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Armas de fogo e o desarmamento civil

“As Leis que proíbem o porte de armas desarmam apenas aqueles que não são inclinados e nem determinados a cometer crime”

                   Cesare Beccaria, 1764

                Resumo

No Brasil e no mundo, a criminalidade é algo que assola a sociedade, e uma das formas que o governo utiliza para resolver a situação é promulgar leis que desarmam os cidadãos civis. Porém, será mesmo essa a melhor alternativa? O desarmamento civil seria a melhor solução para esse problema? É comum ouvirmos que mais armas geram mais violência e que somente o Estado deveria ter o controle sobre elas. Fato é que pouco se debate sobre esse tema no Brasil, o que deságua em falsas ideias sobre a arma de fogo, bem como preconceitos e estigmas em torno dessa temática, portanto essa discussão sobre os direitos de o cidadão ter ou não a posse e/ou o porte de arma é de suma importância para o avanço de políticas públicas e ensejar soluções legislativas eficientes. O objetivo deste trabalho é demonstrar que as armas de fogo em uma sociedade democrática de direito não são a causa para o aumento de criminalidade e que as legislações que desarmam a população não visam à garantia da segurança do cidadão.

Palavra-Chave: Armas de fogo. Desarmamento. Estatuto do Desarmamento. Segurança Pública. Criminologia.

               Abstract

In Brazil and in the world, crime is something that plagues society, and one of the ways the government uses to resolve the situation is to enact laws that disarm civilian citizens. However, is this really the best alternative? Would civil disarmament be the best solution to this problem? We often hear that more weapons generate more violence and that only the State should have control over them. The fact is that there is little debate on this issue in Brazil, which leads to false ideas about firearms, as well as prejudices and stigmas around this issue, so this discussion about the rights of citizens to have or not ownership and/ or the possession of a weapon is of paramount importance for advancing public policies and providing for efficient legislative solutions. The objective of this paper is to demonstrate that firearms in a democratic society under the law are not the cause for the increase in crime and that the legislation that disarms the population is not aimed at guaranteeing citizen security.

Keywords: Firearms. disarmament. disarmament status. Public Security. Criminology.

              Introdução

Armas de fogo e sua aplicação na segurança pessoal do cidadão civil geram grandes debates, mesmo sem muito conhecimento sobre o assunto as pessoas defendem ferozmente sua posição acerca do tema, por muitas vezes, tal posição pode ser resultado de acontecimentos pessoais e, na maioria das vezes, partindo de premissas do senso comum, de noticiários policialescos ou ainda de jornais que dão vida a objetos inanimados, como, por exemplo, a de um carro que cria vida e sai “atirando” nas pessoas[2]: “homem morre e outro fica ferido após carro passar atirando em bento ribeiro, zona norte do rio”. Notícias como essa, sempre negativas sobre armas de fogo, massificam no meio social que armas de fogo só servem para matar, para cometerem crimes e nunca para protegerem vidas; além disso, não é tão comum encontrar livros e artigos sobre esse tema aqui no Brasil.

O presente artigo está divido em três partes: a primeira sobre as armas de fogo no mundo, demonstrando como as armas de fogo são tratadas em outros países; o segundo sobre as armas de fogo no Brasil, mostrando como é a legislação sobre armas de fogo e a terceira sobre as armas de fogo e o poder, nos fazendo refletir acerca da relação intrínseca que as legislações desarmamentistas têm com o poder e o despotismo. Se você está lendo este artigo é porque conseguiu sair do senso comum, assim sendo, espero que esta leitura diminua o preconceito contra armas de fogo e sua demonização que foi criada ao longo dos anos aqui no Brasil, bem como comprovar até o final deste artigo que não se trata de armas de fogo, trata-se de liberdade.

