Skip links

MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO: PADECER NO MACHISMO – Uma mulher sem filhos é como uma figueira sem frutos: uma análise de prescrições discursivas relativas à maternidade

MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO: PADECER NO MACHISMO

Uma mulher sem
filhos é como uma figueira sem frutos: uma análise de prescrições
discursivas relativas à maternidade


Maria Aparecida Figueirêdo Pereira[1]

Verônica Figueirêdo Pereira[2]



Múltiplos são os estereótipos definidores do lugar social destinado à mulher, que por alguma circunstância não vivenciou a experiência da maternidade, a parábola extraída do Novo Testamento bíblico, referente à “figueira sem frutos” narrada nos livros de Mateus 21: 18-22 e Marcos 11: 12- 14, 20, 24, consiste em um deles. Naquela alegoria, descreve-se a reação que Jesus teria tomado ao deparar-se em seu caminho com uma figueira, que apesar de ostentar em sua copa extensa folhagem, não ofertava nenhum figo que pudesse servir de alimento, a fim de saciar a fome daqueles que a ela recorressem. Ele, então, a teria amaldiçoado imediatamente, ordenando-a que secasse por completo, e jamais voltasse a produzir frutos. Não obstante, a presença verde e infrutífera da árvore, não constitui de nenhuma maneira, alusão às mulheres inférteis, ao invés disso, a narrativa representa uma referência ao pecado da hipocrisia.

Assim, segundo as escrituras bíblicas, Jesus em suas andanças e pregações frequentemente utilizava-se de simbologias para transmitir uma mensagem subliminar. Nisso, a figueira representava um engodo para quem dela procurasse se servir, não sendo aquilo que aparentava e deveria ser. Contudo, ainda que a referida parábola bíblica, não aponte para a infertilidade feminina, e tampouco se aproxime dessa questão, indaga-se: qual a razão de seu emprego pelo senso comum, com o intuito de depreciar mulheres que por razões as mais variadas, não tiveram a maternidade por destino? Por resposta, nenhuma razão configura-se aparente, a não ser as construções machistas e sexistas que vigoram em nossa cultura. Heranças do patriarcado, onde a mulher que nunca deu à luz a uma criança, seria assemelhada “à figueira sem frutos,” que amaldiçoada por Cristo, tornou-se seca, estéril e inútil.Comparações que testemunhamos na oralidade, nos discursos, no mundo social.

Menções pejorativas, as quais agrupam-se em torno das mulheres, formando um paiol de estereótipos, os quais delimitam e mitigam a condição feminina na sociedade, porquanto uma mulher só teria razão de existir ao ser mãe. Neste artigo, pretendemos analisar estereótipos sexistas que desvalorizam mulheres que não se tornaram mães, a imagem idealizada da mãe devotada aos filhos, foi erigida por meio de prescrições as mais variadas, embora o machismo possua uma vasta e quiçá a mais relevante contribuição a respeito do que iremos abordar: a maternidade e o direito à liberdade das mulheres, o direito de não ser mãe, de não gostar de sê-lo, ou de não ter a maternidade como objetivo precípuo a ser atingido enquanto realização e satisfação para a conquista do direito fundamental da busca pela felicidade.

Doravante traremos alguns dos discursos, disseminados no âmago social, os quais colaboram e extrapolam às questões ligadas ao machismo, enfatizando a princípio, o discurso médico, para em seguida contemplarmos o discurso midiático propagando a maternidade como condição inata às mulheres.

