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A importancia da ata no tribunal do júri

Gienah Jéssica Melo da Silva

Aline Farias da Costa

“Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa, com imparcialidade e a proferir vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”.

Artigo 472 do Código de Processo Penal Brasileiro.

RESUMO:

O presente artigo visa abordar os aspectos materiais e práticos de um instrumento formal exigido pelo legislador no código de processo penal: a denominada Ata de julgamento, que é redigida durante a sessão do tribunal do júri, devendo conter todos os detalhes da mencionada sessão.

No decorrer da analise apontamos os requisitos formalmente exigidos para a validade da Ata e a fundamental importância de sua publicidade, na forma de publicação oficial, como requisito prático de validade do controle social por parte da coletividade, trançando um paralelo com as dificuldades importas pela proliferação desenfreada de notificas e a necessidade de se recorrer a fonte originária e oficial de determinado julgamento, que é a própria Ata.

PALAVRA-CHAVE: Ata de julgamento. Tribunal do júri. Princípio da Publicidade.

ABSTRACT:

This article aims to address the material and practical aspects of a formal instrument required by the legislator in the code of criminal procedure: the so-called Minutes of Judgment, which is written during the session of the jury's court and must contain all the details of that session.

In the course of the analysis, we pointed out the requirements formally required for the validity of the Minutes and the fundamental importance of their publicity, in the form of official publication, as a practical requirement of validity of social control by the collectivity, drawing a parallel with the difficulties of proliferation rampant of notifications and the need to resort to the original and official source of a certain judgment, which is the Act itself.

KEYWORDS: Judgment Registry. Jury Court. Principle of publicity.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Requisitos mínimos da Ata de Julgamento. 3. “O que não consta na Ata, não aconteceu no julgamento”. 4. A Ata de julgamento e o princípio da publicidade. 5. Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

No decorrer da persecução penal, em especial, no rito do Tribunal do Júri, há dois momentos em que as partes ficam frente a frente. Isso se dá em razão da colheita de provas testemunhais e do próprio depoimento do réu.

No primeiro momento, as partes se encontram em juízo na chamada audiência de instrução e julgamento, onde será formado o convencimento do juiz acerca da pronúncia, impronúncia ou absolvição sumária do acusado. Sendo o réu pronunciado é dado inicio as preparações que culminarão com a sessão do tribunal do júri popular, onde mais uma vez as partes serão ouvidas, dessa vez para formar o convencimento dos sete jurados que compõe o conselho de sentença, quanto a condenação ou absolvição do acusado.

O fato é que ambas situações mencionadas devem seguir uma serie de formalidades importas por Lei. Muito embora as audiências e sessão de julgamento no plenário do júri tenham seus depoimentos gravados em mídia audiovisual, ha ainda uma formalidade a temporal que deve ser observada, na audiência denomina-se Termo de audiência e na Sessão chamamos de Ata de julgamento.

A formal Ata traz consigo uma série de requisitos necessários que se ausentes culminam em vicio formal do processo, podendo trazer prejuízo as partes. Em tese, a Ata deve registrar absolutamente tudo que ocorre em plenário, desde o inicio até o final da sessão.

Diante disto, o presente artigo busca fazer uma análise ente o valor formal e o valor prático da Ata de julgamento e sua importância diante de valores básicos, abordando o contexto atual de uma sociedade midiática. Para tanto, abordamos os requisitos mínimos de sua composição e a necessidade de se dar publicidade para que atenda seus efeitos práticos.

2REQUISITOS MÍNIMOS DA ATA DE JULGAMENTO

As atas de modo geral, tanto de audiências de instrução e julgamento quanto do tribunal do júri, devem ser redigidas no final ao final da sessão e não no princípio. Pois haverá quem deseje registrar seus requerimentos “no ato” e não “na ata’.

Sabe-se que a ata é o resumo do que ocorreu, uma reconstituição ao passado, por isso só pode ser redigida no final devendo obedecer a cronologia do que acontece em plenário. Em verdade, para que não se perca nenhum detalhe da ata, o servidor responsável deve redigi-la em tempo real.

Deve haver a indicação do número do processo, com a indicação das partes envolvidas e seus respectivos advogados.

O pregão também é requisito, para evitar alegações de nulidade por umas das partes, que alega que não foi apregoada. Entende-se que, se uma das partes atendeu ao pregão, a outra parte ausente, deveria tê-lo ouvido também, e, se não o fez, é porque estava ausente.

Os incidentes preliminares, que regularizam à presença das partes, apresentação do instrumento do mandato e cata de preposto, ou pedido para juntada posterior desses documentos, com os prazos assinados, assim como a juntada de documentos que atestam a impossibilidade de comparecimento. Também será registrado para manter a harmonia, os requerimentos formulados pelas partes até aquele momento e que tiverem relação com essas questões iniciais.

