpo tem de enganar, quando se tem culpa e é submetido a algum tipo de investigação que o deixe desconfortável.

Nossa memória é um sistema de armazenamento que permite reter a informação aprendida e também permite evocar essa mesma informação quando requisitada.

A capacidade crítica da memória, desempenha um papel vital no funcionamento social, emocional e cognitivo, formando a base de nosso sentimento de identidade, orientando nossos pensamentos e nossas decisões, influenciando e comandando nossas reações emocionais e nos conduzindo ao ato de aprender.

Existem alguns tipos de memórias:

1. Episódica: reconstói experiências passadas.

2. Semântica: conhecimento factual e impessoal (autônomo).

3.Trabalho: mantém a informação na mente apenas pelo tempo suficiente para utilizá-la.

4.Procedimental: englobam as ações apreendidas, como andar e nadar.

5. Implícitas: não temos consciência.

A capacidade da memória se deve ao sistema utilizado para evocar (hipocampo) nas milhares de vezes em que é chamado, portanto a memoria vai sendo reescrita e modificada cada vez que nós a resgatamos.

Formação da Memória:

1. Curto prazo: ficam conosco somente o tempo necessário.

2.Médio prazo: duram meses ou anos e desaparecem.

3. Longo prazo: são relembradas anos e décadas depois.

Freud, o Pai da Psicanálise considera as representações armazenadas na memória de suma importância. Elas se originam da percepção, seja interna (traços mnésicos das excitações internas), ou externa (imagens mnésicas dos objetos), e são concebidas como unidades mentais, de forma que as imagens psíquicas de objetos e sensações exteriores se transformem no aparelho psíquico. Como não estão isoladas, mas sim relacionadas em redes associativas que espelham sua ocorrência na realidade externa, se tornam capazes de representar também palavras e sentimentos.

A ligação da imagem acústica da palavra com a imagem visual da representação, resulta em uma correspondência entre uma representação da “coisa” e uma representação de palavra. Esta correspondência tem um papel primordial no acesso dos processos de pensamento à consciência e na mecânica do recalcamento: Sabe-se que a diferença real entre uma ideia (pensamento) do Inconsciente ou do Pré consciente, se baseia nesta ordem: que a primeira é efetuada em algum material que permanece desconhecido, enquanto que a última (Pré consciente.) é além disso, colocada em vinculação com representações verbais. E é nesse instante que poderá ocorrer o lapso temporal.

Da linguagem depende o acesso à consciência dos processos de pensamento, uma vez que a linguagem dispõe de palavras ligadas a fatos, mas também de palavras que exprimem sentimentos. O resultado disso é que pensamento e linguagem são duas ordens distintas e, o que é de fundamental importância, o pensamento e a ordem derivada da percepção e da experiência, é o quefornece sentido às expressões linguísticas, que são de extrema importância em um depoimento, onde se investiga a veracidade dos fatos.

Alguns traumas decorrentes de extrema violência, agressividade e negação do ocorrido, podem gerar lapsos de memória e ou falsas memórias.

Falsas memórias, são informações armazenadas na memória sem um estímulo real objetivo, embora sejam recordadas como se tivessem sido efetivamente vivenciadas pelo indivíduo, podendo ser criadas durante o processo de recordação.

Se por exemplo, um indivíduo é convencido de que algo aconteceu com ele, poderá reformular o evento a partir de esboços de outras memórias e então vivenciá-lo de como se fosse uma recordação “real”.

Um fator importante é o impacto emocional do evento vivenciado, quanto maior o impacto, tanto negativo quanto positivo, maior a facilidade de recordá-lo posteriormente envolvido com falsas memórias. O mecanismo neurológico responsável por esse encadeamento é a interação do hipocampo (memórias) com o sistema límbico (emoções) especialmente a amígdala ( afetividade).

Falsas memórias consistem em recordações de situações que, na verdade, nunca ocorreram ou aconteceram de forma diversa de como lembrado pela vítima/testemunho. A interpretação errada de um acontecimento também pode desencadear esse processo.

Embora não apresentem uma experiência direta, as falsas memórias representam a verdade como os indivíduos as recordam. Podem surgir de duas formas: espontaneamente ou através de uma sugestão externa.