“Não acredito que você não quer ser mãe! Isso é porque você ainda não encontrou o amor da sua vida”

Decerto, as frases acima mencionadas, já foram ouvidas, proferidas e repetidas por muitas mulheres em nossa sociedade, tais enunciados conformam permanências discursivas, as quais atrelam a realização feminina, a duas condições, quais sejam: a de ter uma vida afetiva ligada a um homem, daí subentende-se o matrimônio, e a segunda condição seria a constituição de uma prole, a qual representaria também o ápice da união conjugal. No interior dessa lógica, fica implícito que a resolução por não tê-la, seria algo que a mulher jamais escolheria para si, jamais voluntariamente decidiria por não ser esposa e mãe, abdicando dessa felicidade, e caso tal circunstância ocorresse em sua vida, seria antes motivada por um destino mal sucedido e solitário. O destino das solteironas, bastante estereotipadas durante as décadas do século passado, e ainda discriminadas por não se enquadrarem no modelo de esposa e mãe,

As solteiras foram vistas como marginais, porque não estavam em conformidade com a natureza. Estar solteira não era mais apenas um estado inconveniente, propício ao pecado, mas, sobretudo no caso das mulheres, um desvio da biologia, um desafio à natureza. Desafiar a natureza significava para a mulher também ter deixado passar todas as fases de sua vida, antes de ficar “coroa” (MARQUES, 2014, p. 109) [3]



Isto é, uma mulher solteira simbolizava uma figueira sem frutos, indo contra a natureza, cujo objetivo seria primordialmente a procriação. A ausência de filhos seria fruto da também ausência do amor romântico, uma lacuna que teria de ser urgentemente preenchida, visto que a mulher dependeria da constituição de uma família aos moldes tradicionais, formada por pai, mãe e filhos. O encontro com o amor romântico a persuadiria para o imprescindível aos corpos femininos: dar à luz. Desse modo, é possível que essas prescrições sejam ainda herdeiras do século XIX, XX em que “Se tornar mãe era uma questão observada pela sociedade como primordial para a vida da mulher, assim como cuidar bem do lar e especialmente do marido” (MARQUES, 2014, p. 18).

Posicionamentos contrários a tais papéis sociais reservados à mulher, como rejeitar à maternidade poderia estar associados a outras situações adversas além da solidão, como a loucura, de sorte que “o afastamento desses papéis, gerava enorme culpa e o nascimento do novo sentimento de “anormalidade”, pois contrariava a natureza, só restando a explicação por meio do desvio ou da patologia”.(GARCIA, 2020, p. 23)[4]. Discursos produzidos historicamente, os quais permitem que não se acatem as diferenças, as contradições, o contraditório, promovendo estereotipias. Discursos encaminhados pelo saber médico e outros saberes que visavam controlar os corpos femininos, definindo aquilo que seria bom e significativo para suas vidas.

Decorre daí, a vigilância em torno das decisões tomadas pelas mulheres, no que toca aos seus desejos, inclusive reprodutivos. Torna-se fácil problematizar as cobranças que abarcam aquelas que já passaram dos vinte e cinco, trinta anos de idade em diante, e não são mães. Conforme pesquisa desenvolvida por Cavalcanti (2013) os discursos de que todas as mulheres deveriam casar e ter filhos, embora apresentassem fissuras, em fins do século XX e início deste, não deixaram de existir, demonstrando mais força entre as mulheres pobres, analfabetas e de áreas rurais. Entretanto, Para Wolf (1992)[5] as mulheresprósperas, instruídas e liberadas, as quais tem acesso às liberdade inatingíveis, não se sentem tão livres quanto gostariam de ser, estariam também presas às rotulações e prescrições que vicejam no meio social, e que envolvem todos os aspectos de suas vidas, dificultando que ocorra uma liberação de fato, dos mitos que as cercam.

Nuances da construção histórica e midiática dos mitos maternais

Consoante os estudos de Badinter (1985)[6] as concepções acerca da maternidade, são construídas historicamente, por isso cada época desenvolveu um modelo de mãe que se adequava a sua organização social. Em face disso, na antiguidade e na chamada Idade Média, os modos que se compreendia a maternidade distanciavam-se daqueles que conservamos hoje, pois se temos uma valorização da imagem da mulher mãe e mesmo uma sacralização desta, nas sociedades antigas e medievais, o pater familis era detentor de todos os direitos sobre a família, ficando a mãe assim como os filhos à mercê da autoridade paterna, ou seja, o pai tinha o poder de tomada de todas as decisões relativas à vida familiar, enquanto o amor ea ternura maternais eram prescindíveis.

