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O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PODE OU NÃO SER ALVO DE BUSCAS E APREENSÃO?

O ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PODE OU NÃO SER ALVO DE BUSCAS E APREENSÃO?

Por Gilvan Naibert e Silva

A comunidade jurídica está, de fato, surpresa com mais uma atuação midiática da Polícia Federal em conjunto com alguns membros do Poder Judiciário e alguns do Ministério Público Federal que resolveram, sem a presença da OAB, invadir o escritório de advocacia do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, inscrito na OAB-MG.

A OAB Federal e a OAB da Subseção do advogado atacado já estão tomando as medidas cabíveis.

Com efeito, muitos questionam se o escritório de advocacia pode ou não ser alvo de buscas e apreensão.

A melhor resposta é DEPENDE, e se desdobra em “regra” e “exceção”.

A regra é que o escritório de advocacia e os instrumentos de trabalho do advogado não sejam objeto de busca e apreensão, desde que relativas ao exercício da advocacia. Veja a redação do art. 7º, inciso II, da Lei Federal 8.906/94:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia.

Então, partimos do pressuposto que o escritório de advocacia, como regra geral, possui proteção constitucional e infraconstitucional de inviolabilidade de seu local e de seus instrumentos de trabalho.

Essa regra está em total consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa (art.5º, inciso LV da CF/88), do sigilo profissional (art. 5º, inciso XIV) e da essencialidade do advogado à Justiça (art. 133 da CF/88).

Todavia, a mesma legislação que proíbe como regra, a violação do escritório de advocacia, fala que em determinados casos, o escritório de advocacia pode ser alvo de busca e apreensão, vejamos:

§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008)

Como se verifica do parágrafo legal supracitado, a inviolabilidade do escritório de advocacia, não é absoluta. Há casos em que a legislação autoriza a quebra da inviolabilidade do escritório de advocacia, e aí está a exceção mencionada acima.

Nestes casos, a legislação federal impõe algumas regras a serem observadas pelas autoridades responsáveis para que a busca e apreensão em escritório de advocacia não seja declarada nula posteriormente.

O Supremo Tribunal Federal, em alguns julgados, já apreciou essa matéria, vejamos:

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO FUNDAMENTADA. VERIFICAÇÃO DE QUE NO LOCAL FUNCIONAVA ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO MAGISTRADO ANTES DA EXECUÇÃO DA MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO EM SITUAÇÃO DISTINTA DAQUELA DETERMINADA NA ORDEM JUDICIAL. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. 2. Tratando-se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não investigados. 3. Equívoco quanto à indicação do escritório profissional do paciente, como seu endereço residencial, deve ser prontamente comunicado ao magistrado para adequação da ordem em relação às cautelas necessárias, sob pena de tornar nulas as provas oriundas da medida e todas as outras exclusivamente delas decorrentes. 4. Ordem concedida para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o material colhido ser desentranhado dos autos do INQ 544 em curso no STJ e devolvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em outra investigação (HC 91610, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-02 PP-00237 RTJ VOL-00216-01 PP-00346).

Com efeito, a norma traz três requisitos cumulativos para que haja a inviolabilidade do escritório de advocacia de forma legal, e mais um requisito reflexo dois três primeiros.

Para haver a inviolabilidade do escritório de advocacia, é necessária a presença de (i) indícios de autoria e (ii) materialidade da prática de crime pelo advogado, bem como (iii) decisão fundamentada nesse sentido.

Portanto, é só a prática de crime por parte do advogado, somado com indícios de autoria e materialidade que autoriza a inviolabilidade do escritório. Eventual Ilícito civil ou administrativo por parte do advogado, não autoriza a violação de seu escritório.

Além disso, o crime tem de ser praticado por advogado, e não por seu cliente. Nada justifica a busca e apreensão em escritório de advocacia quando o investigado é o cliente do advogado (e não o advogado). Em tais hipóteses, aplica-se a vedação legal do art. 7º, inciso II, da Lei 8.906/94, ou seja, é proibida qualquer interferência no escritório de advocacia que busque eventual prova contra o cliente do advogado, o que está em consonância com o princípio constitucional do sigilo profissional descrito no art. 5º, inciso XIV.

O art. 243, §3º do CPP, é também nesse sentido:

§ 2o Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

A legislação, assim, desautoriza qualquer interferência no escritório de advocacia para investigar o cliente do advogado, pois em hipótese alguma, o advogado ou o escritório de advocacia pode ser confundido com o investigado.

