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Mutilação Genital: Prática Cultural que deve ser Extinta e Criminalizada

A Mutilação e seus tipos

A mutilação genital feminina consiste na remoção, parcial ou total, dos órgãos genitais femininos ou outras intervenções suscetíveis de lhes provocar lesões por razões não médicas ou terapêuticas. Tem por objetivo assegurar a castidade da mulher, funcionando, muitas vezes, como requisito para que a mulher consiga se casar. Na maior parte dos casos, a mulher é mutilada ainda muito jovem, antes dos cinco anos de idade.

As razões para a existência do ritual do corte são o costume, a tradição, o controle da sexualidade feminina, a pressão social, e até mesmo, que este tem benefícios na saúde e higiene feminina.

Costume/Tradição: a prática é um ritual de passagem da infância à vida adulta, o que a torna, para os mais velhos, como parte dos valores tradicionais da sociedade; Sexualidade da mulher: em muitas comunidades, é sinal de honra para a família as meninas permanecerem virgens até o casamento. Dessa forma, a mutilação é tomada como uma forma de controlar a vida sexual das mulheres – manterem-nas virgens (nos casos do Egito, Sudão e Somália) ou inibir o prazer sexual feminino após o casamento para que, assim, o homem possa manter relações com outras mulheres (em países como Quênia e Uganda); Pressão social: como é uma prática tradicional, realizada na maior parte das mulheres das comunidades, a MGF é tida como uma obrigação social para que as meninas possam, então, ser reconhecidas como mulheres adultas e integrantes do grupo.

Além dessas três razões, a OMS acrescenta o fator da higiene e estética, visto que a parte externa da genitália da mulher é vista como suja e não agradável.

O ritual consiste em meninas com idade compreendida entre os (03) três e os 15 (quinze) anos, período em que não há um discernimento pleno sobre do que se trata, são introduzidas por um membro mais velho da comunidade (geralmente uma mulher), mas em comunidades onde o barbeiro assumiu o papel de assistente de saúde, ele também executará a MGF, são levadas em locais com poucas condições de higiene ou até mesmo na casa das meninas, e por meio do uso de instrumentos não esterilizados, incluindo facas, navalhas, tesouras, vidro e pedras afiadas. muitas vezes, sem o uso de anestesia, cortando ou ressecando parcial ou total o clitóris, os lábios menores e até mesmo, os lábios maiores.

São quatro tipos principais que a OMS classificou:

I) Clitoridectomia que é a ressecção parcial ou total do clitóris e, em casos menos frequentes, apenas do prepúcio;

II) Excisão que significa a ressecção parcial ou total do clitóris e lábios menores, com ou sem excisão dos lábios maiores;

III) Infibulação consite no estreitamento da abertura vaginal para criar uma vedação por meio do corte e reposicionando os lábios menores ou maiores, com ou sem ressecção do clitóris;

IV) Entre outros, que podem ser todos os outros procedimentos lesivos à genitália feminina para fins não médicos, tais como a perfuração, a incisão, raspagem a cauterização da área genital.

De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), 9 em cada 10 mulheres do país eram submetidas à mutilação total ou parcial da genitália feminina.

As Consequências dessa prática

O procedimento provoca na vítima dor aguda e perda de sangue excessiva, sendo o mesmo comparado a atos de tortura e tratamentos degradantes e cruéis. As sequelas são permanentes no corpo da vítima, como dores crónicas, bem como no seu estado psicológico, como o trauma da intervenção vivenciada.

De imediato, são notados que as complicações são dores intensas, choque, hemorragia, tétano, septicemia, retenção de urina, feridas abertas na região genital e lesões no tecido genial nas proximidades. Posteriormente, a longo-prazo, pode acontecer ainda mais consequências, tais como infecções urinárias recorrentes, cistos, esterilidade, aumento do risco de complicação no parto e morte de recém-nascidos, necessidade de novas intervenções cirúrgicas, quando, por exemplo, o processo de selagem ou estreitamente, que deve ser corrigido para permitir relações sexuais ou parto. Contudo, em alguns casos volta a se fechar, necessitando de sucessivas intervenções, aumentando os riscos.

Os efeitos psicológicos que as mulheres podem sofrer são a ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Sentimentos de humilhação, impotência, vergonha e traição familiar podem desenvolver-se também, quando essas mulheres deixam a cultura que pratica a MGF e descobrem que a sua condição não é a normal; porém, dentro da cultura que a pratica, poderão vê-la com orgulho, porque para si significa beleza, respeito pela tradição, religião, castidade e higiene.