Após se esgotar as questões relacionadas anteriormente, será registrado a tentativa de conciliação e o seu resultado, junto à homologação do juiz, em caso que houver transação, como ato final.

Em seguida- caso não obtida a conciliação – passa-se aos atos da audiência propriamente ditos: será registrado os depoimentos pessoais, a inquirição do perito e das testemunhas que foram arroladas (devendo ser indicado o número de testemunhas);

Depois desses registros, deve-se passar aos incidentes processuais durante a audiência, como exemplo os pedidos formulados pelos advogados que foram deferidos ou indeferidos. Assim como os incidentes que se referem à manutenção da ordem na audiência.

Se forem cabíveis alegações finais, deverá ser registrado o resumo do que cada litigante sustentou, ou, então declarar encerrada cada audiência e conceder prazo às partes para que ofereçam seus memoriais por escrito.

Por fim, encerra-se a ata, e deve-se colher a assinatura das partes. O artigo 495 do Código de Processo Penal, dispõe também de algumas particularidades da ata, em relação ao Tribunal do Júri, vejamos

Art. 495. A ata descreverá fielmente todas as ocorrências, mencionando obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

I – a data e a hora da instalação dos trabalhos; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

II – o magistrado que presidiu a sessão e os jurados presentes; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

III – os jurados que deixaram de comparecer, com escusa ou sem ela, e as sanções aplicadas; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

IV – o ofício ou requerimento de isenção ou dispensa; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

V – o sorteio dos jurados suplentes; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

VI – o adiamento da sessão, se houver ocorrido, com a indicação do motivo; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

VII – a abertura da sessão e a presença do Ministério Público, do querelante e do assistente, se houver, e a do defensor do acusado; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

VIII – o pregão e a sanção imposta, no caso de não comparecimento; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

IX – as testemunhas dispensadas de depor; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

X – o recolhimento das testemunhas a lugar de onde umas não pudessem ouvir o depoimento das outras; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XI – a verificação das cédulas pelo juiz presidente; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XII – a formação do Conselho de Sentença, com o registro dos nomes dos jurados sorteados e recusas; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XIII – o compromisso e o interrogatório, com simples referência ao termo; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XIV – os debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XV – os incidentes; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XVI – o julgamento da causa; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

XVII – a publicidade dos atos da instrução plenária, das diligências e da sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)(BRASIL, 1941)

3 “O QUE NÃO CONSTA NA ATA, NÃO ACONTECEU NO JULGAMENTO”

A ata do julgamento é uma cópia fiel do desenvolvimento da sessão, que deve conter todas as principais ocorrências e protestos feitos pelas partes.

Diante disso, segue nesse cenário o brocardo: “o que não está nos autos, não está no mundo”, adaptando-se “o que não consta na ata, não aconteceu no julgamento do júri”. Devido isso, é de extrema importância que se alguma parte for prejudicada, por algum ato durante o procedimento, que se faça constar em ata. Caso não faça, e não se tratando de falha geradora de nulidade absoluta, não mais poderá expor o problema e solicitar providência em grau de recursos.

Em relação a esse assunto, segue julgado sobre o entendimento da importância de registro dos acontecimentos da audiência na ata, em grau de recurso:

RECURSO DO RECLAMANTE – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – AUSÊNCIA DE REGISTRO DOS PROTESTOS NA ATA DE AUDIÊNCIA – PRECLUSÃO – Os poderes diretivos do processo conferem ao magistrado a possibilidade de indeferir as provas que entenda desnecessárias, cabendo à parte que se sentir prejudicada demonstrar o seu inconformismo mediante o registro de seus protestos na ata de audiência, sob pena de operar-se os efeitos da preclusão.

(TRT-20 00019656820165200002, Relator: RITA DE CASSIA PINHEIRO DE OLIVEIRA, Data de Publicação: 09/11/2017) (BRASIL, 2017)

Diante do exposto, torna-se evidente importância da Ata de julgamento e a necessidade de conter o registro de todos os atos para a garantia e segurança do direito das partes, pois se algo não consta registrado não a prova da existência do fato, é a materialização da própria verdade judicial expressa pela doutrina atualmente, de forma que sua violação prejudicaria a própria verdade real com a qual o processo penal compromete-se, nesse sentido ensina Tourinho filho:

Na verdade, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, que realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.200).

Desta forma, o registro adequado de tudo que ocorre no julgamento corrobora para uma maior primazia da justiça, uma vez que os fatos são todos registrados e a ausência dos registros não podem de forma alguma pressupor sua existência. Sendo assim, observa-se a importância do registro da Ata e ainda surge a necessidade de lhe dar publicidade, como forma de alcançar eficiência.

4 A ATA DE JULGAMENTO E O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Como princípio basilar do Direito Processual Penal, a Publicidade é expressa no texto constitucional em seu artigo 93, inciso IX

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

No mesmo sentido, o artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal de 1988 reitera que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, logo, não havendo qualquer dessas hipóteses todos os atos do processo são públicos.

