DIREITO AO ESQUECIMENTO EM CONFRONTO COM O DIREITO A INFORMAÇÃO SOCIAL
INTRODUÇÃO
O conjunto de transformações sociais, políticas, culturais e econômicas que define o fenômeno da Globalização, tem como uma de suas principais características o avanço tecnológico dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que beneficia a todos pelas facilidades proporcionadas e difusão da informação numa velocidade nunca antes vista, traz consigo novas complexidades a serem esmiuçadas pelos estudiosos das diversas áreas do conhecimento.
Em nossa sociedade ultraconectada as mídias tradicionais, como a televisão, atingem patamares nunca antes experimentados e para o direito em particular, não são poucas as implicações provocadas por esta evolução.
A Constituição Federal garante o direito à liberdade, a informação e a comunicação, como também, assegura a todos os direitos da personalidade, abrangidos pela dignidade da pessoa humana, como a privacidade, a honra e a imagem. Consequentemente, surge um novo direito denominado de direito ao esquecimento, sustentado pela premissa que o ser humano não poderá ad eternum sujeitar-se as lembranças desprazerosas que de fato ocorreram no passado.
OBJETIVO
Analisar e compreender a respeito dos direitos da personalidade, com enfoque no direito à privacidade, a imagem e a honra, direitos estes que conflitam com o direito de liberdade de informação, ambos assegurados na Constituição Federal. Além de interpretar o direito ao esquecimento, avivado no enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, mostrando o posicionamento jurisprudencial atual no Brasil.
METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica em doutrinas, artigos científicos, sites e julgados dos Tribunais Brasileiros.
DESENVOLVIMENTO
Dentre os direitos e garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 encontra-se a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Garantindo, portanto, o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação, conforme inciso X deste artigo.
O código civil trata como direitos da personalidade os artigos 11 ao 21. Logo, devemos abordar o assunto com uma perspectiva civil-constitucional como explica Tartuce (2015, p. 104):
Destaque-se que a proteção de direitos dessa natureza não é uma total novidade no sistema jurídico nacional, eis que a Constituição Federal de 1988 enumerou os direitos fundamentais postos à disposição da pessoa humana. Por isso, é preciso abordar a matéria em uma perspectiva civil-constitucional.
Estes direitos são indispensáveis quando se trata da dignidade da pessoa humana, sendo chamados de direito da personalidade. Logo, “Os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriveis” (DINIZ, 2009, p.135).
A constituição federal de 1988 garante em seu artigo 5º, inciso IX que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Também assegura no inciso IV do mesmo artigo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo violado o anonimato”.
Deste modo, impõe o anonimato como uma única limitação ao tema, uma proibição. Em seguida, no inciso V encontramos, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem”.
Percebe-se que começa a surgir um confronto entre os princípios constitucionais liberdade de expressão e direito à privacidade. Pois, se houver a violação da intimidade e privacidade da pessoa, seja em sua imagem ou em sua honra, estaríamos diante de uma proibição ou até mesmo de uma censura que fora abolida em 03 de agosto de 1988 na referida Carta Magna.
A Constituição Federal trata da comunicação social no capítulo V, em específico no artigo 220:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Os seres humanos vivem e convivem necessitando da comunicação social. Aristóteles em sua obra “A Política” dizia que o homem é um animal gregário, um verdadeiro zoon politikon, além de que “é evidente que o homem é um animal mais político do que as abelhas ou qualquer outro gregário. A natureza, como se afirma frequentemente, não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra” (ARISTÓTELES, p. 146, 2000).
Visto que ambos os direitos elencados acima são de suma importância para o ser humano, cria-se uma colisão de direitos fundamentais e com isto novos direitos surgem, como o direito ao esquecimento. Mendes (1994, p.2) defende que “é fecunda a jurisprudência da Corte Constitucional alemã sobre o assunto, especialmente no que se refere ao conflito entre a liberdade de imprensa ou a liberdade artística e os direitos da personalidade”.
