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AUMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL: PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS E PENAIS

AUMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL: PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS E PENAIS


Alessandra Almeida Barros[1]

Larisse Leite Albuquerque

Muito se tem falado sobre os impactos da pandemia em todos os âmbitos possíveis, um dos temas destaques é justamente o aumento da violência contra a mulher durante o isolamento social. É imprescindível analisar o contexto histórico de tal situação para entender os motivos que levaram a tal aumento, desde o tratamento da mulher nas legislações mais antigas até as perspectivas penais.

Para entender como os direitos de igualdade entre homens e mulheres foram se aperfeiçoando, importa trazer a trajetória do âmbito internacional. A legislação internacional começou a se preocupar com a questão dos direitos humanos após segunda guerra mundial, o sistema de proteção então passou a incorporar em seus Tratados e convenções internacionais os interesses dos cidadãos. É importante ressaltar de pronto a diferença entre os direitos humanos e fundamentais, os direitos humanos estão em um plano internacional, são dotados de princípios universais, que protegem todo uma coletividade; no momento em que esses direitos adentram a Constituição de um país, passam a ser direitos fundamentais, e esses direitos visam resguardar a dignidade da pessoa humana, base de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

A doutrina então começa a tratar o conceito de direitos humanos fundamentais,[3] vez que ao mesmo tempo em que estão em um plano nacional, estão também protegidos no âmbito internacional. Esses direitos humanos fundamentais visam precipuamente limitar o poder do Estado a fim de garantir o pleno desenvolvimento da dignidade humana. Entendida tal questão, a isonomia, a igualdade entre homens e mulheres é considerado um direito humano fundamental.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[4] foi de extrema importância para outros documentos que viriam depois e em seu artigo 7º resguarda que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.” Tal legislação inspirou a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada em 1979, a qual foi amplamente ratificada por vários países, e entrou em vigor somente em 1984. Seu texto é muito rico sobre os argumentos usados para criá-la, e em seu artigo 1º traz o significado de discriminação contra a mulher:

“Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

Pode citar-se também a Convenção interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher[6] denominada Convenção de Belém do Pará, de 1996. Em seus artigos 3º e 4º dispõem que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos.

À medida em que se incorpora esses Atos Internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, passa a se tornar norma de cumprimento obrigatório, gerando para os cidadãos o direito de recorrer às instâncias internacionais de direitos humanos contra o Estado brasileiro, como foi o caso de Maria da Penha.

Entrando num âmbito nacional, com a constituição de 1988 inaugurando um Estado Democrático de Direito, consagrou-se muitos direitos fundamentais, entre eles a igualdade entre homens e mulheres, capitulado no art. 5º, I,[7] assim deu-se uma maior importância ao direito fundamental da mulher, ela reflete as mudanças até então pleiteadas. E em 2006 surgiu a Lei 11.340/2006 – conhecida como lei Maria da Penha, a qual sobreveio como resultado de um arcabouço teórico de 30 anos de estudo, e buscou dar um novo paradigma de atenção às mulheres.

A mulher em muitos países ainda é vítima de uma sociedade patriarcal, que remonta a um contexto histórico muito antigo, seu papel sempre foi acessório e submisso, de servir ao homem. Ao analisar tal contexto, nota-se que a mulher era vista como pessoa que tinha uma baixa capacidade intelectual em comparação ao homem; percebe-se que se trata de uma construção social do papel da mulher. Para que se possa compreender melhor, o patriarcalismo que ainda vigora até hoje, é uma construção em que o domínio social, a estrutura do poder social tem no homem a sua figura central e essa repercussão se dá tanto na instância pública como na privada.

Exemplo desse patriarcalismo que também é institucional, pois o Estado também o acata e defende, é o Código criminal de 1830[8] o qual dispunha que o adultério cometido pela mulher casada seria crime em qualquer circunstância. No entanto, para o homem casado, apenas constituiria crime se o relacionamento adulterino fosse estável e público, ou seja, a maior reprovabilidade sempre recaía sobre a conduta da mulher. Antes mesmo desse código, era autorizado aos maridos matar suas esposas em caso de adultério cometido por elas.

