VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: o assustador crescimento do feminicídio no Brasil e o dever de proteção do Estado
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: o assustador crescimento do feminicídio no Brasil e o dever de proteção do Estado
Carolina Pompeu Moraes
Maria Clarice Leonel
As desigualdades de gênero são resultados de uma construção sociocultural secular, não encontrando respaldo nas diferenças biológicas da natureza. Assim, num sistema de sujeição, dominação e de poder, passa-se a considerar natural a desigualdade construída socialmente. (Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa, 2019)
RESUMO:
O presente artigo tem como objeto de estudo a VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: o crescimento do feminicídio no Brasil e o dever de proteção do Estado levanta como problema de pesquisa a seguinte indagação: A violência contra a mulher em decorrência de uma sociedade historicamente, patriarcal, machista e misógina pode ser relacionada ao crescimento do Feminicídio no Brasil? O estudo tem como objetivo geral demonstrar que o crescimento do crime de feminicídio no país está relacionado com a cultura patriarcal, machista e misógina da sociedade e que as Políticas de proteção do Estado diante da violência doméstica contra a mulher não têm se mostrado suficientemente eficazes. A metodologia aplicada é do tipo pura (teórica), a qual adota análise quanti-qualitativa e o método dedutivo, considerando que parte de uma análise geral sobre a violência doméstica e o feminicídio para uma análise particular sobre o feminicídio íntimo, estatísticas do crime de feminicídio, dosimetria da pena e a necessidade de reeducação do agressor. O texto está estruturado em 3 partes: O delito de feminicídio: o genocídio de mulheres pela sua condição social; Tipos de feminicídio, estatísticas oficiais do feminicídio íntimo, e a pena imposta ao agressor prevista na Lei nº 13.104/2015, agravada pela Lei nº 13.771/18; A efetividade da Lei nº 13.104/15 e o controle da morte de mulheres pelo Estado. Os resultados sobre o objeto de estudo indicam que: A violência doméstica é consequência da desigualdade sociocultural; o feminicídio é um crime apoiado na misoginia; o Estado é omisso no controle da morte de mulheres em razão de gênero; a criminalização do feminicídio com intuito de cessar e prevenir violências contra a mulher. Assim, é necessário divulgar amplamente os direitos das vítimas de violência doméstica e importante o apoio psicossocial e a reeducação do agressor para que não tenha reincidência.
PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica. Feminicídio. Dever de proteção.
ABSTRACT:
The present article has as an object of study of the Domestic Violence, the scary growth of feminicide in Brazil and the duty of protection of the state, raises as a research problem for the following inquiry: Violence against women in the course of a historically, patriarchal, sexist, misogynistic society can be related to the growth of feminicide in Brazil? The study has as a general goal, to demonstrate that the growth of the crime of feminicide in Brazil is related to patriarchal, sexist, misogynistic society, and that the state’s protection of feminicide violence against women, has not been shown to be sufficiently effective. The applied methodology is of the pure (theoretical) type, which adopts quanti-qualitative analysis, and the deductive method, considering that it starts from a general analysis on domestic violence and feminicide to a particular analysis on intimate femicide, crime statistics of femicide, penalty dosimetry and the need for re-education of the assailant. The text is structured in three parts, the offense of feminicide, the genocide of women for their social condition; kind of feminicide, official statistics of intimate feminicide, and the penalty imposed on the assailant predicted in law 13.104/2015, aggravated by law 13,771/18, the effectiveness of law 13.104/15 and the control of women’s death by the state. The results on the object of study indicate that domestic violence is a consequence of sociocultural inequality; feminicide is a crime supported in misogyny; the state is omitted in control of women’s death in gender reason, the criminalization of feminicide with the intuit to cease and prevent violence against women; It is necessary to broadcast the rights of domestic violence, it is important the psycho-social support and the re-education of the assailant to make sure that you don’t have a recurrence.