Nesta seara, a ideia de amor maternal, é denominada por Badinter por mito, já que não haveria “uma conduta universal e necessários da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cultura, ambições e frustrações. (BADINTER, 1985). Desta feita, a noção de amor materno vai sendo construída a depender da sociedade, cultura, tempo e espaço, não sendo ele, por essa via uma verdade universal. “Nós, mulheres, não amamos nossos filhos loucamente assim que damos à luz, porque a natureza quis assim. Houve épocas em que mãe e filho com muita naturalidade se separavam após o parto e só se reencontravam anos depois” (SILVA, 2020, p.24) Além disso, a maternidade consiste em uma experiência que demanda inúmeros sacrifícios, situados desde a gestação até o parto e o pós parto, convertendo-se a princípio em dores físicas e desgastes emocionais.

[…] toda gestação é planejada e só esse fato já traz uma diferença para motivar uma série de prejulgamentos a respeito da situação a ser vivida. A descoberta que se deu a seguir foi bem mais desagradável, pois percebi que não é consentido à mulher/mãe o direito a não se sentir “realiza[7]da”, mesmo com os vários incômodos trazidos pela gestação e pelo pós-parto. Afinal, a mulher nasceu para se tornar mãe, recebeu essa dádiva de Deus e não deve fugir ao seu destino […]” (SILVA, 2020, p. 09)[8].

Com efeito, a excessiva romantização da maternidade projeta uma série de imagens idealizadas seu respeito, recebendo a influências diversas, e no século XX todos os meios midiáticos, veiculavam reportagens que enalteceram o caráter único da concepção de um filho. O momento mais sublime por ela ofertado, aquilo que faltava para que celebridades atingissem o suprassumo da felicidade, experiência mais emocionante até que a própria fama. Vende-se mediante as muitas imagens oriundas dos jornais, revistas, sites, televisão e tantos outros, a plena realização de mães famosas, a emoção pela chegada do filho, o anúncio da gravidez, como um estado de graça. O parto como um instante mágico e inigualável. Ou seja, as campanhas midiáticas funcionam como pedagogia, para às mulheres que ainda viriam a ser mães. “Dificilmente, as mensagens publicitárias de produtos relacionados às crianças (e, cada vez mais, os tipos de produto que entram no hall de infantis multiplicam-se) vão se dirigir aos homens ou a um cuidador outro que não a mãe”. (POMBO, 2017, p.75)[9]



E tais pedagogias que exaltam a maternidade, e a colocam como atributo feminino, também exploram a vida íntima de celebridades, e estão expostas nas redes sociais, nas bancas de jornais e na sala de espera dos consultórios médicos, e um dos temas recorrentes páginas das revistas costuma ser a maternidade, a chegada do filho de tal atriz ou cantora, o nascimento da criança como sendo também o nascimento de sua mãe enquanto uma nova mulher, a partir do mito do amor materno transformador, o qual evoca toda a ternura. Nesta sintonia, pacientes do sexo feminino esperam suas consultas, buscando saúde e qualidade de vida, enquanto as matérias tentam seduzi-las, expressando uma aura de perfeição na vida conjugal e familiar das celebridades, influenciando diretamente as subjetividades, os desejos e sonhos das leitoras, pois é no mundo romantizado das famosas que se pretende atracar.

Mas, esse modus operandi que visa seduzir as mulheres para o exercício da maternidade, não é nenhuma inovação dos meios de comunicação de massa de hoje, a estratégia de pedagogização da mulher para à maternidade, já havia sido registrada por outras revistas no início do século XX. Marques (2014) ao analisar a seção “Da mulher para a mulher” veiculada pela revista “ O cruzeiro” durante as décadas de 50 e 60 do século passado. Na referida seção havia conselhos para as mulheres casadas, em relação ao cuidado que deveriam apresentar com os filhos, a coluna objetivava domesticar as mães ou futuras mamães em suas obrigações para com a família, tornando-se boas mães, já que os filhos seriam dádivas e as mulheres seriam as maiores responsáveis pela educação e bem estar deles e da família.