         Armas de fogo no mundo

Segundo o estudo “Estimating Global Civilian-held Firearms Numbers”[3] realizado pela Small Arms Survey, organização não governamental sediada em Genébra e que é referência mundial na questão da violência armada, realizou uma minuciosa pesquisa, dos 25 países com maior concentração de arma de fogo nas mãos do cidadão civil, relacionando o quantitativo de armas para cada 100 habitantes, no qual estão: Estados Unidos da América (120,5), Iêmen (52,8), Montenegro (39,1), Sérvia (39,1), Canadá (34,7), Uruguai (34,7), Chipre (34,0), Finlândia (32,4), Líbano (31,9), Islândia (31,7), Bósnia (31,2), Áustria (30,0), Macedônia (29,8), Noruega (28,8), Malta (28,3), Suíça (27,6), Nova Zelândia (26,3), Kosovo (23,8), Suécia (23,1), Paquistão (22,3), Portugal (21,3), França (19,6), Alemanha (19,6), Iraque (19,6), Luxemburgo (18,9), estes são os países mais armados do mundo, o Brasil não figura entre os 25 países mais armados do mundo, tendo uma estatística de 0,3 armas para cada 100 habitantes.

Os Estados Unidos da América figuram na liderança com aproximadamente 400 milhões de armas de fogo nas mãos dos cidadãos estadunidenses, portanto figurando em mais de uma arma para cada habitante. Importante salientar que em 2007 foi feita a mesma pesquisa tendo os EUA também liderando o ranking, na época, com 275 milhões, portanto tendo um aumento de 125 milhões de armas em 10 anos, ou seja, 12,5 milhões de armas novas por ano.

Caso o senso comum a qual afirma “mais armas, logo, mais crimes” estivesse correto, os Estados Unidos deveriam figurar o país mais violento do mundo em proporção de aumento de armas a cada ano. Ademais, percebe-se que a taxa de homicídios no período praticamente não variou e se manteve próxima de cinco homicídios por 100 mil habitantes, o que é 6 vezes menor que a do Brasil. Além disso, dentre esses 25 países mais armados do mundo, nenhum está na lista dos mais violentos[4], tendo taxas de homicídios extremamente baixos e tendo diferenças enormes de IDH, como economia, cultura, região etc. Cumpre salientar que a taxa mais alta de homicídio é a do Iraque, 8,00 para cada 100 mil habitantes, o que é muito menor que a do Brasil que é 30,00 para cada 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência.

Ademais, nem precisamos sair da América do Sul, pois temos o Uruguai dentro do ranking dos 25 países mais armados do mundo e com estatísticas de homicídio bem menores que a do Brasil, sendo de 6,3[5]. É inegável que o Brasil é mais evoluído do que o Uruguai em termos econômicos, culturais e sociais, tendo taxas como PIB e IDH superiores e mesmo assim julgam que os brasileiros são incapazes de possuir uma arma de fogo, vigorando ainda, como diria Nelson Rodrigues, o complexo de vira-lata.

Dentre as estatísticas dos países mais violentos do mundo, sendo aqueles com as maiores taxas de homicídios[6] estão em primeiro lugar El Salvador, em segundo Honduras e em terceiro Venezuela, os três países com maior taxa de homicídios do planeta com legislações sobre a posse e o porte de armas para o cidadão civil são altamente restritivas. O Brasil está no 13º lugar na posição dos países com maiores taxas de homicídios do mundo e, como é sabido, temos como legislação o Estatuto do Desarmamento vigorando atualmente no Brasil que, coincidentemente, serviu de base para a legislação desarmamentista da Venezuela.

          Armas de fogo no Brasil

Na história do Brasil, sempre tivemos relatos de controle de armas onde, desde o Brasil colônia, Portugal exercia seu poder absoluto sobre os que aqui residiam, como a exemplo das Ordenações Filipinas de 1603 que era um código de leis do início do século XVII a qual tinha validade para as colônias Portuguesas. Essa norma ditava os tipos de armas, horários e quais pessoas eram autorizadas a portar armas. Assim sendo, é indiscutível que essas restrições pontuais sobre as armas tinham como objetivo fazer com que as colônias não se emancipassem, não tendo nada a ver com a proteção da segurança e vida dos colonos. Tratava-se de uma restrição de liberdade, bem como os negros e os indíos que eram proibidos de ter armas, sob pena de morte, por óbvio por serem escravos, pois estes tinham a sua liberdade cerceada e eram subjugados. No estudo dos professores Arnaldo José Zangelmi e Izabella Fátima Oliveira de Sales “Armas no Termo de Mariana (1707-1736): Legislação e Direito Comum[7], in fine:

“Entretanto, mais do que diminuir a circulação desses instrumentos entre os “facinoros, a legislação contribuía no sentido de tornar as armas um elemento de distinção social, pois, esse privilégio se tornava cada vez mais restrito aos indivíduos considerados vassalos fiéis da Coroa. Neste sentido, o direito contribuía para o processo de hierarquização da sociedade.”