KEYWORDS: Domestic Violence. Feminicide. Duty of Protection.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O DELITO DE FEMINICÍDIO: O GENOCÍDIO DE MULHERES PELA SUA CONDIÇÃO SOCIAL. 3 TIPOS DE FEMINICÍDIOS, ESTATÍSTICAS OFICIAIS DO FEMINICÍDIO ÍNTIMO, E A PENA IMPOSTA AO AGRESSOR PREVISTA NA LEI 13.104/2015, AGRAVADA PELA LEI 13.771/18. 4 A EFETIVIDADE DA LEI 13.104/15 E O CONTROLE DA MORTE DE MULHERES PELO ESTADO. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema de estudo a VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: o assustador crescimento do feminicídio no Brasil e o dever de proteção do Estado. Levanta-se como problema de pesquisa a seguinte indagação: A violência contra a mulher em decorrência de uma sociedade historicamente patriarcal, machista e misógina pode estar relacionada ao crescimento do feminicídio no Brasil? Acerca do objeto de estudo, aponta-se como questões norteadoras: A violência contra a mulher pode ser considerado um problema atual que decorre de um longo processo de opressão do gênero feminino? A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006), como marco na luta contra a desigualdade de gênero reduziu os dados estatísticos do feminicídio no Brasil? O Estado, no exercício do controle social, adotou medidas eficazes na proteção das vítimas de violência doméstica e familiar? Assim, o referido objeto insere-se na área de conhecimento do Direito Penal.
Diante de tal contexto e face às suas consequências, é necessário falar sobre esse problema emblemático sobre a violência contra a mulher em decorrência da sociedade historicamente machista, patriarcal e misógina, e compreender porque a mulher sofre violência no âmbito familiar. A partir disso, buscou-se estudar a origem da violência, especificadamente no crime de feminicídio. Existem diversas Leis que surgiram nos últimos anos em prol da proteção à vítima de violência doméstica, dentre elas surgiu a Lei nº 11.340/2006 denominada “Maria da Penha”, que é considerada um grande avanço para a sociedade brasileira, punindo as agressões contra a mulher vítima de violência doméstica, tendo em vista que foram criadas as medidas protetivas de urgência, bem como puniu mais severamente os agressores. Também foi criada a Lei do feminicídio nº 13.104/15, sendo agravada pela Lei nº 13.771/18, mesmo com as alterações realizadas para coibir as agressões, o índice de feminicídios tem aumentado durante os últimos anos.
Partindo deste pressuposto, o presente trabalho tem como objetivo geral demonstrar que o crescimento do crime de feminicídio no Brasil está relacionado com a cultura patriarcal, machista e misógina da sociedade, e que as Políticas de proteção do Estado diante das violências doméstica contra a mulher não têm se mostrado suficientemente eficazes. Os objetivos específicos que definem a estrutura do texto são: 1) Analisar o delito do feminicídio, no que concerne ao genocídio de mulheres pela sua condição social; 2) demonstrar os tipos de feminicídio, estatísticas oficiais do Feminicídio íntimo, e a pena imposta ao agressor prevista na Lei nº 13.104/2015, agravada pela nº 13.771/2018 e; 3) Avaliar a efetividade da Lei nº 13.104/2015 e o controle da morte de mulheres pelo Estado.
Com vistas ao alcance destes objetivos, a metodologia adotada foi do tipo pura (teórica) a qual adota a análise quanti-qualitativa, com intuito de discutir a realidade sobre a violência contra a mulher no Brasil demonstrando os tipos de feminicídio com o objetivo de elucidar as diversas formas de violência contra a mulher e abordar a análise das estatísticas oficiais do feminicídio. O método utilizado foi o dedutivo, considerando que o estudo parte de uma análise geral sobre a violência doméstica e o feminicídio enquanto a morte de mulheres pela sua condição de gênero, analisando as estatísticas e crescentes do feminicídio íntimo, os agravantes de pena ao agressor e culminando com a análise sobre a efetividade da Lei nº 13.104/2015, observando, ainda, que basta punir o agressor, o Estado e a sociedade em conjunto devem reeducar esse agressor, desconstruindo essa sociedade patriarcal, machista e misógina que ainda vigora.
A pesquisa em tela está estruturada em três partes. A primeira parte denominada O delito de feminicídio: o genocídio de mulheres pela sua condição social, aborda a violência doméstica, a qual ocorre no âmbito doméstico, na relação familiar ou afetiva, caracterizado, por agressões e submissão da mulher por razão de gênero. A sociedade misógina, machista e patriarcal contribui com a crescente violência contra a mulher em razão da sua condição de gênero. Demonstra o feminicídio como fenômeno que confronta as Leis criadas para proteção da mulher vitimada, ante as alterações jurídicas para qualificá-lo.
