Skip links

Os efeitos do Decreto 9.785/19 na prática da advocacia criminal

O Decreto nº 9.785, de 07 de maio de 2019, veio para regulamentar a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, versando sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição, além de abordar assuntos relativos ao Sistema Nacional de Armas e ao Sistema Nacional de Gerenciamento Militar de Armas.

Desta forma, percebe-se que o Decreto em questão tem caráter regulamentar, e fundamenta-se no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, que dispõe como competência do Presidente da República a expedição de decretos e regulamentos que busquem explicar, detalhar e estabelecer condições específicas e concretas para que uma lei preexistente, seja corretamente executada.

Neste sentido, ao alterar o Estatuto do Desarmamento, observa-se que, além de flexibilizar o porte de armas, o Decreto em questão modificou o índice de armas de uso restrito, permitindo que calibres que antes eram de uso privativo das forças armadas, agora sejam utilizados por civis.

Assim, a título de exemplo, com a alteração trazida pelo o art. 2º, inciso I, do Decreto Federal nº 9.785/19, armas de fogo do tipo calibre 9mm, .40sw, .45acp e 357 magnum, deixam de ser de uso restritivo, e passam a ser de uso permitido, podendo delas ter a posse ou o porte qualquer cidadão que cumpra, cumulativamente, os requisitos exigidos em lei.

Para a análise desta questão, faz-se necessário levar em consideração os artigos 12, 14 e 16 do Estatuto do desarmamento, que buscam punir criminalmente aqueles que tem a posse ou porte ilegal de armas de fogo.

Conforme o Estatuto, em seu art. 12, aquele que tem a posse irregular de arma de fogo de uso permitido, pode vir a ser condenado a uma pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Já em seu art. 14, aquele que tem o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, pode vir a ser condenado a uma pena de reclusão que pode variar de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. E por fim, em seu art. 16, aquele que tem a posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito pode incorrer a uma pena de reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Desta forma, percebe-se que, para a aplicação das normas penais incriminadoras acima indicadas, faz-se necessário uma definição clara acerca de quais armas são de uso restrito ou permitido, uma vez que tal fato muda por completo a tipificação da conduta.

Com isso, pode-se compreender que, com a expedição do Decreto 9.785/19 e o novo rol de armas de uso restrito, a interpretação dos artigos 12, 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento foi alterada, uma vez que aquele cidadão que outrora havia sido condenado pelo art. 16 (posse ilegal de arma de uso restrito), ora pode ter sua conduta subsumida ao art. 12 (posse ilegal de arma de uso permitido) do mesmo diploma legal, levando em consideração que a arma que este portava deixou de ser considerada de uso restrito.

Tal situação é possível pois, o Decreto, ao deixar de considerar algumas armas como de uso restrito, cria o que em Direito Penal se chama de novatio legis in mellius (uma lei mais benéfica para o réu).

Neste caso, a norma penal retroage e aplica-se aos processos em julgamento, aos crimes que ainda estão sendo investigados e até mesmo às sentenças condenatórias transitadas em julgado.

Logo, todos os sujeitos que responderam, foram condenados ou respondem a uma ação penal em decorrência da posse ou do porte de armas de fogo de calibres que antes eram considerados de uso restrito (9mm, .40, .44, .44 Magnum, .45 e .357 Magnum), serão beneficiados pela modificação e terão suas condutas desclassificadas do art. 12, para o art. 16 da Lei 10.826/03.

Assim, somente resta para os advogados(as) criminalistas, de acordo com a fase processual, formalizar os pedidos necessários a fim de garantir a aplicação da modificação legislativa.

• Autor: Luís Gustavo Candido

Advogado, Especializando em Ciências Criminais pela Universidade Estadual de Maringá, Presidente da Comissão dos(as) Advogados(as) Criminalistas da OAB/PR – Subseção Ivaiporã e membro da ABRACRIM.

REFERÊNCIAS

Decreto 9.785/19. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9785.htm. Acesso em: 21 de maio de 2019.

Estatuto do Desarmamento. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm. Acesso em: 20 de maio de 2019.

GANEM, P. M. O Decreto 9.785/19 e as armas de fogo de uso restrito. Canal Ciências Criminais. 20 de maio de 2019. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/armas-de-fogo-de-uso-restrito/. Acesso em: 22 de maio de 2019.

Considerações sobre o Decreto nº 9.785 de 07 de maio de 2019. Disponível em: http://sigmuc.org.br/consideracoes-sobre-o-decreto-no-9-785-de-07-de-maio-de-2019/. Acesso em: 21 de maio de 2019.

CHIMIM, V. Afinal, qual é a função do Decreto Presidencial? Estadão. 15 de janeiro de 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/afinal-qual-e-a-funcao-de-um-decreto-presidencial/. Acesso em: 20 de maio de 2019.

Constituição da República Federal do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de maio de 2019.

X