A legislação só prevê uma forma de busca nos documentos do cliente do advogado: Quando o cliente esteja sendo investigado juntamente com o advogado como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade (§7º do art. 7º da Lei Federal 8.906/94), ou seja, a única forma de busca em documentos de clientes do advogado é quando o cliente esteja em conluio com o advogado. O STJ já se manifestou nesse sentido:

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. DOCUMENTOS APREENDIDOS QUE DERAM ORIGEM A NOVA INVESTIGAÇÃO, CONTRA PESSOA DIVERSA, NÃO RELACIONADA COM O FATO INICIALMENTE APURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PACIENTE QUE NÃO ESTAVA SENDO FORMALMENTE INVESTIGADO. 1. Consoante o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 7º da Lei n. 8.906/1994, documentos, mídias e objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, somente poderão ser utilizados caso estes estejam sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra de inviolabilidade. No caso, o paciente não estava sendo formalmente investigado e o crime ora apurado não guarda relação com o estelionato judiciário (que originou a cautelar de busca e apreensão). 2. Ordem concedida em parte, para afastar do Inquérito Policial n. 337/09, instaurado contra o paciente, a utilização de documentos obtidos por meio da busca e apreensão realizada no escritório do advogado do paciente. (HC 227799/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 25/04/2012).

É meio óbvio, mas não custa dizer que o advogado defende a legalidade do processo e da acusação, estando ali, tanto para garantir os direitos fundamentais de seu cliente, quanto para fiscalizar o estado-juiz, bem como o membro do Ministério Público.

O advogado não está no processo ou na investigação para defender o crime. Abomina-se qualquer espécie de crime, mas defende-se com “unhas e dentes” o devido processo legal e a plenitude de defesa.

Superada essa hipótese, e fundamentado em indícios de autoria e materialidade de crime por parte do advogado, a autoridade judiciária expedirá a ordem para que o escritório de advocacia seja averiguado, nos termos do art. 7º, inciso II, e §6º da Lei Federal n.º 8.906/94; art. 133 da CF/88, e naquilo que for aplicável, art. 240 do Código de Processo Penal.

É bom destacar que o mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia há de ser específico e pormenorizado, devendo constar as seguintes observações de caráter obrigatório para cumprimento pela autoridade:

(i) O mandado deve ser cumprido na presença de representante da OAB: Isso significa que a OAB deve ser previamente cientificada sobre a decisão que determinou o cumprimento do mandado no escritório de advocacia, a fim de mandar representante para acompanhar o ato.

A presença da OAB no ato se dá por três viés: O primeiro, é a legitimação do próprio ato, sem o qual, será NULO; O segundo, é de natureza fiscalizatória da busca e apreensão, isto é, para conferir se a autoridade responsável pelas buscas respeitará a limitação legal de procurar algo relacionado ao crime cometido pelo advogado; e a terceira para fiscalizar o próprio advogado, a fim de tomar eventual medidas administrativas contra o mesmo, caso se descubra algo criminoso.

