Estamos vivendo momentos preocupantes no mundo com a pandemia da Covid-19. O comumente conhecido como novo coronavírus tem deixado um rastro de sofrimento e mortes, atingindo a todos sem distinção de qualquer natureza, seja rico, pobre, autoridades, pouco importando a classe social. É uma doença que não tem passaporte e nem fronteiras – como disse Emmanuel Macron, o presidente da França – e nem se sabe ainda como combatê-la.
O foco começou em Wuhan, na China. De repente, um surto se transformou em epidemia e, depois, na maior pandemia já vista no planeta, atingindo de forma avassaladora povos de diversas nacionalidades. A economia mundial nunca enfrentou uma situação semelhante, sem condições de se medir a extensão de destruição que deixará em cada país ou continente onde a doença chegou.
Poderia enfocar, nesse texto, o que está acontecendo em diversos lugares do mundo, inclusive em nosso país, tão carente de uma assistência médica que possa acudir os seus cidadãos em um momento como esse. O que assistimos é uma tragédia televisionada, que dá informes de quantos já morreram e nos diz que, até abril, ficará pior, estarrecedora.
Em todo o planeta, cada país, com seus recursos e capacidade de reação, tenta salvar o maior número de vítimas que tombam todos os dias. Pedem para que não saiamos de casa, para evitar que a contaminação se propague com maior velocidade, pois teríamos aí um colapso no sistema de saúde de qualquer país. Imaginemos o nosso, tão carente de tudo e que vem se arrastando há décadas, por conta de políticas pífias, de governantes e legisladores que nunca se preocuparam, de verdade, com a saúde do povo brasileiro.
Apesar da reclusão que estamos vivendo nesse momento tormentoso, buscando não nos contaminar e não contaminarmos o próximo, faço uma reflexão quanto aos menos favorecidos: os milhões que vivem na informalidade, os que ocupam vagas ocasionais, os que serão despedidos e os que simplesmente perderam tudo, por conta dessa parada obrigatória de tudo. São cidadãos que ficarão numa situação preocupante, pois o fantasma parceiro do desemprego é a fome, tragédia e porta de entrada para qualquer doença.
Entendo que as medidas adotadas para esse estado de coisas são necessárias e urgentes, mas, creiam, haverá um colapso não somente no sistema de saúde, mas também em vários setores cruciais da nossa sociedade. Setores que mantém o Estado funcionando para retribuir, ainda que deficitariamente, ao cidadão que produz, que paga impostos, e a todos os que vivem sob sua tutela, pois assegurar a saúde e a vida são suas atribuições impostergáveis.
Mas o Estado tem responsabilidade com todos, não somente com os cidadãos que formam a chamada sociedade, mas também com os que estão enclausurados, por força de decisão judicial. Sejam presos provisórios ou definitivos, o Estado tem o dever de zelar pela incolumidade física (saúde) e psíquica dessas pessoas. Direitos assegurados pela Constituição Federal e pela Lei de Execuções Penais.
Sabemos que, no Brasil, o Estado não cumpre a sua função social e nem legal para com os seus reclusos, transformando as prisões em instrumentos de contenção do indivíduo, sem a mínima chance de ressocialização, que é o princípio maior da pena.
Como advogado criminalista, conheço as prisões e sobre elas muito já comentei em artigos e entrevistas, quando tive a oportunidade de fazer críticas construtivas para contribuir com um sistema prisional mais humanizado, pois a ausência de uma política real de ressocialização continua transformando homens em feras, num círculo vicioso de crime e castigo, cultivado por incautos que acham que com eles nunca irá acontecer nada.
Discutia com colegas da área o que aconteceria nas prisões, quando o novo coronavírus ali chegasse, se hoje os reclusos doentes recebem um atendimento precário, demorado e muitas vezes ineficiente, o que acaba contribuindo para que as doenças se agravem e até venham levá-los a sucumbir nas nossas ainda cultivadas masmorras medievais.
Repetindo o que disse o nosso ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a situação dessa praga que assola a nossa nação poderá chegar a índices tão altos de contaminação, que não adiantará a nenhum de nós ter planos de saúde, dinheiro e nem decisões judiciais, que não haverá lugar para atender os necessitados.
A pergunta é: e o que acontecerá com os presos do nosso falido sistema prisional, aqueles que não tem plano de saúde, nem dinheiro, e que as decisões judiciais possivelmente não chegarão a tempo? Quem resolverá o futuro deles: o Estado ou o vírus?
Alex Neder é advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processual Penal, Ciências Penais, Direito Público, e presidente da Abracrim-Go – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Regional Goiás