No Brasil República, durante o governo de Getúlio Vargas, o Decreto nº 24.602 de 1934, proibiu armas e munições consideradas de guerra para empresas particulares. Outorgado em 06 de julho de 1934, foi motivado pelas revoluções de 1930 e 1932. Foi o início do chamado R-105. Assim sendo, o decreto não foi desenvolvido visando a segurança pública, mas sim, evitar levantes populares em um período de exceção, como retratado no livro de Bene Barbosa e Flávio Quintela “Mentiram para mim sobre o desarmamento”[8]. Em 1997, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso apelou para o discurso da segurança pública com a intenção de reduzir o número de armas em circulação e sancionou a Lei nº 9.437/97. Além disso, o Decreto nº 3.655/2000 (R-105) é o causador de diversas aberrações jurídicas acerca das armas de fogo no Brasil, que teve o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e possibilitou ao Exército Brasileiro um controle maior sobre a regulamentação das armas de fogo e sobre o Tiro Esportivo, aliás, o Brasil é o único país democrático do mundo no qual seus atiradores esportivos são regulados pelo Exército.

A evolução da criminalização das armas de fogo se deu de forma sutil e gradual como demonstrado no artigo do Dr. Eduardo Pitta, ex-delegado, advogado e consultor de segurança:

Importante notar que antes da Lei 9437/97, apenas o porte ilegal de arma era tratado como delito, mais precisamente como Contravenção Penal e a simples posse de arma ilegal ocasionava somente apreensão do armamento. O indivíduo preso em flagrante de porte ilegal de arma de qualquer calibre ou tipo era autuado em flagrante e, caso não contasse com condenação criminal anterior, era colocado em liberdade após o pagamento de fiança. Após isto a posse e o porte ilegal de armas como delitos passeiam por vários tratamentos legais, indo de crime de menor potencial ofensivo (Lei 9099/95), para crime comum através da Lei 9437/97, em 2001 volta a ser tratado como infração de menor potencial ofensivo por força da Lei 10259 e daí para crime hediondo em apenas mais uma canetada (Lei 13497/17, referente porte e posse de arma de calibre restrito), até que as novas classificações de calibres restritos e permitidos sofressem as alterações atuais.

Atualmente vigora no Brasil a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, denominada como Estatuto do Desarmamento, promulgado no governo do ex-presidente Lula que essa lei é promulgada. Essa lei tem várias questões discutíveis, como por exemplo, o fato de ter sido promulgada na mesma época em que ocorria o Mensalão e tendo como relator, coincidentemente, o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, do Partido dos Trabalhadores (PT), além disso, foi promulgada também às vésperas do Natal, o que constitui uma estratégia política, pois em fim de ano, em vésperas de datas comemorativas, as pessoas não fazem protestos e não estão atentas ao que acontece no congresso nacional. Outra questão importante é que se chama “Estatuto do Desarmamento” não à toa, pois a ideia inicial era desarmar à todos, até mesmo os policiais deveriam apenas portar armas no exercício da função e ao final do expediente deveriam deixar suas armas nas corporações, bem como tinha como escopo proibir a comercialização das armas de fogo no Brasil, ponto este que para ser aprovado deveria passar por um referendo que ocorreu em 2005, mas a população brasileira ao votar manifestou ao Estado que queria o direito ao acesso às armas de fogo, tendo como resultado 63,94% dos cidadãos votaram “não” à proibição da comercialização de armas de fogo.