A mesma situação ocorre ainda hoje na exibição de telenovelas, ao reproduzir a maternidade como idílica, quando a chegada de um filho é o acontecimento mais festivo e aguardado na vida das protagonistas, sendo as dificuldades e angústias do puerpério, período de alterações hormonais e de mudanças no corpo da mulher, como o inchaço, os enjoos, as noite insones, o cansaço, e todas as demais atribulações das responsabilidades com uma criança, totalmente desconsideradas. O feminino se consagraria justamente pelas características delicadas, dadivosos, zelosas, afetuosas, havendo a inexorabilidade da maternidade como traço natural da personalidade feminina.

Porém “desde a descoberta da gravidez, a mulher passa por várias intervenções clínicas, farmacêuticas, alimentares, midiáticas, entre outras,” (SILVA, 2020, p.) Ademais, ignora-se que nem todas as mães dispõem de planos de saúde, de assistência médica de boa qualidade, nem para si e muito menos para o nascituro, carecendo de estruturas material e psicológica a fim de adaptar-se às novas responsabilidades e cobranças advindas da maternidade. Percalços da gestação que dificilmente se tornam temas dos jornais e revistas ou assunto nas telenovelas.

Não suficiente a sobrecarga sobre as mulheres gera um sentimento de culpa naquelas que não conseguem se encaixar naquilo que se espera delas, e nisso tem-se os estereótipos, o preconceito, a exclusão. Para Freitas (2015)[10] a culpa é uma forte aliada no processo, o mito da maternidade traria consequências psicológicas, desestabilizando a autoestima feminina. Seriam assim diversas culpas: a culpa pela ausência, a culpa excesso de presença, culpa pela falta de afetividade, culpa pelo excesso de culpa, trazendo consequências danosas para o equilíbrio mental das mulheres.

Em que pese a contracepção desde o novecentos, tenha sido uma escolha emancipatória adotada por algumas mulheres, ela encontrou oposição ferrenha, acima de tudo no discurso médico, como dito por Marques (2014) o controle sobre os corpos femininos justificava-se em virtude da queda de natalidade, situação causadora de diminuição no número de futuros cidadãos, os quais viriam a garantir o progresso da nação, causando preocupação relativa à liberdade sexual que vinha sendo adquirida pelas mulheres, resultado da limitação na reprodução feminina. Urgia sanar aquele mal, e importantes estratégias foram adotadas, dentre elas, a romantização da maternidade vista incisivamente até os dias atuais, como o sentido para a vida das mulheres.

O estado gravídico como uma dádiva divina concedida aos corpos femininos, havendo até um certo tom de piedade com relação às mulheres que não seguissem tais prescrições discursivas apresentadas pelos médicos no sentido de tornarem-se genitoras. “Dissociar o par mulher – reprodução poderia ser uma grande ameaça. E controlar a natalidade, a educação e o trabalho feminino, questões que ligavam a mulher à sua emancipação, foram maneiras de organizar a sociedade.”(MARQUES, 2014, p.22). Com base nessas construções discursivas, que reivindicam uma naturalização e predisposição das mulheres para a maternidade. A sexualidade, a libido feminina, é normatizada desde cedo, o desejo cultivado ainda na meninice de ser mãe, quando enxergam nas bonecas seus brinquedos preferenciais, e desde então ensaiam, o comportamento maternal, e por conseguinte o tratamento que no futuro dispensarão aos filhos.