Tal situação remete a era colonial, em que o Brasil era regido pelas ordenações Filipinas e dispunha de tal homicídio autorizado, ainda era resguardado ao marido o direito de matar se houvesse apenas suspeita de traição[9]. Mesmo durante a república, em que pese todos os direitos de isonomia garantidos em uma sociedade inaugurada pelo neoconstitucionalismo, as leis continuaram reproduzindo a crença de que o homem é superior a mulher.

Exemplo emblemático de tal situação é o antigo código civil de 1916, em que as mulheres casadas eram consideradas incapazes, in verbis: “Art. 6: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.”[10] Ou seja, para determinados atos, a mulher precisava de autorização do seu cônjuge, é o caso por exemplo de trabalhar fora de casa. Mesmo tendo sido revogado tal artigo, percebe-se que ainda existe no inconsciente coletivo da sociedade.

Outro exemplo histórico de legislação mais remota era a Lei imperial de 15 de outubro de 1827 que falava sobre a educação e em seu art. 12 dispunha que:

“As mestras, além do declarado no art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção [sic] da arithmetica [sic] só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem á [sic] economia doméstica [sic]; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas [sic] mulheres, que sendo brasileiras [sic] e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na fórma [sic] do art. 7º.”

Partindo para uma perspectiva de direito ao voto, a mulher só obteve o direito de votar em 1932, porém só era permitido às mulheres casadas (com autorização do esposo), viúvas e solteiras com renda própria que pudessem votar. Percebe-se que tal situação repercute nos outros direitos, pois se as mulheres não tinham sequer direito ao voto, não eram consideradas cidadãs e consequentemente, desprovida de muitos direitos. Um exemplo mais atual é que até 2015 ainda não havia no Senado Federal banheiro feminino, que em 2006 começou a ser construído.

A Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova ordem política, em um estado de pós positivismo e refletiu as mudanças até então pleiteadas, apesar disso, na prática ainda não era dada total efetividade às denúncias recebidas contra mulher em situação de violência doméstica ou familiar, isso porque a construção histórico social do machismo também estava institucionalizada, os próprios servidores públicos ignoravam a situação e faziam as vítimas contar o fato várias vezes, em um processo de revitimização,que as deixada constrangidas e acabam desistindo de prosseguir.

Importante ressaltar que com a Lei dos Juizados especiais criminais – 9.099/95[12], que tem competência para julgar infrações penais de menor potencial ofensivo, a violência doméstica contra a mulher acabava sendo julgada por tal juizado em que a pena na maioria das vezes se convertia em multa ou prestação de serviços à comunidade. Ou seja, acabava vigendo a impunidade.

Antes de surgir a Lei 11.340/2006, Maria da Penha passou por inúmeras agressões durante quase vinte anos, seu cônjuge tentou por duas vezes matá-la e o direito brasileiro não dava uma resposta. Justamente por causa de tal impunidade, em 1998, Maria da Penha e duas Organizações Não Governamentais, CEJIL (organização reconhecida por se especializar em litígio internacional) e CLADEM (Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), entram com petição contra o Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, denunciando a tolerância do Estado brasileiro com a violência doméstica, com fundamento na Convenção de Belém do Pará, artigose outros documentos de direitos humanos no sistema de proteção da OEA.

Em contrapartida, o Estado brasileiro não ofereceu resposta à denúncia. A conclusão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos consta do Relatório 54/01, pelo qual entendeu que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e a proteção judicial em prejuízo de Maria da Penha Fernandes. Além disso, fez algumas recomendações no que se refere à tolerância pelo estado brasileiro da violência contra a mulher.