Antes de existir essa lei restritiva sobre armas no Brasil, há de se observar que as taxas de homicídio por arma de fogo eram bem menores do que as da atualidade, sendo que na década de 1990 a taxa de homicídio era de 26,2 para cada 100 mil habitantes[9] e após a promulgação do Estatuto do Desarmamento tivemos diversos recordes em números de homicídios no Brasil, como demonstra Dr Fabrício Rebelo em seu artigo:

A constatação mais direta é a confirmação, agora oficial, de que o país superou, de fato, a marca dos 60 mil homicídios anuais. Em 2016, o rótulo “Agressões” do SIM/DATASUS, no qual são inseridas as mortes intencionais, aponta o total de 61.143 registros, com uma alta de 5,17% em relação aos 58.138 assassinatos de 2015. É o recorde da série histórica, que anteriormente pertencia ao ano de 2014, com 59.681 casos – foram 1.462 mortos a mais em 2016. Os recordes, contudo, prosseguem. Além do maior número total de homicídios de toda a série histórica, os registros específicos para os crimes letais cometidos com uso de arma de fogo também nunca haviam sido tão elevados. Foram 44.475 ocorrências, com alta de 6,36% em relação ao ano anterior (2015, com 41.817 casos). Isso fez com que a participação das armas de fogo no total de homicídios chegasse a 72,74% do total, o terceiro recorde contido nos números de 2016.

Em 2017 chegou a alarmante taxa de 31,6 homicídios para cada 100 mil habitantes[10], o que é considerado epidêmico segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), sendo ainda mais grave o fato de Estados chegarem a ter taxas de 50 homicídios para cada 100 mil habitantes.

Assim sendo, o Estatuto do Desarmamento não alcançou o principal objetivo que essa lei deveria ou prometia promover, que seria a queda na taxa de homicídios no Brasil, pelo contrário, tivemos a cada ano o crescimento elevado desses números, o que conclui o absoluto fracasso dessa lei que desarmou a população brasileira, mesmo o povo brasileiro tendo votado a favor ao acesso às armas de fogo no referendo de 2005. Aqui nos é dever ressaltar que o governo federal ignorou completamente os votos do referendo, afrontando a democracia e a vontade popular ao permitir que o Estatuto do Desarmamento proibisse legalmente as armas e encarcerando o cidadão que segue à lei dentro de sua casa.

Nos é de amplo conhecimento que aqueles que utilizam de armas de fogo para cometer crimes pouco se importam acerca do tipo de legislação em vigor ou não (já que terão acesso ás armas de fogo por meio contrabando internacional, fabricação caseira, mercado negro das armas de fogo, etc), sendo, portanto, o cidadão de bem o único prejudicado nesse cenário, pois enquanto o criminoso tem acesso ilimitado às armas de fogo, o cidadão não pode ter.

Analisando o cenário social antes do Estatuto do Desarmamento, a arma de fogo era de fácil acesso ao cidadão comum quando comparamos com os dias atuais. Antes um cidadão brasileiro médio conseguia obter em uma delegacia da polícia civil de seu bairro uma autorização em menos de um mês para conseguir, por exemplo, um revólver em sua casa para proteger sua família. Atualmente, vigora requisitos altamente elitistas e observa-se que um cidadão comum não pode mais obter com tanta facilidade esse tipo de arma para sua proteção por conta da alta burocratização do acesso e do valor exorbitante que se exige para poder adquirir uma simples posse de arma de fogo para se ter dentro de casa, podendo levar até um ano, imagine ousar tentar solicitar à Polícia Federal o porte de arma. Desse modo, torna-se claro que antes possuíamos uma cultura armamentista que agora está aparentemente extinta, tendo em vista que a demonização às armas está sendo comum entre a massa popular. As armas de fogo estavam tão presente no dia a dia do cidadão que tínhamos exemplos de senhoras de idade andando armadas para se proteger e de adolescente de 15 anos usando revólver para proteger sua vida e de sua irmã, como demonstra reportagem da época[11], assim sendo, argumento de que a posse e/ou porte de armas aumentariam o crime não se viam comprovados pela baixa taxa de homicídios conforme amplamente demonstrado neste artigo.