A influência do tempo é reconhecida judicialmente como prejudicial à qualidade da prova, sendo que após decorrido cinco anos do fato, parte da prova foi prejudicada pelo tempo que induz ao esquecimento e favorece consideravelmente a inclusão de falsas memórias. É imprescindível que se realize uma análise minuciosa das técnicas apresentadas nas oitivas, para prevenir a formação dessas falsas memórias, a fim de impedir erros judiciais trazidos por suposta privação de liberdade.

Indivíduos com baixa autoestima e grande número de respostas de enfrentamento mal adaptadas, frequentemente se depreciam e exageram em seus autorrelatos de sintomas. Além disso, quanto maior o neuroticismo, melhor o detalhamento de eventos desegradáveis e maior o número de traços negativos de si mesmo relatados.

Em alguns casos, o interrogado está sob forte estresse causado por um trauma vivenciado e armazenado em seu inconsciente, se manifestando através de lacunas, quando sob pressão, ao ser investigadoé incumbido de reviver novamente este episódio, o qual se recusa inconscientemente reviver.

Carl Jung em seus estudos sobre a mente humana, referendou que os arquétipos representam motivos humanos fundamentais de nossa experiência, e portanto evocam sentimentos e emoções profundas em nossa memória, trazendo fatos que de quando em vez, podem nos incomodar e se transformar em possível traumas.

Em se tratando de Memórias Traumáticas ou TSPT (Transtorno de Stress Pós Traumático), é uma condição na qual o indivíduo tem vívidas memórias.

Em processos que objetivam a reconstrução do fato criminoso vivenciado, podem existir artimanhas do cérebro, informações armazenadas como verdadeiras, ou induções dos profissionais ao iniciarem o interrogatório, que no entanto, não condizem com a realidade. Estas são as chamadas falsas memórias, processo que pode ser agravado, quando da utilização de técnicas por repetição de perguntas, como as empregadas de forma notória no âmbito criminal.

O processo de percepção varia de indivíduo para indivíduo, em geral o automatismo mental faz com que as testemunhas tenham grande dificuldade em dizer qual a cor da roupa ou do sapato do envolvido no fato, se havia algum anel, alguma tatuagem ou até mesmo recordar de alguma cicatriz no corpodo agressor.

De fato é sabido que o estresse elevado tanto quanto a violência tendem a diminuir a capacidade de captação das informações, pois o sujeito estava com a atenção voltada à própria defesa, o que também pode prejudicar a qualidade do testemunho.

A memória refere-se ao conjunto de mecanismos psíquicos que são responsáveis pelo armazenamento das representações (informações e experiências vividas), possibilitando sua fixação, retenção e posterior evocação quando solicitada.

Existe porém a amnésia emocional, que se observa como decorrência de um profundo abalo emocional e que torna o indivíduo incapaz de se lembrar da situação perturbadora. Em geral, os indivíduos tendem a esquecer acontecimentos que estejam relacionados a fortes emoções desagradáveis ou dolorosas (ódio, horror, remorso, etc.), funcionando o esquecimento como um mecanismo de defesa psíquica. O esquecimento ainda pode se originar da repressão quando fatos e acontecimentos são expulsos da consciência. Quando ocorre a repressão (processo inconsciente), a evocação das lembranças se faz de maneira distorcida e incompleta, afastando os fatos da realidade, pois a tendência natural do indivíduo é complementar essas lembranças que se encontram fragmentadas com associações lógicas que já se encontram em seu próprio psiquismo. Essa repressão, na maioria das vezes, age de modo fragmentário, não suprimindo, mas dificultando a evocação das lembranças. Então estas surgem incompletas, totalmente deformadas e misturadas com falsas lembranças que são produto da ação do mecanismo catatímico, continuada mesmo depois do fato perceptivo. E o sujeito, quando se dá conta da pobreza de suas lembranças, as completa automaticamente, utilizando as cadeias de associações que logicamente devem se encontrar relacionadas entre eles, e isso faz com que, mesmoagindo de boa fé, o resultado da evocação se encontre distante da realidade que se encontra. Assim, se considerarmos que os depoimentos, envolvem uma carga emocional intensa, compreende-se a constância com que a amnésia emocional se apresenta não só nos agressores, como nas testemunhas. Em situações de emoção profunda de nada adianta o profissional forçar ou ameaçar a testemunha para prestar esclarecimentos sobre os fatos, pois os detalhes podem ter sido esquecidos involuntariamente. Acredita-se que quanto mais carga emotiva e intensa for a situação, atuam-se mecanismos psíquicos inconscientes no indivíduo que impõem rigorosamente o esquecimento de fatos traumáticos e dolorosos, projetando lacunas em seu inconsciente.