O Brasil então criou a Lei 11.340/2006[13], resultado de tais de reivindicações, fruto também de uma evolução histórica e em seu art. 41 instituiu que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Tal lei foi um marco na luta contra a violência contra a mulher, pois trouxe mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como dispôs sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Tais medidas de proteção são imprescindíveis para dar efetividade às denúncias, pois antes se tornava inviável a mulher ir representar na delegacia o seu companheiro, que a estava ameaçando de morte e voltar para casa; o corriqueiro era que desistisse da representação ou mesmo que a violência chegasse ao homicídio. O art. 2º da Lei também traz os preceitos de direitos fundamentais, o qual afirma que:

“Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”


Desse modo, importante vislumbrar o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, entendida como aquela ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. O gênero não pode ser confundido com sexo, aquele é fruto de uma construção social-cultural, em que se impõe por meio do inconsciente coletivo características que se acredita fazer parte de determinado sexo, como uma pessoa do sexo feminino deve se portar, por exemplo.

O artigo 7º da Lei 11340.2006[14] faz menção as várias formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, vejamos:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018);


III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;


IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;


V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (PLANALTO, online, 2006).


Percebe-se que há cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras, como a própria lei determina. A violência física está diretamente relacionada com as agressões, com as lesões corporais, mais visíveis e perceptíveis, por deixar marcas aparentes, é a que mais aparece nas mídias. A violência psicológica é a mais comum, envolve manipulação, chantagens emocionais, controlar redes sociais controlar modo de vestir, controlar modo de falar, perseguir. A violência sexual que inclusive pode acontecer dentro da própria relação conjugal como o estupro matrimonial, por exemplo quando a mulher não quer e mesmo assim o seu cônjuge a força a ter uma conjunção carnal ou atos de libidinagem diversos da conjunção carnal.

A violência patrimonial, quando a mulher é provedora da casa e ele que controla o poder aquisitivo porque a palavra final é a dele, ele diz ou dita como gastar o dinheiro dela, ou quando ela acaba sendo negativada por conta dele, porque ele fez compras no nome dela. Por fim, a violência moral é tudo o que vai afetar a honra da mulher. Mudar a forma como ela mesma se enxerga, ela se achar diminuída, se achar feia, burra como também mudar a forma como os outros a enxergar, fazer com que os outros a enxerguem como alguém que tenha atitudes errôneas, que tenha atitudes contrárias a moral e aos bons costumes.

Logo no começo da pandemia no Brasil, saiu notícias nas mídias sociais no sentindo que houve uma diminuição da violência doméstica e familiar contra a mulher no momento de pandemia. Veja, uma coisa é diminuir a violência, outra coisa totalmente diferente é não haver meios, não haver instrumentos para que a mulher vítima da violência doméstica notifique que está sofrendo a violência doméstica. Se trata das subnotificações. Na criminologia denominada de cifras negras, que vão ser aqueles números de casos que de fato acontecem, mas que não chegam a ser notificados, não chegam a ser denunciados nas autoridades competentes. E por que isso acontece? Acontece porque a mulher também está cumprindo o isolamento social. Ela está sendo obrigada a ficar a em casa, junto com o seu agressor para diminuir a proliferação, para não descumprir uma medida sanitária imposta pela administração pública, o que acaba impossibilitando a mulher de sair de casa e buscar ajuda. Não tem mais o acesso a família, não tem mais o acesso aos amigos, ao trabalho, que muitas vezes para quem sofre, para quem é vítima da violência doméstica é uma válvula de escape[15].

Na pandemia tem-se todas essas formas de violência doméstica incrementadas. Não há como visualizar, por exemplo, que em um relacionamento onde há a violência física não irá haver abuso verbal, violência moral, xingamentos, diminuição da autoestima, que não irá haver uma violência psicológica. A pandemia veio para impactar ainda mais negativamente as mulheres. A própria Organização das Nações Unidas (ONU) já alertou ao mundo sobre os impactos negativos da pandemia na violência contra a mulher. Pois, as denúncias que dependem da presença física da mulher, os números caíram. Mas, por outro lado, as chamadas de emergências, ou seja, 180 – disque denúncia, 190 – polícia militar, as prisões em flagrantes por exemplo, que não depende da presença física da mulher, que pode ser feita por vizinhos, por terceiros, essas subiram em proporções alarmante[16].

