A NOBRE ARTE DA ADVOCACIA CRIMINAL
Por: Marcelo Bareato
A advocacia é sem dúvida uma área direcionada aos fortes que lutam sem salários, décimo terceiro e quarto, sem auxílios, gratificações, sem funcionários pagos pelo Estado, sem estrutura física montada com erário público. Não que isso tudo seja errado, mas, para quem compõe o tripé da justiça, a parte mais onerosa é a advocacia.
Escolha de muitos que tem na Constituição Federal o espelho para um mundo melhor, norteado por garantias que igualam os desiguais, o advogado é aquele que se debruça sobre causas possíveis, defende interesse de um terceiro que, vez em sempre, não entende os meandros da justiça e responsabiliza o procurador pela morosidade daqueles que, como nós advogados, deveriam obedecer prazos ou ao menos permanecer em seus locais de trabalho, o tempo designado em suas leis orgânicas,além demanter às portas abertas para atender a todos que por lá tenham a necessidade de bater.
Se essa é a realidade da advocacia em geral, talvez a parte mais frágil de nosso segmento esteja entre os advogados que militam na esfera criminal. Sim, o criminalista ao qual a população, em sua grande maioria,insiste em chamar de “tão bandido quanto aqueles que defendem”.
A visão acima éequivocada, além de expressar total desconhecimento sobre a razão da criação de leis e suas exatas funções junto a sociedade.Não por menos, já dizia Ruy Barbosa: “as leis que não protegem nossos adversários, não podem proteger-nos”.
Nosso artigo de hoje busca resgatar um pouco da arte da advocacia criminal e quão importante é o papel que desempenha junto a sociedade e ao funcionamento do Estado Democrático.
De acordo com o artigo 133 da Constituição Brasileira: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
De igual importância, o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 1.º dispõe: “São atividades privativas da advocacia: parágrafo 3.º – No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei” (a lei a que estamos nos referindo é a de n.º 8.906/1994).
De papel marcante, o advogado criminalista é aquele que tem por função assegurar que todo e qualquer julgamento se mantenha dentro dos princípios e preceitos Constitucionais, preservando o devido processo legal, o cumprimento dos direitos e garantias previstos na Carta Magna e leis esparsas, a dignidade da pessoa humana, a lisura no julgamento que vai garantir uma sentença imparcial e justa. Não é por menos que professamos como ninguém a máxima: “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça (Eduardo Juan Couture)”.
Diferente das outras áreas do direito, a advocacia criminal não lida com bens quantitativos e qualitativos, lidamos com a vida e a individualidade do ser humano, mas sobretudo, como guardiães da Constituição Federal na medida em que buscamos a aplicação dos princípios que ela encerra de forma igualitária desde o mais pobre ao mais rico, o advogado criminalista, vez em sempre, é chamado de garantista.
Entender que a partir do cometimento de um fato típico (aquele previsto em lei), o processo deve seguir um rito específico (devido processo legal), que para chamar alguém de culpado antes devemos lhe propiciar todas as formas de apresentar em seu favor suas razões (ampla defesa), que tudo aquilo que colocarem contra si, pode e deve ser questionado (contraditório) e que o juiz deve se manter como mero espectador da disputa pela verdade travada entre as partes (acusação e defesa) para, apenas no momento final, emitir a sua opinião através de uma sentença que tenha trabalhado com todos os argumentos apresentados pelas partes (imparcialidade), é fundamental para que a decisão final (sentença) receba o respeito devido e possa se fazer cumprir perante o acusado, a sociedade e a comunidade internacional que passa a creditar na justiça brasileira a confiança de que em nosso território, respeitamos a Constituição Federal e não precisamos da intervenção para a recomposição e aplicação dos direitos humanos (Pacto de San José da Costa Rica/Corte Interamericana).
Mas, se o advogado criminalista é o guardião da Constituição Federal e o profissional que tem o poder de transmitir ao mundo a credibilidade que as leis nacionais merecem, porque cargas d’água, poucas vezes somos reconhecidos dentre nossos pares, como força e segmento fundamental para a projeção que a Ordem dos Advogados do Brasil merece no cenário interno e externo?