Em 2019, o Brasil bateu o recorde de aquisição de armas de fogo por parte da população, em contrapartida tivemos a maior queda na taxa de homicídios desde 1999, vejamos neste trecho do artigo do pesquisador Fabrício Rebelo:

Em 2018, haviam sido vendidas, no total, 196.733 armas no país, o que representou 42,4% a mais em relação a 2017 (138.132). Destas, 35.758 para pessoas físicas comuns – excluindo policiais, agentes de segurança, colecionadores, atiradores e caçadores (CAC). O número foi 8% maior do que em 2017 (33.109). Já em 2019, mesmo sem computar o mês de dezembro, tais registros somaram 44.181, já com 24% de aumento. São, portanto, dois anos de uma série consolidada de recordes inversos: drástica queda de homicídios, sobretudo aqueles com uso de arma de fogo, e substancial elevação na venda destas armas. E é exatamente isso que pode comprometer a ênfase nos números, tendo em vista que, mais uma vez, a máxima que vem regendo a abordagem do tema ao longo de quase duas décadas é empiricamente desconstituída. Afinal, novamente a relação entre armas legalmente postas em circulação e quantidade de homicídios se revelou inversamente proporcional.

Além disso, em setembro de 2020 o DATASUS[12] (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil) consolidou esses mesmos indicadores e ratificou a maior queda de homicídios em 40 anos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, referência nesse tipo de levantamento, publicou os exatos mesmos números e de acordo com os dados publicados no Anuário de Segurança Pública 2020[13], entre 2017 e 2019, houve incremento de 65,6% no quantitativo de armas de fogo, tendo um aumento substancial em armas desse tipo registradas entre civis em números absolutos, saltando de 637.972 (2017) para 1.056.670 (2019), mostrando assim a correlação [e não causalidade] entre as armas legais e homicídios que se mostrou em inversa proporção numérica. Similarmente, em 2017 e 2019, houve aumento de 65,9% nos registros civis de arma de fogo, acompanhado de uma redução de 30,93% no total de homicídios e de 35,12% nos específicos homicídios cometidos com uso de armas desta natureza.

           Amas de fogo e poder

A relação entre armas de fogo e governos totalitários é intrinsecamente relacionada, já que todo líder despótico ao longo da história realizou um padrão: desarmou a população para subjugá-la. Ora, não é interessante para um governo que quer seus cidadãos reféns que estes tenham armas para se defenderem, pois é mais conveniente desarmar todos para que não haja resistência. E aí vem a questão, quem seria louco de entregar sua própria arma a um governante totalitarista?

De fato, temos registros históricos para elucidarmos essa questão, o mais evidente e emblemático é o do nazismo na Alemanha, muito bem explicado no livro “Hitler e o Desarmamento” de Stephen P. Halbrook[15], no qual retrata como a ditadura nazista reprimiu os ditos “inimigos do Estado” que incluia adversários políticos, judeus, entre outros. Mostra também como a restrição de posse de armas de fogo foi elemento para criação de uma tirania e ajudou a consolidar o poder de Hitler na Alemanha, sobretudo intensificou a perseguição aos judeus. Em Cuba, na revolução de Fidel Castro, se utilizou de camponeses armados descontentes com o governo corrupto de Fulgêncio Batista. Fidel Castro conclamou o povo para derrubar o governo de Batista, com o argumento de que estariam lutando por suas liberdades. Nas últimas investidas contra as tropas de Fulgêncio Batista, Fidel Castro chamou somente quem tinha armas próprias, pois ele não contava com armas suficientes e, logo após tomar o poder, fez primeiramente uma campanha de recolhimento voluntário dessas armas de fogo para depois mudar para o total confisco das armas. Em seus discursos falava que o governo cubano iria proteger todos os cidadão, porém o que ocorreu foi uma das mais longas ditaduras do mundo, impedindo novos levantes populares para frear o despotismo que emergia.

O exemplo mais recente de controle e opressão, no qual o Brasil teve relevante participação, foi na elaboração da lei que desarmou o povo venezuelano, no qual ONGs como Viva Rio, do professor Rangel Bandeira, auxiliou Hugo Chávez para elaborar uma legislação com o intuito de desarmar o povo venezuelano, essa legislação venezuelana, portanto, é baseada em nossa legislação (Lei nº 10.826/2003). O fatídico resultado dessa legislação desarmamentista na Venezuela resultou, em sua capital, Caracas, na criação da capital mais violenta do mundo.

Portanto, no mundo, os Estados que trataram sobre restrições de armas de fogo tinham como objetivo o controle social, como por exemplo: Angola, Coreia do Norte, diversos países da África, Camboja, Vietnã. Um fato interessante é que o maior massacre, por exemplo, que ocorreu na África, com cerca de 700 mil mortos, foi feito com facões comprados da China, sendo assim, nem toda violência praticada com uso de armada é exatamente com arma de fogo.