As estatísticas[17] demonstram que é na violência física que as mulheres tem recorrido mais ao sistema de justiça (segundo pesquisas do fórum brasileiro de segurança pública, núcleo de gênero e centro de apoio criminal) esses órgãos, eles registram as diminuições dos boletins de ocorrências, mas uma aumento das chamadas emergenciais, já mencionados como (180, 190). O que é que isso demonstra? Isso demonstra que naquela situação de violência física extrema, grave, as mulheres chamam a polícia, mas em relação àquela violência de desgaste, de diminuição que causa danos emocionais, essa tem sido mais invisibilizada e menos reportada.

Isso é uma preocupação porque com a ordem de isolamento social o que ficou visível foi quem tem condições de se proteger, de ficar em casa, em segurança, e de quem não tem essa possibilidade e aqui entra as mulheres como parte de um grupo vulnerável, que não podem ver nas suas próprias casas o sinônimo de lar e proteção, mas sim um espaço de medo, de insegurança, de abuso e violência.

É preciso enxergar a realidade como de fato ela é para se poder fazer uma leitura correta desses números. É preciso oferecer a essa mulher que está confinada com o seu agressor, dentro da sua própria casa, outras formas de pedir ajuda, de pedir socorro. E aqui entra todo esse cenário das redes sociais que estamos vivendo, mulheres ajudando outras mulheres, buscando de fato serem a ajuda que elas precisam. Bem como, a campanha do sinal vermelho, de ajuda a mulheres vítimas da violência doméstica nesse período de pandemia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com Associação de Magistrado Brasileiros (AMB), que tem por finalidade ajudar essas mulheres vítimas da violência doméstica e familiar pedirem ajuda nas farmácias de todo o país. Tal campanha tem por objetivo oferecer um sinal silencioso, ao qual consiste em que a vítima faça um sinal vermelho nas mãos, seja com caneta, seja com batom, daí os atendentes das farmácias ou drogarias ligam e reportam a situação[18].

Quando se aborda violência e familiar contra a mulher é importante desconstruir alguns mitos: Primeiro que a mulher estar em relacionamento abusivo porque ela quer, porque ela gosta. Veja, o que acontece é que muitas vezes ela não dispõe de mecanismos financeiros, de mecanismos emocionais ou psicológicos que sejam capazes para sair desse relacionamento. Segundo, que o agressor é vinte e quarto horas por dia agressor. O comportamento do homem em um relacionamento abusivo oscila, nem sempre ele é só agressor. Há reproduções de ciclo de violências, diversas fases, há a fase de maior tensão, mas há também a fase de menor tensão, pedidos de desculpas e isso causa uma confusão na cabeça da mulher no sentido de acreditar que não foi tão grave assim, que ela pode dar uma segunda chance sim, que aquilo não vai se repetir, ou não vai chegar a uma violência extrema, como é o caso do feminicídio.

O feminicídio é a forma mais drástica de violência familiar contra a mulher. Cerca de sessenta por cento[19] dos casos de feminicídio ocorre dentro das casas das próprias mulheres. Introduzido pela Lei nº 13.104/2015, tipificado no artigo 121, parágrafo segundo, VI do Código penal, punindo a conduta do indivíduo que mata a mulher por razões de preconceito, menosprezo e discriminação contra o sexo feminino, por razões de condições do sexo feminino, por isso é uma qualificadora do delito de homicídio punido com uma pena de doze a trinta anos. Terceiro ponto de desconstrução que é que o feminicídio é um ato isolado, repentino, e isso não é verdade.