A segunda parte intitulada como Tipos de feminicídio, estatísticas oficiais do feminicídio íntimo, e a pena imposta ao agressor prevista na Lei nº 13.104/2015, agravada pela Lei 13.771/2018, demonstra o expressivo aumento do feminicídio no Brasil, mesmo após a criação de lei específica para punir o agressor. Discorre sobre os tipos de feminicídio relatados e analisa estatísticas oficiais do feminicídio, onde o maior número de casos é de feminicídio íntimo, quando a mulher tem relação afetiva ou familiar, convivência e afins com o agressor.
Ademais, na terceira parte intitulada A efetividade da Lei nº 13.104/2015 e o controle da morte de mulheres pelo Estado, versa sobre o cumprimento da Lei dos Feminicídio e a proteção à mulher vítima de violência doméstica. Analisa a efetividade do Estado e sociedade com objetivo de reduzir os casos de feminicídios por meio de uma Lei que pune o agressor, mas que também acolhe o agressor para reeducá-lo com objetivo de coibir reincidência desse tipo de crime. Contudo, a realidade demonstra a ineficácia da lei, assim como apresentado de acordo com dados oficiais, o feminicídio tem aumentado desde a criação da Lei deste.
2 O DELITO DE FEMINICÍDIO: o genocídio de mulheres pela sua condição social
A violência doméstica contra a mulher é aquela que ocorre no âmbito íntimo do lar, na relação familiar ou afetiva, caracterizado pela agressão e coerção com o objetivo de levá-la a submissão pelo simples fato de ser mulher (BENFICA, 2008). Existem diversas formas de manifestação e grau de severidade da violência. Estas formas de violência não se produzem isoladamente, mas fazem parte de um ciclo de violência onde o homicídio é a manifestação mais extrema.
A cultura da violência doméstica decorre das desigualdades no exercício do poder, levando assim uma relação de ‘dominante e dominado’, que apesar de se obter avanços na equiparação entre homens e mulheres, a ideologia patriarcal ainda vigora, e a desigualdade sociocultural é uma das principais razões da discriminação feminina (DIAS, 2007, p.15-16).
Diante do histórico de uma sociedade patriarcal, houve um grande avanço em relação ao direito das mulheres. Conforme o tempo, surgiram leis para protegê-las contra práticas abusivas em relação à violência e tornando-as crimes, dentre elas a Lei Maria da Penha 11.340/2006, visando a proteção das mulheres no âmbito doméstico e familiar e a Lei do Feminicídio 13.104/2015, a qual considera feminicídio quando o assassinato decorre de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima (ARJONA, 2019).
Com o objetivo de caracterizar o feminicídio como o assassinato de mulheres em razão do gênero, o conceito de feminicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel (1976), quando esta proferiu uma conferência para mulheres de 40 países, no Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres (MELLO, 2020), realizado em Bruxelas (Bélgica), definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres.
O termo “feminicídio” foi utilizado no México, em razão de condenação do Estado Mexicano na Corte Interamericana de Direitos Humanos para investigar todos os casos de feminicídio ocorridos no país, desde o ano de 1993, quando diversas mulheres foram mortas violentamente ou desapareceram na Ciudad Juarez (LOPES, 2015).
A maioria das mulheres assassinadas em Ciudad Juarez são jovens migrantes, ou de famílias de migrantes, operárias da indústria. Com o passar dos anos, alguns crimes também envolveram mulheres de maior idade, com outras ocupações, assim como adolescentes, meninas e até bebês com poucos meses de vida. Contudo, continuaram a prevalecer as jovens operárias (Tercer informe de gestión, 2005/2006). As descrições sobre o modus operandi sugerem um cenário de horror: os corpos são encontrados em valas e terrenos baldios com marcas de violência sexual, tortura, algumas têm as mãos atadas e são visíveis sinais de estrangulamento. Alguns corpos são esquartejados. Além das mortes, há inúmeros casos de desaparecimentos, sobre os quais também paira a certeza de que ocultam homicídios. As mortes em Ciudad Juarez são sempre descritas com uma aura de mistério, seja pelas características dos crimes – cujas práticas são descritas como partes de rituais –, seja pela omissão do Estado e a existência de algo que parece ser um ‘poder’ maior que protege os responsáveis pelos crimes e pelas ameaças contra a vida de todos aqueles que tentam levar adiante alguma investigação sobre os casos. Não há consenso sobre o número de mortes e desaparecimentos. De acordo com a deputada e feminista Marcela Lagarde, a Comissão Nacional de Direitos Humanos reconhece que, entre 1993 e 2003, 263 mulheres foram assassinadas e 4500 estavam desaparecidas em Ciudad Juarez e na região de Chihuahua. Já a Anistia Internacional, em seu informe, afirma que no mesmo período foram 370 assassinatos (PASINATO, 2011).