Já na parte da educação, esse ritual também tem consequências para as meninas que são impostas a ele, pois o respeito e admiração que as jovens meninas ganham nas comunidades as estimula ao casamento ainda na infância, o que torna o abandono escolar uma realidade que perpetua a desigualdade educacional e econômica entre homens e mulheres. Ocorrendo assim, casamentos prematuros, relações sexuais precoces e o rasgo da costura em suas genitálias.

Da Criminalização desse ritual

MGF é uma prática cultural que afeta a saúde e bem-estar de milhões de meninas e mulheres, tendo sido reconhecida pelos defensores dos Direitos Humanos como uma prática nefasta e que deve ser extinta. Embora a mutilação genital feminina seja originária de vários países do continente africano, com a constante imigração destes povos para países ocidentais, já houve registro dessa prática na Austrália, em alguns países da Ásia e América do Norte, locais em que a MGF foi proibida.

Portugal inclui-se nos países de destino de imigrantes provenientes de África e, como tal, um país de risco no que respeita à MGF, tendo, por isso, adotado legislação específica criminalizadora dessa prática, aditando ao Código Penal o artigo 144.º-A de epígrafe “Mutilação Genital Feminina”. Porém, a sua autonomização está longe de estar perfeita já que o legislador omitiu a punição da instigação à automutilação, o que leva à impunidade do agente, bem como deveria ter alterado o n.º 3 do artigo 6.º, que também se traduz na impunibilidade dos agentes que praticam o facto típico de MGF fora do território português. A solução destas lacunas passa pela alteração legislativa ao Código Penal.

Em uma ratificação pela Assembleia da República (AR), Janeiro de 2013, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, vulgo Convenção de Istambul, conduziu o legislador penal a autonomizar o crime de Mutilação Genital Feminina, introduzindo o artigo 144.º-A na lei penal substantiva portuguesa. Entrando em vigor no nosso Ordenamento Jurídico com a aprovação da Lei nº 83/2015, de 05 de Agosto e sendo aprovado pelo Decreto Lei nº 400/82 de 23 de Setembro do mesmo ano.

Artigo 144.º-A

Mutilação genital feminina

1 – Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática lesiva do aparelho genital feminino por razões não médicas é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

2 – Os atos preparatórios do crime previsto no número anterior são punidos com pena de prisão até 3 anos.

Alteração ao Código Penal

Artigo 5.º

c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º-A, 154.º-B e 154.º-C, 159.º a 161.º, 171.º, 172.º, 175.º, 176.º e 278.º a 280.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;

Artigo 118.º

5 – Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação genital feminina sendo a vítima menor, o procedimento criminal não se extingue, por efeito da prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos.

Artigo 145.º

b) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do n.º 2 do artigo 144.º-A;

c) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144.º e do n.º 1 do artigo 144.º-A.

Artigo 149.º

3 – O consentimento da vítima do crime do crime previsto no artigo 144.º-A não exclui em caso algum a ilicitude do facto.

Com o código penal aprovado pelo governo, a mutilação terá pena de três anos de prisão e multa.

A necessidade de autonomização desse crime no nosso país e em outros, deve-se ao crescente número de imigrantes provenientes de países africanos, onde é uma prática tradicional.

Uma Violação aos Direitos Humanos

Onde 150 milhões de mulheres têm a vagina mutilada e, segundo a ONU, até 2030, outras 86 milhões de mulheres poderão ser vítimas dessa conduta.

A prática é considerada algo cultural, e é muito difícil fazer algumas pessoas, principalmente as mais tradicionalistas, entender que ela é ultrapassada e criminosa. Com base nisso, temos o caso do Egito, por exemplo, que criminalizou a mutilação genital feminina em 2008, mas até hoje registra casos de operações que continuam a ser realizadas por algumas pessoas, mesmo correndo o risco de serem presas por até 7 anos.

Mas é também preciso enxergar o outro lado, de um governo menos autoritário que deseja romper com essas tradições criminosas (foi só após 30 anos que o ditador do Sudão, Omar Hassan al-Bashir, conseguiu ser substituído) e das milhares de mulheres, com as suas vidas que serão salvas pela criminalização dessa prática.