Estatisticamente o feminicídio ele acontece após uma escala de violência, ou seja, é quase que uma tragédia anunciada, dando sinais de que essa violência vai ser incrementada ao longo do tempo. Daí é importante olhar para a violência doméstica com a seriedade que ela requer, para tentar se interromper essa escala de violência, com medidas protetivas, por exemplo, ou outras formas de intervenções, para que a gente não chegue a esses números alarmantes.

Não é a pandemia que transforma um homem em agressor, não é o isolamento social ou a quarentena que transforma um homem em agressor, assim como também não é um problema financeiro, que transforma um homem em agressor. Aquela agressividade já está latente naquele relacionamento abusivo e explode, eclode com o acúmulo das tensões que acontece no isolamento, do convívio evidentemente, ou seja, a pandemia não causa a violência doméstica, não é geradora da violência doméstica. A pandemia veio para agravar um problema que já era muito grande.

Um fato curioso da pandemia é que a produção de artigo científicos dos homens subiu e a das mulheres diminuiu significativamente. Estamos abordando números e estatísticas, casos que são ou não reportados, mas engana-se quem pensa que a violência doméstica contra a mulher é uma questão de denúncia ou não da vítima. A violência doméstica contra a mulher é uma questão estrutural, é fruto de uma sociedade que implementa desde cedo uma cultura machista e patriarcal. As mulheres ainda continuam com a obrigação de cuidar da casa, por exemplo. E cabe a nós, sociedade, tentarmos desconstruir esses paradigmas, de parâmetros que a sociedade impõe a vítima como ela própria sendo a vilã da situação, para poder manter uma família intacta, para poder dar educação aos filhos, para servir a um parâmetro arcaico do machismo e do patriarcado[20].

As mulheres muitas das vezes se sentem oprimidas, envergonhadas, culpadas. Uma culpa inconsciente que pode ser colocada na cabeça da mulher pelo próprio agressor. O agressor não precisa de um culpado, o agressor não precisa de um motivo. Não carregue uma culpa que não é sua. É difícil quebrar o ciclo da violência, é, mas não é impossível. Através do esclarecimento, através do posicionamento feminino. Não é uma questão só da vítima, é uma questão social. A vítima precisa de um aparato social para conseguir sair deste ciclo, precisa de autoridades? Sim, mas antes de tudo precisa de pessoas que as ajude, que de compadeça, que dê força. É difícil ela quebrar aquele ciclo porque ela está envolvida emocionalmente, tem filhos, tem esperança de mudanças. Então uma rede firme, esclarecidas dará a mulher a força que ela precisa para sair daquele ciclo e tomar as medidas cabíveis.

Tratamos da expressão rede esclarecida porque muitas mulheres não têm acesso as informações concretas. A violência doméstica vai atingir todas as classes sociais. E aquela ideia cultural de que briga de marido e mulher ninguém mete a colher tem que cair por terra. Seja uma mulher que levanta outras mulheres, seja uma mulher que esclarece outras mulheres, sobretudo apoio, seja a força que ela precisa para sair daquele ciclo de violência. Ela não está sozinha. Você não está sozinha. Não carregue uma culpa que não é sua.


[1] Mestranda em Ciências Criminológico – Forense pela Universidad de la Empresa – UDE – Montevidéu (Uruguay). Possui Pós-Graduação em Direito Penal pela FESC-FAFIC. Pós-Graduanda em Docência do Ensino Superior pela FESC-FAFIC. Bacharela em Direito pela FESC-FAFIC. Professora de Graduação na UniAteneu Centro Universitário, ministrando as disciplinas de Legislação Penal Extravagante e Direito Penal Parte Especial. Professora de Graduação da Faculdade Princesa do Oeste ministrando as disciplinas Penal III – Parte Especial I, e Psicologia Jurídica. Professora de Pós-Graduação Lato Senso em Perícia Forense na UniAteneu, ministrando as disciplinas de Criminologia/Vitimologia; Criminalística e Psicopatia. Professora de Pós-Graduação Lato Senso em Direito e Processo Penal no Curso Sentido Único, ministrando as disciplinas de Criminologia/Vitimologia e Medicina Legal. Professora de Pós-Graduação Lato Senso em Direito Penal na Estácio, ministrando a disciplina de Ciências Criminais Integradas. Professora de preparatório para o exame da ordem no Bravo Cursos Preparatórios, ministrando a disciplina de Estatuto, Código de Ética e Regulamento Geral da OAB. Parecerista jurídico do Escritório Josué & Gurgel Advogados Associados. Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/CE. E-mail: profa.alessandra.almeida@gmail.com.