Atualmente, são mundialmente difundidos dois grandes “sucessos” de políticas desarmamentistas: a Inglaterra e o Japão. Porém a parte não contada é que o desarmamento desses países nada teve a ver com a segurança individual dos cidadãos ingleses e japoneses, e sim com o objetivo único de poder, como retrata a obra “Violência e Armas”[16] da historiadora Joyce Lee Malcolm, que faz uma minuciosa pesquisa histórica sobre como se deu o desarmamento na Inglaterra e por que, atualmente, a Inglaterra é o país mais violento da Europa, contrariando os argumentos de que o desarmamento foi bem sucedido nesse país.

Além disso, no Japão o desarmamento se deu no século XVI e o objetivo era subjugar a população camponesa, assim sendo os senhores feudais pagavam os samurais, para acabar com os levantes populares e tentar unificar o Japão, e, para fazer isso, precisavam ser superiores belicamente, portanto as armas de fogo vão sendo introduzidas pelos portugueses por volta de 1500 e o Japão com sua metalurgia avançada difundiu rapidamente em todo o território japonês a arma de fogo, a partir disso percebeu-se que o contexto das guerras contra os camponeses mudaram e a unificação do Japão se tornou mais difícil, pois a arma de fogo era de fácil manuseio de modo que um camponês aprendia a manusear a arma com uma semana de treino, enquanto que para se formar um samurai levava-se anos. Por conta disso, os senhores feudais iniciam o confisco das armas de fogo, tendo como narrativa que a arma de fogo era uma contaminação ocidental juntamente com o Cristianismo, pois foram introduzidas por Portugal. Além disso, iniciam uma campanha para entrega voluntária das armas para derretê-las e com o material fazer uma grande estátua de Buda, o que nunca ocorreu. Logo após, os senhores feudais monopolizaram de vez as armas de fogo e as espadas ficaram restritas aos samurais. Após a pacificação do Japão, as armas de fogo são deixadas de lado por serem consideradas uma contaminação ocidental, porém isso se torna ruim para o Japão quando os chamados navios negros americanos vão a Tóquio e disparam contra o litoral do país, com o objetivo de intimidá-los a abrirem seus portos, nesse sentido o Japão se viu numa posição inferior belicamente, pois tinham abandonado as armas de fogo e foram, com isso, obrigados a abrir os portos ao ocidente. Outro contexto relevante foi que o Japão somente entrou na Segunda Guerra Mundial por conta do desarmamento, e não só por conta dessa imposição das aberturas dos portos, como também em um ato de vingança, atacam Pearl Harbor, fazendo, assim, com que os Estados Unidos entrassem na Segunda Guerra Mundial.

Outra questão importante, que geralmente é levantada nesse assunto, é que é dever do Estado proteger o cidadão, pois nós, meros cidadãos indefesos, não somos obrigados a assumir a função de agentes de segurança pública. Bom, em que pese isso fosse uma meia verdade, se vivêssemos em uma utopia, ou melhor, em uma distopia, daria de realmente adotarmos essas medidas, porém o que se vê na realidade é que o Estado é incapaz de proteger o cidadão 24h por dia, mesmo a polícia brasileira sendo uma das mais capacitadas e treinadas do mundo, prova disso é que a polícia do Brasil tem mais horas de combate real do que muitas polícias do mundo [o que é ao mesmo tempo bom e ruim], e isso demonstra que nossa polícia é atuante; porém também demonstra que a criminalidade no Brasil realmente é epidêmica como aponta a ONU, no livro Direito Operacional[17] do major do BOPE/RJ, Eduardo Novo, é relatado que é comum no Rio de Janeiro haver diariamente diversos confrontos em que policiais trocam tiros com traficantes os quais possuem armamentos de grosso calibre, como é comum vermos em noticiários diversas apreensões em que os criminosos são vistos em posse de armas que nem mesmo o Exército Brasileiro tem acesso, como no caso da metralhadora M60, calibre 7,62 [modelo idêntico ao usado pelo personagem Rambo em seus filmes de guerra], apreendida pela polícia militar do Rio de Janeiro, em 09 setembro de 2017. Surpreendentemente, há quem argumente que o bandido rouba ou furta a arma do cidadão de bem para praticar crimes, sendo que as armas que os criminosos usam atualmente são até melhores que as das próprias forças policiais.