Como descreve Siqueira (2009, p. 73), é o caso de um julgado ocorrido na Alemanha em 1969, conhecido como “Caso Lebach”:
[…] o “caso Lebach”, em que a emissora televisiva ZDF pretendia exibir documentário sobre o assassinato de soldados em Lebach na mesma época em que um dos cúmplices do crime, nominalmente citado e apresentado por fotografias no programa, seria libertado da prisão. Depois de ter negado seu pedido, tanto pelo Tribunal Estadual quanto pelo Tribunal Superior Estadual, ele resolveu ajuizar, então, uma reclamação constitucional, tendo o Tribunal Constitucional Federal alemão entendido que como o indivíduo já havia sido condenado e não havia mais interesse atual nas informações do programa, para que não ficasse prejudicada a sua ressocialização, o documentário não poderia ser transmitido.
O tribunal alemão entendeu que ambos os direitos em conflitos não se consubstanciam como absolutos, buscando uma harmonização nesse conflito.
Escólio feito por Martins (2005, p. 491): “A solução do conflito deve partir do pressuposto que, segundo a vontade da constituição, ambos os valores constitucionais configuram elementos essenciais da ordem democrática da Grundgesetz de forma que nenhum deles deve pretender a prevalência absoluta”.
No Brasil, o mencionado direito ao esquecimento foi destacado em dois casos com repercussão no STJ. O primeiro foi o acórdão proferido em razão do REsp 1.334.097, conhecido como “Chacina da Candelária”.
Esta ocorreu em 23 de julho de 1993, quando várias crianças e adolescentes desabrigados dormiam nas proximidades da Igreja da Candelária, no centro da cidade do Rio de Janeiro e foram atacados por policiais à paisana. Seis menores e dois adultos vieram a óbito e vários outros ficaram feridos.
Um dos acusados de coautoria/participação foi levado a júri e teve sua absolvição por negativa de autoria. Após aproximadamente 16 anos do massacre, a emissora de televisão Rede Globo, exibiu em um dos seus programas “Linha Direta – Justiça”, um documentário retratando novamente o episódio e mencionando o nome deste suposto acusado, assim como, mostrando fotos reais do mesmo. Devido a isso, o indivíduo encontrou problemas e dificuldades para arrumar empregos, além de precisar fugir às pressas do lugar onde morava por medo de justiceiros que o ameaçavam.
O caso foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau. Chegou ao STJ após recurso especial pela Rede Globo de Televisão, onde passou à relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, que decidiu pela proteção da personalidade do autor.
O segundo caso, acórdão proferido em razão do REsp 1.335.153, debate sobre o crime conhecido como “Aida Curi”, ocorrido em 1958 quando a jovem fora estuprada e morta por um grupo de homens. Em seguida lançada do prédio, como tentativa de confundir as autoridades judiciárias, como se a mesma tivesse cometido suicídio.
Passados 50 anos após o fato, precisamente em 2008, o programa “Linha Direta – Justiça”, promoveu uma matéria televisiva retratando o acontecimento por meio de uma simulação e por fotos reais da jovem Aida Curi. Devido a este fato, os irmãos da vítima ingressaram com um pedido de indenização por danos morais, alegando que antigas feridas foram trazidas ao presente.
Entretanto, o STJ não concordou com tal pedido, fundamentando que já se passara meio século do ocorrido e que tal desconforto não teria potencial para indenização, além de que, o direito ao esquecimento no caso em especifico era inviável, visto que o crime já havia caído em domínio público. Não seria possível retratar o crime sem a associação do nome da vítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desta realidade, onde até mesmo os estudiosos se veem sem saber o que fazer e em se tratando de conflito entre direitos fundamentais elencados acima, torna-se de fácil compreensão que as instituições, incluindo o poder judiciário, ainda tentem criar novas ferramentas que possam representar os anseios dos meios de comunicação sem retroagir à época da censura, e com isso, não infringir a frágil individualidade humana.
As polemicas envolvendo um conflito entre a liberdade de comunicação social e os direitos a intimidade, a vida privada, à honra e à imagem estão na base da criação do direito ao esquecimento. Portanto, o desafio agora é buscar com dedicação, o amadurecimento prático e teórico desse novo direito.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. “A Política”. In Os Pensadores. SP: Nova Cultural; 2000.
BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung E.V. 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de direitos fundamentais: liberdade de expressão e de comunicação e direito à honra e à imagem. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, p. 297-301, abr./jun. 1994.
SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Direitos Fundamentais e suporte fático: notas a Virgilio Afonso da Silva. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 6, p. 67-80, jun./dez. 2009.
TARTUCE, Flavio. Manual do direito civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2011.