[2] Possui Pós-graduação em Gestão Tributária pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (PB). Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Futura. Pós-graduanda Direito Processual Civil pela Faculdade Farese. Bacharela em Direito pela FESC-FAFIC. Presidente do Conselho Municipal dos direitos do idoso de Ipaumirim/CE. Advogada com OAB CE 33869.Professora de curso preparatório para o exame de ordem na disciplina Estatuto da OAB no Bravo Cursos Preparatórios. Professora de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Direito Administrativo e Estatuto da OAB, comentando questões no site do QConcursos.com. Ministrante de cursos, minicursos e palestras. E-mail: larisseleitee@outlook.com.

[3] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Conceito – Objetivo – Diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_27021556_CONCEITO__OBJETIVO__DIFERENCA_ENTRE_DIREITOS_HUMANOS_E_DIREITOS_FUNDAMENTAIS.aspx. Acesso em: 12 jul 2020.

[4] NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universas dos direitos humanos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em 10 jul. 2020.

[5] BRASIL. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em: 10 jul. 2020.

[6] BRASIL. Decreto nº 1.973, DE 1º de agosto de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm. Acesso em: 13 jul 2020.

[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jul 2020.

[8] BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm. Acesso em: 14 jul 2020.

[9] PORTALGELEDÉS. Na época do Brasil colonial, lei permitia que marido assassinasse a própria mulher. Disponível em: https://www.geledes.org.br/na-epoca-do-brasil-colonial-lei-permitia-que-marido-assassinasse-a-propria-mulher/. Acesso em 15 jul 2020.

[10] BRASIL. Lei nº 3.071, DE 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm. Acesso em: 14 jul. 2020.

[11] BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacaooriginal-90222-pl.html. Acesso em 14 jul 2020.

[12] BRASIL. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

[13] BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 13 jul 2020.

[14] BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 14 jun. 2020.

[15] AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Crescem denúncias de violência doméstica durante pandemia. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/661087-crescem-denuncias-de-violencia-domestica-durante-pandemia>. Acesso em 14 jun. 2020.

[16] ISTO É. Violência contra a mulher aumenta em meio à pandemia; denúncias ao 180 sobem 40%. Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/violencia-contra-a-mulher-aumenta-em-meio-a-pandemia-denuncias-ao-180-sobem-40/>. Acesso em 14 jun.2020.

[17] Crispim, Maristela. Um vírus e duas guerras: Mulheres enfrentam em casa a violência doméstica e a pandemia da Covid-19. Disponível em: <https://ponte.org/mulheres-enfrentam-em-casa-a-violencia-domestica-e-a-pandemia-da-covid-19/>. Acesso em 14 jun. 2020.

[18] CNJ. Sinal Vermelho: CNJ lança campanha de ajuda a vítimas de violência doméstica na pandemia. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/sinal-vermelho-cnj-lanca-campanha-de-ajuda-a-vitimas-de-violencia-domestica-na-pandemia/>. Acesso em 14 jun. 2020.

[19] Ferraz, Artur. Isolamento afeta combate à violência doméstica na pandemia. Disponível em: <https://www.folhape.com.br/noticias/isolamento-afeta-combate-a-violencia-domestica-na-pandemia/143774/>. Acesso em: 14 jun. 2020.

[20] Bianquini, Heloisa. Combate à violência doméstica em tempos de pandemia: o papel do Direito. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/direito-pos-graduacao-combate-violencia-domestica-tempos-pandemia>. Acesso em: 14 jun.2020.

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