         Segurança pública e as armas de fogo

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe, em seu artigo 144, que: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. Inicialmente, a segurança pública, segundo Antônio Francisco de Souza (2009, p. 300) é:

A um estado que possibilita (viabiliza) o livre exercício dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição e na Lei. A segurança é, simultaneamente, um bem individual e coletivo, tal como a sociedade pertence a todos e a cada um.

Na Declaração de direitos de Virgínia, de 1776, é mencionada em seu artigo 1º que todos os homens nascem livres e têm direito à liberdade, à vida, propriedade, de procurar a felicidade e de ter segurança (Rodrigues, 2009)[18]. A Declaração Universal dos Direitos Humanos sintetizou os valores comuns de toda a humanidade, reunindo em um dispositivo três decisivos fundamentais direitos. O artigo 3º aduz: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (Rodrigues, 2009, p. 139)”. O Pacto Internacional dos direitos Civis e Políticos, de 1966[19], estabelece que o ideal do ser humano está unido ao gozo das liberdades civis e políticas. Para tanto, o Estado deve estabelecer condições para assegurar esses direitos. Nesta senda, o artigo 9º, inciso I, do pacto aduz que toda pessoa deve ter garantido a liberdade e a segurança pessoal. Nessa seara, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, teve uma ideia errônea de que a segurança é somente para combater a criminalidade, violência etc, já que certamente é mais do que isso. Portanto, ao definir o que é segurança pública na CRFB/88 o legislador foi extremamente superficial.

A problemática do artigo 144 da Constituição Federal é que, inicialmente, é elencado como se a segurança pública fosse problema somente das instituições policiais, o que não é verdade, pois temos instituições policiais infelizmente falidas, infelizmente. Nesse diapasão, é como se toda problemática oriunda da segurança pública fosse culpa dessas instituições. Além disso, o art. 144 elenca que o único objetivo é manter a ordem pública, conceito este que os doutrinadores sequer chegaram a um consenso do que realmente seria, bem como o referido artigo objetiva evitar ao máximo um Estado de anomia, ou seja, evitar um caos social. A problemática encontrada é que a restrição do art. 144 da CRFB/88 faz com que leis, portarias, decretos, etc, criados inicialmente para garantir a ordem pública, ataquem as liberdades individuais por meio de uma falsa ideia de que o Estado será um garantidor único e exclusivo da segurança individual, no qual elenca que é direito de todos, porém o Estado não vai garantir a segurança individual de todos. A ideia de que necessitamos de um Estado que seja capaz de proteger a todos seria uma utopia, ou melhor dizendo, uma distopia. Ora, para se ter esse nível de proteção teríamos que ter um Estado de proteção 24 horas por meio de tecnologia de vigilância constante para que se garanta a ordem pública, portanto todos seriam vigiados o tempo todo, não é preciso ter lido o livro 1984 de George Orwell para saber que isso seria um Estado de opressão e iria contra as liberdades individuais das pessoas. Nesse sentido, nem mesmo os países onde se tem uma segurança pública eficiente, são capazes de combater todo o crime, pois é algo humanamente impossível. Se é responsabilidade do Estado proteger a todos, então o Estado deveria se responsabilizar pelos crimes, porém o próprio Estado reconhece que não é obrigação proteger a todos, um exemplo disso é a decisão do TJRS[20] onde em primeira instância:

“Impossível, todavia, a ação preventiva em particular a cada cidadão e sua família em todos os locais e circunstâncias da vida. Tanto seria exigir que os agentes estatais estivessem presentes em todos os lugares, ao mesmo tempo, asseverou o magistrado.”

Em grau de recurso:

“O delito ocorreu em local público, à luz do dia, tendo o criminoso abordado à vítima, já armado, atirando contra a sua face, sem chance de defesa. Exigir-se do Estado uma vigilância específica para evitar a consecução do crime, nesse contexto, seria materialmente impossível.”