No ano de 2018, a mutilação genital feminina foi proibida no Sudão e na Nigéria, ambos na África, após longos anos de uma cultura machista e violenta que, segundo estatísticas, atingia 25% das mulheres nigerianas entre 15 e 49 anos.

A prática de mutilação da genitália constitui, pela sua natureza e pelas suas consequências, um atentado à igualdade de gênero, uma discriminação, impedindo a mulher de usufruir plenamente os seus direitos, configurando em uma das formas mais aviltantes de violência e discriminação contra as mulheres. Sendo um grave atentado à pessoa e à integridade física, mental, sexual e reprodutiva das mulheres que em alguns casos, podem provocar a morte.

Esta prática viola um conjunto de direitos humanos fundamentais, normas e princípios de igualdade de género e não discriminação, bem como o direito inalienável à vida e o direito a ser livre de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Esses princípios encontram-se consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os direitos humanos fazem parte dos chamados direitos de terceira geração. São direitos difusos, meta individuais e transcendentes. Não possuem como objeto de sua tutela um indivíduo em específico, mas dizem respeito a toda uma coletividade.

Importante memorar que os Direitos Humanos, na sua condição de inalienáveis, não podem ser tirados por outros, nem podem ser cedidos voluntariamente por ninguém, além de que eles não podem ser suprimidos com o objetivo de promover outros, o que garante a característica da indivisibilidade dos Direitos Humanos.

Somente o respeito e a sensibilidade para com uma cultura não significam a aceitação de práticas tradicionais nocivas ou a violação dos direitos humanos fundamentais.

Foi Consagrado pela Organização das Nações Unidas (ONU), anualmente nos dias 06 de Fevereiro, O Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, chamando a atenção em todo o mundo, para o fato de mais de 140 milhões de meninas e mulheres terem sido sujeitas a estas práticas violadoras dos direitos humanos.

A extinção da pratica tem sido solicitada por inúmeras organizações intergovernamentais, incluindo a União Africana, a União Europeia e a Organização para a Cooperação Islâmica, bem como em duas resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas. O Objetivo consiste em até 2030, eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças, bem como as mutilações genitais femininas.

Conclusão

A Organização Mundial da Saúde reconhece a gravidade que a mutilação genital feminina traz à vida das meninas, mulheres adultas e seus filhos, tanto no âmbito da saúde quanto na esfera social. Ao perpetuar um ciclo de subdesenvolvimento feminino e subordinação, vinculado aos valores tradicionais, sendo assim a OMS destaca a necessidade de que se desenvolvam projetos multissetoriais, permanentes e que contenham a presença de líderes das comunidades para combatê-la.

Independentemente de qualquer que seja a definição cultural nas religiões, ou seja, os valores culturais intrínsecos na condição de povo é necessário que seja respeitado a dignidade humana mesmo que a cultura de um povo é a sua própria identidade, apontando um caminho efetivo para a celebração de uma cultura universal dos Direitos Humanos legitimando o processo de construção à proteção das mulheres vítimas desta primitiva cultura da mutilação da genital feminina de tal forma que as diferenças culturais não sejam excluídas da Declaração Universal de Direitos Humanos.

Referências

https://capricho.abril.com.br/comportamento/a-muti…

Associação para o planejamento familiar. eliminação da mutilação genital feminina: declaração conjunta ohchr, onusida, pnud, uneca, unesco, unfpa, acnur, unicef, unifem, oms. genebra, 2009.

Piacentini, Dulce de Queiroz. direitos humanos e interculturalismo: análise da prática cultural da mutilação genital feminina. disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp034905.pdf.

Santos, Boaventura de Sousa. por uma concepção multicultural de diretos humanos. revista crítica de ciências sociais, nº 48, junho de 1997. faculdade de economia da universidade de Coimbra e de ciências sociais.

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Child protection from violence, exploitation and abuse. Unicef- https://www.unicef.org/Child_Protection_from_Viole…

Reisel, Dan (e outro) (6 de Outubro de 2014). «Long term health consequences of Female Genital Mutilation» https://www.maturitas.org/article/S0378-5122%2814%2900326-0/pdf Maturitas

Abdulcadir,, J (e outros) (6 de Janeiro de 2011). «Care of women with female genital mutilation/cutting» https://smw.ch/article/doi/smw.2011.13137 Swiss Medical Weekly

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