Essa supervalorização da maternidade como sinônimo de felicidade, já havia sido duramente questionada pela historiadora Elizabeth Badinter (1985, p. 266) ela defende que,

[…] esse sentimento pode ou não existir; ser e desaparecer. Mostrar-svae forte ou frágil. Preferir um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua história e da História. Não, não há uma lei universal nessa matéria, que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É adicional […]

O amor materno seria então construído a partir de determinados condicionamentos, não seria portanto, inerente, natural às mulheres como anunciado em nossa cultura sexista,permeada por sensibilidades masculinas, as quais dão a nota e o tom para o comportamento de homens e de mulheres, inserindo-os no contexto de concepções binárias, que determinam os papéis a serem representados pelo masculino e feminino distintamente. Sensibilidades masculinas que tornam legítima uma abnegação maternal das mulheres como forma de controle de seus corpos e de suas atuações em meio a sociedade, sendo esta mais uma forma de dominação, o que a história tem timbrado em diversas circunstâncias, a saber:

“[…] ao longo da história da sociedade ocidental, muitos discursos de legitimação da desigualdade entre homens e mulheres foram produzidos. A mitologia e as religiões são bons exemplos. Na Grécia Clássica e na tradição judaico-cristã, Pandora e Eva respectivamente desempenham o mesmo papel: o de demonstrar que a curiosidade feminina é a causa das desgraças humanas e da expulsão dos homens do Paraíso.[…]”(GARCIA, 2015, p.10) [11]




É nesse panorama de estudos acerca das desigualdades entre homens e mulheres, que o conceito de gênero adquire relevo, visto que segundo Scott “Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos”. Não suficiente, também segundo Scott, o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, P.86)[12]. E assim diferentes categorias de gênero vão se fixando, prevalecendo as normas heterossexuais opressoras, as quais mitigam a inclusão e a diversidade, numa relação de poder que anula o direito das mulheres ao controle de seus corpos.

Assim, as relações de poder ostentam um modelo de masculinidade calcado no machismo patriarcal estruturante, em que são excluídos o respeito à equidade entre homens e mulheres. Uma sociedade sexista que se baseia também na exaltação da maternidade reduzindo a liberdade feminina sobre seus corpos, o seu direito de escolha, de não querer, de não poder ser mãe, e de trabalhar com outras formas de vivências familiares. Uma sociedade machista que atribui tão somente o lugar da fragilidade e nega outros modos de atuação feminina.

Lembrando que a maternidade é relegada ao espaço privado, com a mulher adotando os cuidados relativos à casa e a família, enquanto ao homem fica reservado o espaço público. Contudo, é preciso que se diga, não existe um único modelo de mãe ou pai, a sociedade atual traz à cena pública, outros formatos de família, outros formatos de mãe “junta-se novas configurações de mães, como a mãe adotiva, a mãe lésbica, o homossexual que materna, a mãe de aluguel, a mãe adolescente, a mãe solteira, a mãe prisioneira, a mãe pobre, negra, a mãe genética. (GARCIA, 2020, p. 24). É preciso enfatizar a multiplicidade de mulheres e sobretudo suas multiplicidades de desejos, destacando que a maternidade pode ou não ser um deles. Para tanto, o combate as discriminações, aos estereótipos se faz necessário, evitando enquadramentos, generalizações, uniformizações, produzem a exclusão.

Ressalte-se que é urgente uma atitude que questione asregulações comportamentais uniformes baseadas no sexo ou em quaisquer outra caraterística que sirva para diferenciar, oportunizando a reivindicação do direito de buscar à felicidade, considerando que este é um princípio previsto no artigo 6º da constituição federal de 1988, o qual tutela a todos, sem distinção. Assim, a felicidade das mulheres deve ser buscada por cada uma delas, sem influências ou imposições institucionais e midiáticas, de sorte que a felicidade feminina ao contrário do que vem sendo dito, não se reduz à constituição de uma prole.

Do princípio da busca da felicidade, as mulheres se encontrarão com seu direito à liberdade, analisando quais as melhores escolhas para seus corpos. Afinal elas são também tuteladas pelos Direitos humanos. Como sugere Garcia (2015) é necessário o reconhecimento dos Direitos humanos como garantidores dos direitos femininos. Evidenciando a criação de novos modelos de relações pessoais e diferentes opções de vida, o que é possível por meio da impertinência, inteligência e valor de mulheres que revolucionam, a exemplo das sufragistas e de representantes de todas as classes políticas e sociais.