Na decisão do TJRS – Apelação Cível: AC 70046355186 – ocorre um sequestro relâmpago que é cometido por um foragido, no qual o Estado deveria ter a obrigação de recapturar, ou de mantê-lo preso, contudo a vítima entra com uma ação contra o Estado e a decisão é mantida para a absolvição no mesmo sentido da não obrigatoriedade do Estado de proteger a todos.

Decisão TJRS – Apelação Cível: AC 70046677589 – Ocorreu um homicídio em frente a um fórum e mesmo assim o Estado foi inocentado pela mesma argumentação, certamente que se o Estado fosse condenado por cada crime que ocorre no Brasil estaria falido por pagar tantas indenizações, porém mostra a narrativa de que o Estado não tem a obrigação de proteger a todos ao mesmo tempo.

Assim sendo, não se confunde a atuação de um agente de segurança pública no combate ostensivo à criminalidade para um cidadão civil que quer obter uma arma de fogo para ter em posse dentro de sua residência com o intuito de proteger sua família e sua propriedade. Devemos jogar luz ao fato de que isso perfaz um direito previsto constitucionalmente da garantia da vida, da família, da inviolabilidade à residência, além da própria segurança ser direito fundamental.

Todavia, como garantir todos esses direitos quando só quem tem a posse da arma é o bandido, que entra na casa do cidadão desarmado para assaltar, cometer latrocínio e tantas outras atrocidades que vemos no dia a dia no Brasil? Para responder a essa indagação, assevera o Dr Eduardo Pitta, Delegado aposentado da Polícia Civil do Estado de São Paulo em seu artigo[21]:

“Com Leis Penais redigidas, aprovadas e promulgadas ao sabor das circunstâncias temporais e ideológicas de cada momento histórico fica difícil para a sociedade saber o que realmente dá certo em relação às políticas de segurança pública. O que sei como testemunha histórica de toda essa sopa de letrinhas legal, é que o desarmamento civil não serve como medida de segurança pública, pois coloca o cidadão sob a tutela de um Estado omisso e descompromissado verdadeiramente com a proteção da sociedade.”

Por lógica, o Estado é incapaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo evitando assaltos, estupros, violação às residências e homicídios. Por isso, como já mencionado no início deste artigo, a questão não se trata de armas de fogo; trata-se de liberdade. Esse tipo de armamento é mero instrumento de equiparação de forças, é um objeto inanimado que visa garantir as liberdades individuais e direitos constitucionais já mencionados, assim como afirma Filocre[22] que a liberdade é um dos maiores direitos do homem, assim como a segurança pública, ademais, segurança e liberdade não surgem do nada e nem se garantem por si só, sendo necessário políticas públicas para sua garantia. Assim sendo, o direito é mais do que isso, a liberdade de se ter acesso às armas de fogo são imprescindíveis para a garantia da segurança do cidadão, e não se pode aos poucos entregar a nossa liberdade individual para o Estado, mesmo sendo em prol de uma segurança relativa, assim como Benjamin Franklin disse certa vez que “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança”. A escolha de possuir uma arma deve ser única e exclusivamente do cidadão, e não uma imposição do Estado. Quando ocorre tal restrição de liberdade, é justamente quando o despotismo cresce, portanto não é racional adotar políticas utilitaristas para cercear as liberdades individuais de um povo.

           Considerações Finais

As legislações sobre armas de fogo ao redor do mundo mostram que os países mais armados do mundo não figuram entre os países com maior taxa de criminalidade. Além disso, no Brasil, com a implementação do estatuto do desarmamento, as taxas de homicídio aumentaram gradativamente, alcançado taxas alarmantes e epidêmicas, como relaciona a ONU. Tal situação, vai de encontro ao objetivo principal da lei que desarmou a população brasileira e maculou nossa história, um dos maiores fracassos para se conter a criminalidade; já que, como vimos, as legislações desarmamentistas nada tem a ver com segurança pública ou segurança individual do cidadão. Tratam-se sobretudo de políticas ideológicas que de nada adiantam para conter a criminalidade. Por fim, como bem relacionado ao longo da história, leis que tratam de desarmar a população têm objetivo o controle social e monopolização; de modo que os ditadores de nossa história obrigaram a população a entregar suas armas com o intuito de evitar levantes populares que ameaçavam a ditadura. Portanto, concluímos que não se trata sobre armas de fogo, trata-se de liberdade.

 Referências:

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