O DIREITO À DEFESA
Por Marcelo Bareato
Já não é de hoje que os advogados criminalistas reclamam não existir mais o devido processo legal. No mesmo contexto, se queixam de não existir uma forma de defesa que possa fazer frente aos “desmandos” do judiciário que há muito abandonou a obrigação de um juiz imparcial.
Por outro lado, mas no mesmo sentido, o chamado “cidadão de bem”, fica escandalizado quando vê um acusado “midiático” (aquele que a mídia fez questão de divulgar), se reservar ao direito de permanecer calado até o final do processo, e esse mesmo cidadão começa os ataques gratuitos a Constituição Federal, dizendo que “já passou da hora de mudar essa Constituição Comunista”, advogado criminalista é “tão bandido quanto o cliente que defende” e, assim fica estabelecido o caos e os dilemas sociais.
Sim! Dilemas porque não existe uma cultura jurídica para que o cidadão conheça seus direitos e possa pleiteá-los, exigindo do judiciário uma prestação à altura do que prescreve a lei, e, por lei, entendamos dentre todas as outras, a lei maior, a Constituição Federal.
Nesse contexto, vale a pena trazer algumas normas e princípios para que seja mais fácil entender o que propomos. Diz nossa Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LVII:
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Não menos importante, diz o artigo 400 do Código de Processo Penal:
Na audiência de instrução e julgamento … proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no artigo 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Da mesma forma, o próprio Código de Processo Penal é claro em determinar, em seu artigo 156, que:
A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Pela ordem: 1) princípio da presunção de inocência, 2) direito à autodefesa e 3) a determinação de que o ônus da prova incumbe a quem acusa.
Desse ângulo, que é a determinação legal, a defesa técnica (feita pelo advogado), começa o seu trabalho a partir da constituição por seu cliente, levantando o que a investigação colheu como indícios, o que a promotoria imagina que tem como provas para depois de encerrar a última oitiva de testemunha arrolada pela “acusação”, começar a realizar o que se conhece por ampla defesa, ou seja, depois de conhecer as provas contra o acusado (veja o artigo 400 do CPP).
Por sua vez, a autodefesa, que é aquela feita pelo próprio acusado, quando de seu interrogatório judicial, precisa conhecer e entender as provas da acusação antes de qualquer manifestação, já que a sua natureza jurídica é, atualmente, no processo penal, meio de prova e de defesa, ou seja, congrega direito constitucional (presunção de inocência) e direito processual (de ser o último a se manifestar na fase de instrução).
Decorre desse contexto que o advogado que não conhece das provas contra o seu cliente não poderá patrocinar nenhuma defesa, já que desprovido de argumentos para “contradizer” o que a acusação trouxe aos autos. Também, osuspeito do crime que não entendeu do que está sendo acusado, não tem como contribuir com a defesa técnica e fazer valer o que a Constituição Federal e as leis correlatas lhe garantem, mostrando a contento, a sua versão sobre os fatos e forçando o juiz a enxergar o processo pelo ângulo que ele imagina.
Sim, essa é a dinâmica processual, fazer com que o julgador veja com os olhos da defesa o que pode ter ocorrido para depois, contrastando com o que a promotoria trouxe, em primeiro plano e estabelecer, dentro dos critérios legais, o que pode, de fato, ter ocorrido e os limites que a lei fornece para a decisão do caso.
É, pois, importante lembrar que uma vez ciente de sua obrigação e de seus direitos, advogado e cliente, realizam o papel reservado para o que conhecemos por Justiça, passando a mensagem, tanto ao promotor quanto ao juiz, que possuem a cultura jurídica necessária para fazer valer seus direitos.
Por essa razão, não podemos esquecer que boa parte da dicotomia instalada nos dias atuais, sobre “fazer valer as prerrogativas” da advocacia, está relacionada ao desconhecimento dos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal, bem como pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e por meio de sua correta maneira de pleiteá-los, que sucumbe ao exercício de massa e automatização que alguns causídicos fazem, abandonando o bom e velho relacionamento advogado/cliente e o estudo pormenorizado de cada demanda, antes da aventura jurídica que são as audiência nos dias hodiernos.
Destarte, e aqui que fique bem claro ser o presente artigo uma exposição de ideias devidamente amparada na estruturação legal que temos as mãos nos dias atuais, aqueles que conhecem o lugar que ocupam no cenário jurídico, seja juiz, promotor, delegado ou advogado, não precisam errar para prevalecer, mas o fazem pelo conhecimento e pela aplicação que se utilizam dele.
Finalmente,e alinhavando as ideias que aqui foram lançadas; a visão de uma Constituição “Comunista”; o acusado tem que se pronunciar desde o início do processo e; o Advogado que defende bandido é tão bandido quanto, somados ao suposto desrespeito que a advocacia criminal experimenta, talvez comecem a encontrar a famosa “luz no fim do túnel” quando a sociedade compreender quea grande diferença entre viver de dilemas (brigas e decisões baseadas na moral de cada um), que conduzem ao grande motivo das famigeradas jurisprudências, nascidas da moral de cada julgador e projetadas através de recursos ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, em teses que, embora disfarçadas, nada mais exigem do que a uniformização da jurisprudência dos tribunais (dilemas), está na correta aplicação da lei (a interpretação de princípios legais e suas respectivas extensões), afim de que haja uma mínima segurança jurídica aos que necessitam do judiciário para se defender, passando necessariamente pela obrigação de conhecer seus direitos, para selecionar um profissional capacitado, que por sua vez se dê ao respeito e obrigue à posturas diferenciadas e respeitosas no âmbito jurídico.
É,pois, de suma importância compreender que a Constituição Federal deixará de ser “comunista” e de violar direitos, na medida em que entendamos que o que viola direitos, em verdade, é a sua não aplicação por desconhecimento e comodismo e o final de toda essa trajetória estána DEFESA ter sido exitosa ou não.