Alguns estados emocionais característicos apresentados:

1. recuperação lacunar das informações (a mente elimina conteúdos que trariam dor ou desconforto).

2. ampliação de atributos (recorda-se de algo ruim como pior do que realmente foi e de algo bom como extremamente aprazível).

3. fixação das recordaçõesem fatos desagradáveis ocorrido.

4. distorção da interpretação dos acontecimentos, por omissão de vários aspectos relevantes e ampliação de detalhes com pouco significado.

5. desaparecimento dos traços de memória com o passar do tempo.

6. interferências entre conteúdos, os relatos misturam eventos e as consequências do fato.

7. fantasias incorporadas às recordações, acrescidas nas narrativas de graves conflitos que se prolongaram por muito tempo.

8. preenchimento das lacunas de memória com suposições plausíveis, ocorre mesmo em narrativas de incidentes sem consequências.

No momento do testemunho, são raros os indivíduos que conseguem observar com precisão os fatos, mantê-los em sua mente e reproduzí-los com fidelidade através do processo da evocação Em geral, esses indivíduos não possuem inteligência verbal para exprimir de forma correta suas vivências. São raríssimos sujeitos que conseguem descrever em palavras tudo quanto perceberam da realidade vivenciada. Por isto, o interrogador deve intervir o mínimo possível no depoimento da testemunha, pois toda resposta poderá emergir por tendências afetivas do interrogado ou através de lembranças fragmentadas, preenchidas por deduções lógicas ou mesmo equivocada em razão do medo sentido. Pode-se observar que existe possibilidade de afetar o interrogado, a expressão do fato, o ambiente em que é realizado o interrogatório, horário estipulado, tipos de quesitos apresentados e a própria linguagem verbal e não verbal utilizada entre interrogador e testemunha.

Em meio ao interrogatório, o desequilíbrio emocional acentua-se quando a testemunha não encontra a melhor forma de se expressar, não ordenando as ideias ou as palavras podem lhe fugir à mente.

Uma avaliação criminológica precisa do comportamento do indivíduo em análise, consegue detectar a simulação de um transtorno de personalidade e a vulnerabilidade de um lapso temporal por receio de problemas legais com a justiça, ou até mesmo a precisão de um problema diagnosticado em uma lacuna linguística da expressão verbal.

Uma boa estratégia utilizada para o interrogador é valorar o silêncio, aguardando que a própria testemunha inicie ou prossiga seu depoimento, pois o relato espontâneo tende a ser menos deformado, tendo em vista que poderá ocorrer menos conflito, além da possibilidade de revelar a linha de pensamento e raciocínio da testemunha, permitindo ao interrogador desvelar o que está oculto por trás das palavras que tentam esconder a realidade do fato.

O interrogador precisa estar muito atento à linguagem não verbal da testemunha, como por exemplo: olhares, gestos, ruborização, timbre e ritmo da voz, sudorese, mãos, movimento das pernas e pés, postura, tiques, etc. Esses sinais externos podem auxiliar o interrogador para detectar se o interrogado realmente conhece os fatos, se foi instruído a depor ou se está mentindo.

Ao se iniciar o interrogatório, deve-se adequar perguntas que iniciam com pronomes interrogativos (Como? Quando? Onde? Quem? Por quê? O quê?) são as mais indicadas, porque são consideradas imparciais e objetivas, a fim de buscar a veracidade no depoimento.

O ser humano possui uma capacidade multifacetária de expressar suas emoções, e um bom observador treinado, consegue captar nas entrelinhas, tudo aquilo que a linguagem verbal não pode ou não deseja revelar, se manifestando através das microexpressões faciais e corporais onde o sistema límbico e a amigdala cerebral, “entregam” com eficácia, o que minimamente se tenta esconder…

Sobre a autora:

Cláudia Pádua é Psicóloga, Criminóloga e analista de inteligência criminal.

Especialista em Criminologia pela PUC/IEC e ACADEPOL/MG.

Autora do livro: “O Criminoso e Seu Juízo… Existe Prazer em Matar…???

e-mail para contato: pontocriminal@gmail.com

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