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AUTO-FALANTES COM SUBWOOFER, POR FAVOR!

Auto-falantes com subwoofer, por favor!

Por Vania Barbosa Adorno Bitencourt*

Vivemos numa época de mais de um ano de isolamento social, pessoas perdendo seus empregos, empresas (grandes e pequenas) falindo, vacinas insuficientes, mais de quatrocentos mil mortos num país que, em tese, teria o melhor sistema de saúde do mundo. Nada mais poderia nos causar espanto. Ledo engano. Ainda há coisas que, para além de nos assustar, embrulha-nos o estômago e faz-nos perder um pouco a crença nessa tal humanidade. Como diz o velho ditado: nada é tão ruim que não possa piorar. É assim que nos sentimos ao nos depararmos com as ações do senhor Saul Klein, herdeiro caçula da fortuna das Casas Bahia.

Conforme se noticiam nas mídias[1], esse senhor parece ter encarnado, nesta vida, o coronel Artur da Tapitanga, da novela Tieta de Aguinaldo Silva, baseada na obra de Jorge Amado, de mesmo nome, o qual mantinha em cativeiro as denominadas “rolinhas”, que nada mais eram que um grupo de garotas exploradas sexualmente.

Explica-se: essa pessoa utiliza-se do dinheiro herdado de seu pai, e agora intitula-se político e investidor do ramo do futebol para, conforme as investigações, praticar “organização criminosa, tráfico de pessoas, estupro, lesão corporal grave, lesão corporal gravíssima, favorecimento à prostituição e exploração sexual, mediação para satisfazer a lascívia, favorecimento da prostituição e exploração sexual e falsificação de documentos públicos”. Até agora são 32 vítimas que prestaram depoimento na polícia no Ministério Público de São Paulo, dentre elas, 5 eram menores à época dos fatos[2].

Nos relatos das vítimas, muitas delas, meninas com pouquíssimos recursos financeiros, oriundas da região Norte do país, informam que foram atraídas pelas redes sociais, com a promessa de utilização de sua imagem para propagandas, chegavam a um sítio localizado no interior de São Paulo e se deparavam com um verdadeiro cativeiro do terror, sendo obrigadas a se submeterem às mais diversas atrocidades sexuais, incluindo jogos de humilhação para satisfazer a lascívia de uma mente parafílica sem limites.

Uma dessas mulheres se matou aos 22 anos.

Veja-se quanto a vulnerabilidade de uma adolescente pode levá-la a situações em que sua própria vida é colocada em risco. Conforme consta das reportagens sobre o assunto, o “recrutamento” era direcionado a meninas com idades entre 16 e 20 anos, desempregadas e com o sonho de se tornarem modelos.

Num país em que a população pobre é carente de todo o tipo de políticas públicas que facilitem o acesso ao estudo e ao emprego, moças nessa faixa etária se tornam alvo fácil para esse tipo criminoso. São apenas meninas que sonham em ter uma vida melhor, que não possuem orientação alguma para perceber que o seu algoz é aquele que se mostra como o realizador de seus sonhos. Não possuem capacidade de enxergar a maldade travestida de boas intenções.

As investigações estão em andamento e ainda é cedo para se chegar à uma conclusão definitiva sobre o assunto, quiçá a quantidade de crimes praticados seja ainda maior.

Definitivamente, a situação da violência contra mulheres tem que mudar. Não dá para sermos sempre vítimas, exploradas, estupradas, mortas. Não dá para aceitar que a culpa ainda seja sempre nossa. Isso tem que parar.

Gritos ecoantes como das primeiras meninas que denunciaram esse meliante têm que ganhar megafones, auto-falantes, subwoofers, o que for necessário. As pessoas têm que nos ouvir e entender de uma vez por todas que não aceitaremos, em pleno século XXI, sermos vistas como objeto de consumo e de maus tratos. Neste caso, sejamos Pagus indignadas no palanque!

Gratidão às 32 mulheres que fizeram a denúncia. São representantes de milhares que se calam todos os dias. Haverá quem não goste? Sim. Haverá quem as julgue? Sim. Isso não é empecilho. Coragem é para poucos e, muitas vezes, é forjada em situações adversas como essas.

Não podemos nos esquecer que nós, mulheres, “somos o espelho que reflete o homem duas vezes maior que o natural” (Wirgínia Wolf). Somos o esteio, a pedra angular desse mundo todo. Sem nós, a ruína vem. É necessário reconhecer nosso valor.

*Vania Barbosa Adorno Bitencourt, advogada criminalista.



[1] https://economia.ig.com.br/2021-04-30/saul-klein–…

[2] https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especi…

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