Neste viés, há de se compreender como atos processuais todos aqueles que impulsionam o processo até a decisão final, o que inclui, portanto, a Ata do Tribunal do Júri. É valido ressaltar, que todo procedimento do Júri é público, exceto no que se refere ao momento da decisão do conselho de sentença, ocasião em que o legislador presa pelo sigilo da votação, de modo que só é divulgado o resultado final por maioria de votos, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, “b”, da CF/88.

Nesse momento, pede-se vênia para demonstrar que a publicidade possui dois aspectos, quais sejam:

  • A publicidade especial, que se restringe a audiência nos atos processuais e informações sobre o processo as partes e seus procuradores.
  • E a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo.

Visto isso, podemos definir que ao falar sobre a publicidade da Ata de julgamento estamos nos referindo ao princípio da publicidade no seu aspecto pleno, ou seja, publicidade amplamente divulgada a todo e qualquer do povo que obtiver interesse, e o que mais representa o interesse da coletividade se não o próprio júri popular?

Posto isso, sabendo que o Júri popular é a literalidade da decisão do povo, e sabendo que a Ata formaliza cada detalhe que veio a ocorrer no desenvolvimento de cada julgamento em plenário, torna-se evidente a necessidade da publicidade bem como da própria publicação da Ata no júri, ao menos em veículos oficiais do Tribunal de Justiça que permitem livre acesso a qualquer do povo.

Uma vez atribuída a publicidade a Ata de julgamento qualquer do povo passa a ser fiscal do próprio judiciário, de modo que é dada a coletividade a oportunidade de exercer o controle social. Nesse sentido, o procurador Vladimir Aras ensina que

A publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos civis e penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar formas opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o Judiciário e o Ministério Público. (ARAS, Vladimir. 2019)

Sendo o princípio da publicidade um instrumento de controle da coletividade sobre a decisão de seus serventuários e concluída a fase do Júri em plenário, dando-se publicidade a Ata, é possível vislumbrar a eficácia plena da decisão popular, cumprindo os preceitos que a carta magna previu ao estabelecer o júri como representante da vontade soberana do povo.

Ademais, é possível vislumbrar que a Ata é um instrumento formal e oficial, o mais distante possível da incidência midiática de meios de comunicações que muitas vezes proliferam notícias distorcidas. Trata-se da fonte originária e que portanto deve estar disponível para qualquer do povo que se interesse pelo julgamento.

5CONSIDERAÇÕES FINAIS

O legislador conferiu a Ata aspectos formais que são essências a garantia da ordem no julgamento. Além disso, há aspectos práticos deste instrumento que vão além das formalidades. Uma vez que a Ata materializa tudo que aconteceu no decorrer da Sessão de Julgamento em plenário pode ser tomada como base e como fundamentos essenciais para a garantia de direitos das partes, pois a ata registra absolutamente tudo de mais importante que ocorre em plenário e a ausência de qualquer pressuposto pode acarretar na nulidade daquela sessão de tribunal do júri.

Ademais, devemos nos atentar para o contexto atual e suas consequências práticas. Sabe-se que a decisão do conselho de sentença é soberana e manifesta a vontade da coletividade, sabe-se ainda, que as sessões de julgamento são abertas ao público. Porém, o alcance da informação vai muito além, através da mídia e de diversos meios de comunicações, as notícias se proliferam em alta velocidade, mas nem sempre chegam integras ao destinatário final, sendo distorcidas durante o percurso.

Por essa razão, nos dias atuais, é de fundamental importância que as informações sejam conferidas na fonte originária e oficial, para tanto está a disposição de todos os interessados a Ata do Tribunal do Júri no diário oficial do respectivo Tribunal. Ata é de acesso livre a qualquer do povo, por consequente, qualquer do povo pode perceber uma irregularidade e manifestar-se quanto a isso, exercendo assim o controle social e fazendo jus a soberania popular. Tendo em vista que a Ata formaliza tudo que aconteceu durante o julgamento e, que, portanto, o que não está na ata não pode ser presumido.

REFERÊNCIAS

ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: jus.com.br/artigos/2416. Acesso em: 2 jul. 2019.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto de Lei nº 3.931, de 11 de dezembro de 1941. In: Vade Mecum Penal. 11ª ed. Salvador: JusPodvim, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal. In: Vade Mecum Compacto. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso nº 0001965-68.2016.5.20.0002. José Carlos Cordeiro. Empresa Municipal de Serviços Urbanos. Relatora: Rita de Cássia Pinheiro da Silva. Aracajú, SE de 2017. Diário Oficial da União Tribunal Regional do Trabalho. Ausência de Registro dos protestos na Ata.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto de Lei nº 495, de 01 de Outubro de 1941, Disponível em: Jusbrasil.com.br. Acesso em: 03 de Jul. 2019.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2000, p.41, v. 1.

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