(ii) O mandado deve conter ressalva no sentido de ser vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre tal requisito:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE ESTELIONATO E FALSIDADE DE DOCUMENTO PARTICULAR. BUSCA E APREENSÃO DE DOCUMENTOS RELATIVOS À OPERAÇÃO FINANCEIRA EM PODER DO DEPARTAMENTO JURÍDICO DO BANCO DO BRASIL. INDEFERIMENTO DO WRIT PELO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO PAULO. POSTERIOR DECISÃO PELA PREJUDICIALIDADE DO MANDAMUS, EM RAZÃO DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO. PERDA DE OBJETO NÃO EVIDENCIADA. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR E DE QUE OS DOCUMENTOS REFERIDOS NO MANDADO FOSSEM RELEVANTES PARA A APURAÇÃO DOS CRIMES SOB INVESTIGAÇÃO. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL. PARECER DO MPF PELA PREJUDICIALIDADE DO RECURSO. RECURSO PROVIDO, PORÉM, PARA RECONHECER A NULIDADE DA DECISÃO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO. 1. Não perde o objeto o mandamus em que se pretendia o reconhecimento da ilegalidade da ordem judicial de busca e apreensão de documentos no DEJUR do Banco do Brasil, exarada em Inquérito Policial, em razão do posterior pedido de arquivamento deste, pois o arquivamento diz respeito à ausência de elementos suficientes para a instauração da Ação Penal por estelionato e à impossibilidade de identificação daquele que teria falsificado a assinatura da avalista, apesar de todas as diligências e perícias realizadas. 2. Segundo a anterior redação do art. 7o., II da Lei 8.906/94, bem como do disposto no art. 243, § 2o. do CPP, a inviolabilidade do escritório de Advocacia é relativa, prevista a possibilidade de nele se ingressar para cumprimento de mandado de busca e apreensão determinado por Magistrado, desde que a referida apreensão verse sobre objeto capaz de constituir elemento do corpo de delito e que a decisão que a ordena esteja fundamentada. 3. Na hipótese dos autos, vê-se que as decisões proferidas no procedimento investigativo são pálidas de fundamentação; a primeira, que quebrou o sigilo bancário, não teceu qualquer consideração sobre a necessidade da medida; a segunda, que determinou a busca e apreensão, também não especificou a relevância dos documentos listados na representação da Autoridade Policial para a apuração dos ilícitos sob investigação, principalmente as correspondências internas do Departamento Jurídico referentes à auditoria feita nas operações de empréstimo com a DETASA e pareceres técnicos sobre a regularidade dos contratos com o BANCO DO BRASIL. 4. Preserva-se o sigilo profissional do Advogado em respeito ao papel essencial que desempenha para a administração da Justiça (art.5o., XIV, e 133 da CF) e a confiança depositada pelos clientes, vedando-se ao Juiz ou a Autoridade Policial determinar a apreensão ou apreender documentos acobertados por aquele sigilo, ou seja, todos os que possam, de qualquer forma, comprometer o cliente ou a sua defesa, seja na esfera cível seja na esfera penal, tudo em homenagem ao princípio que garante o exercício do amplo direito de defesa. 5. Recurso Ordinário provido, para reconhecer a nulidade da decisão que determinou a medida de busca e apreensão contra o DEJUR do Banco do Brasil em SP, nos autos do Inquérito Policial 1.743/97 do 3o. Distrito Policial/SP. 6. Recurso Ordinário de DETASA S/A, DENÍLSON TADEU SANTANA e CLEONICE FÁTIMA DENUNI SANTANA prejudicado. (RMS 27419/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 22/06/2009)

A hipótese de busca e apreensão em escritório de advocacia, portanto, está atrelada à crime cometido pelo advogado, e não a seus clientes.

Além disso, a legislação exige que a OAB acompanhe o ato, ou seja, a OAB deve, obrigatoriamente, estar presente na diligência, tendo ciência do suposto crime praticado pelo advogado.

Não bastasse, além dessa obrigação legal, sendo autorizada a busca no escritório, a legislação menciona, ainda, que é vedada qualquer forma de busca nos documentos de clientes do escritório, ou seja, a busca deve se dar exclusivamente nos documentos do suposto crime praticado pelo advogado. Isso reforça a idéia de que o escritório só deve ser alvo para buscas de documentos do próprio advogado supostamente criminoso, e não de seus clientes.

Se a autoridade responsável pela busca e apreensão, quiser averiguar documentos de clientes do advogado que não está sendo investigado juntamente com o advogado, está a cometer violação ao art. 7º, inciso II, da Lei 8.906/94, pois estará a investigar documentos do trabalho do advogado, o que é rechaçado pela legislação.

Em tais casos, eventual apreensão ou busca destes documentos, é nula de pleno direito (art. 564, inciso IV do CPP), podendo gerar a responsabilização da autoridade mandante e executante nos termos da Lei 4898/65 (arts. 3º, alínea “j”; art. 4º, alínea “a”).

No caso do advogado de Minas Gerais-MG, a única notícia que se tem, é a de que o mesmo é advogado do acusado de tentativa de homicídio (ou crime contra a segurança nacional) do, então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro.

Não se tem nenhuma imputação criminosa ao advogado. Pelo contrário, a imputação criminosa é do cliente do advogado. Daí, então, a preocupação da OAB com o tema, pois se as informações veiculadas pela mídia se confirmarem, estaremos diante de uma nulidade jamais vista antes: Invadiram o escritório de advocacia para procurar documentos do cliente do advogado, o que está em total dissonância com a Constituição (art. 5º, inciso XIV) e com a Legislação Federal (art. 7º, inciso II, da Lei 8.906/94).

As informações são, ainda, muito prematuras, mas o estudo vale a pena.

Como visto, é possível a busca e apreensão em escritório, desde que se comprove indícios de autoria e materialidade de crime por parte do advogado, e desde que se justifique/fundamente a medida.

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Brasília, DF. Disponível em Acesso em 24 de dezembro de 2018.

BRASIL. Ordem dos Advogados do Brasil. Cartilha de Prerrogativas. Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas (2015). Disponível em < http://www.prerrogativas.org.br/content/pdf/cartilha-prerrogativas.pdf>. Acesso em 03 de janeiro de 2019.

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