É o que é chamado de tomada de consciência, o reconhecimento de seus direitos, “pois a consciência da discriminação supõe uma postura diferente diante dos fatos. Supõe dar-se conta das mentiras – pequenas ou grandes – em que a história, cultura, a economia, os grandes projetos, os pequenos detalhes do cotidiano estão alicerçados.” (GARCIA, 2015, p.13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão, cumpre reafirmar que se faz necessário descontruir o mito da maternidade, entendendo-a enquanto um construto social masculino, que reduz à mulher a espaços limitados de atuação. A figura da mãe abnegada é um desses espaços, ser mãe configuraria segundo esse pensamento, a única forma de se alcançar o que preconiza o princípio da busca pela felicidade, elencado na carta magna de 1988, mas, o ser mãe também criaria para as mulheres empecilhos para exercer à liberdade sobre seus corpos, e as decisões acerca de suas vivências. Portanto ser mãe não seria a única forma de materialização da felicidade, ao contrário dos discursos que vigoram socialmente. Não se trata, contudo, de adotar uma postura contraceptiva, mas de considerar que nem todas as mulheres optam pela maternidade, ou tem a maternidade como uma finalidade indelével, um objetivo a ser atingido.

Não se trata de dessacralizar a maternidade, para demonizá-la em seguida, mas de refletir que mulheres as quais não são mães, não devem ser discriminadas ou excluídas socialmente, vistas como diferentes ou inferiorizadas. Deve-se pensar que essas mulheres tem seus direitos e que o direito à felicidade de muitas delas, pode implicar exatamente na não maternidade, e em outros significados que a ausência de filhos lhes propiciou.

Ressalta-se que até então o tema maternidade, permanece enquanto tabu, bem pouco explorado, uma vez que a sociedade e as mídias exibem essa fase feminina como única forma possível de realização para as mulheres, inexistindo outros percursos. Deste modo, o que se intentou nessas linhas foi demonstrar que as garantias femininas, devem ser uma prioridade, uma meta, para que consigamos atuar com respeito aos direitos humanos, se quisermos de fato, agir observando esses direitos, que são também das mulheres, respeitando os tratados internacionais os quais versam sobre os direitos femininos, e dos quais o Brasil é signatário.

Dar visibilidade à diversidade, às liberdades individuais, ao direito contraceptivo, as diversas alternativas de vida para as mulheres, sem imposições e regramentos, pois somente assim se quebraria os tabus, os preconceitos e as verdades; tão meticulosamente construídas pelas masculinidades como aprisionamento feminino, no que tange aos significados atribuídos à maternidade.



[1] Bacharela em Direito e Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Graduada e Mest
a em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail:ciddapereira1@yahoo.com.br.

[2] Mestranda em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail: verônicafigueiredo@ymail.com

[3]MARQUES, Andrea Cristina. A PRODUTIVIDADE DISCURSIVA SOBRE AS MULHERES NOS ARTEFATOS CULTURAIS: A PRESCRIÇÃO DE UMA NORMATIVIDADE SOCIAL (1950-1970). Dissertação de (Mestrado em História) apresentada ao PPGH-UFCG, 2014.

[4] GARCIA, Emily. DEITADAS NO DIVÃ: A MÃE E A MULHER. IN: MATERNIDADE E DIREITO (Org) MELO, Ezilda. Ed. Tirant lo blanch, São Paulo, 2020.

[5] WOLF, Naomi. In: O MITO DA BELEZA Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Editora, Rocco, Rio de Janeiro, RJ, 1992.

[6] BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução: W. Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

[8] SILVA, Janaína. In: Pode uma mãe não gostar de SER MÃE as controvérsias acerca do feminino. Ed. Appris, Edição: 1ª ed.2020

[9] POMBO, Carolina. A mãe e o Tempo. Ensaio da Maternidade Transitória. Ed. Jaguatirica, 2017

[11] GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. Ed. Claridade. São Paulo, 2015.

[12] SCOTT, Joan. Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press, 1995.

X