A resposta passa pelas Comissões temáticas das várias OABs e também pelo empenho que a Seccional demonstra na hora de fazer valer os direitos e prerrogativas de seus representantes na área criminal, o que tem dividido os causídicos ao invés de aglutinar.
É comum nos dias de hoje, o advogado criminalista tentar atendimento junto ao sistema carcerário e não conseguir acesso ao seu cliente, o que prejudica essencialmente a defesa daquele que merece passar por um devido processo legal.
Da mesma forma, lugar comum é chegarmos às delegacias e não conseguirmos acesso aos autos de inquérito antes da oitiva de nosso cliente, o que põe por terra qualquer possibilidade de colaboração com a justiça e incrementa distorções convenientes na ameaça ao direito dos menos privilegiados.
No mesmo sentido, quantas vezes chegamos àesfera de conhecimento (fase processual) e temos a nossa palavra caçada pelo juiz, não conseguimos acesso aos autos, recebemos voz de prisão por tentar fazer valer o direito daquele que ainda não foi sentenciado, temos a ordem legal subvertida por juízes e promotores que, antes mesmo de iniciarem a audiência, já decidiram a vida daquele para quem tentamos defender direitos assegurados pela Constituição Federal.
Na verdade, buscamos incessantemente num cenário de guerra onde o cliente já entra condenado, empreender esforços para fazer com que o juiz amoleça seu coração e queira ouvir o que o acusado e sua defesa tem a dizer.
Ato contínuo, quando ocorrem as condenações, jamais temos a possibilidade de contar com uma pena justa ou com um ambiente que possa fazer com que o apenado aprenda o valor do bem jurídico violado.Pelo contrário, juízes e promotores da execução penal que, por obrigação, deveriam vistoriar o sistema prisional mês a mês, na maioria das vezes, nem conhecem o local para onde estão destinando aqueles que foram brutalmente apenados. Brutalmente sim, porque a pena não precisa ser longa, basta que seja eficaz, com trabalho, estudo e tratamento humano para que cumpramos nosso dever de recolocar na sociedade pessoas melhores do que aquelas que lá entraram.
E, como pode a OAB auxiliar nessa dura missão? Simples: garantindo que o advogado tenha suas prerrogativas respeitadas, que seja recebido por um juiz ou promotor sem demora toda vez que isso se fizer necessário, que tenhamos paridade de armas com a acusação e que, quando precisarmos, sejamos prontamente representados por nossos pares, mostrando a força que a advocacia tem e a união que deveria ter.
Não é por menos que no mundo inteiro valem as máximas: promotor é fiscal da lei, juiz é aplicador da lei, mas o advogado é fiscal da cidadania. Somos nós quem vai representar o cidadão nos diversos segmentos em que ele precisar de ajuda e voz. Contudo, se quem fiscaliza a cidadania não tem respaldo, nem mesmo de seus pares, que direitos o cidadão pode esperar que sejam respeitados?
É nesse sentido que se observarmos atentamente, em toda e qualquer Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil existem quatro comissões de suma importância: 1) – comissão de prerrogativas, 2) – comissão de direitos humanos, 3) – comissão de direito penal (ou criminal), 4) – comissão de segurança pública, além de diversas outras que visam a valorização da classe incompreendida chamada advogados.
As quatro primeiras comissões estão diretamente ligadas a advocacia criminal e toda e qualquer Ordem dos Advogados, se pretende ser forte, precisa empreender esforços no sentido de garantir autonomia e atuação imediata dessas forças de contenção aos desmandos do judiciário, através de advogados que conheçam o sistema, que não tenham medo da indisposição com promotores, juízes e tribunais e, sobretudo, que estejam dispostos a dedicar seu tempo em uma tarefa pro-bono em busca do respeito e igualdade entre as forças que compõem o tripe da justiça (o julgador, o acusador e o defensor). O advogado criminalista só poderá exercer com dignidade seu mister, quando tiver autonomia e respeito para atuar com a retaguarda que merece.
A advocacia criminal é a arte das artes e para ser nobre precisa ser forte, unida e amparada.
O autor é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).