O Estado mexicano foi completamente omisso durante 15 anos de assassinatos, pouco se avançou com as investigações e identificação dos criminosos. No ano de 2000, pressionado pelos movimentos de mulheres e feministas locais e internacionais e pelas agências internacionais de defesa dos direitos humanos, foram criadas as Comissões de Direitos Humanos e de Verdade e Reparação para investigar os casos.
É necessário elucidar que nem toda mulher assassinada terá a morte qualificada como feminicídio. Se o crime se enquadra como latrocínio – roubo seguido de morte – dificilmente será considerado um feminicídio. Provavelmente, a causa primeira era despojar a vítima de algum bem e, em seguida, foi cometido o homicídio (BEZERRA, 2020).
O feminicídio é o assassinato de uma mulher por razão de gênero, ou seja, pelo simples fato de ser mulher. Ocorre quando a mulher morre porque o companheiro ou ex-companheiro pensa que esta é sua propriedade. Esse tipo de crime está apoiado na misoginia, ou seja, o ódio às mulheres e ao universo feminino. O conceito de misoginia abarca os sentimentos de desprezo, comportamentos agressivos, depreciações, violência sexual, preconceito, repulsa e aversão às mulheres, objetificação do corpo feminino e morte de mulheres em razão do gênero.
Como visto, a misoginia está relacionada a construção do gênero feminino com uma ideia de submissão, subserviência e inferioridade. De acordo com essa cultura, no fim de relacionamentos, o homem não consegue enxergar a mulher como alguém que pode sair dessa condição em suas próprias vontades. A questão do gênero é o principal motivador para que ocorra o feminicídio (CIANNI, 2020).
O Brasil tem um extenso histórico de violências contra as mulheres e é o 5° país a matar mais mulheres. Vale ressaltar que a origem desta violência se encontra na sua formação histórica. Desde a colonização, as mulheres vêm sofrendo diversos tipos de violências. É evidente que muitas estão fora desse padrão patriarcalista que conseguiram por meio de muita luta mudar um pouco desse cenário de tanta violência e garantir direitos para mulheres vítimas de violências domésticas.
Tratando-se do conceito de feminicídio, este foi utilizado para caracterizar o homicídio contra a mulher por sua condição de gênero. À vista disso, demonstra intolerância em relação ao gênero feminicídio, sendo um fator histórico, como citam Jane Caputti e Diana Russel citadas por Wânia Pazinato (2011, p. 224):
Feminicídio está no ponto mais extremo do contínuo de terror anti- feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extra- familiar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam femicídios.
Tamanha abrangência desses crimes confirma à sociedade patriarcal uma natureza terrorista, que possibilita um cenário de abuso e violência sofrida pelas mulheres, sendo então o feminicídio o desfecho fatal nessas situações. O crime é caracterizado pelas concepções misóginas e sexistas da sociedade e é motivado pelo ódio e o sentimento de propriedade que os homens possuem sobre a mulher.
As mortes de mulheres por razões de gênero ocorrem em todo o globo. Grande parte dessas mortes ocorre com a tolerância das autoridades governamentais e ainda pela própria sociedade comum, são encobertas pelos costumes e tradições, vistas com naturalidade e justificadas como situações corriqueiras à sociedade misógina, onde a mulher é submetida a punições advindas do homem.
No Brasil, na década de 1980, os homicídios de mulheres tornaram-se o paradigmático da violência contra elas, tornando-se assim a bandeira de luta dos movimentos de mulheres e feministas. As primeiras denúncias foram contra a impunidade nos órgãos de justiça e da sociedade com crimes que envolviam casais, nomeados como ‘crimes passionais’ e cujos autores eram absolvidos com base no reconhecimento da legítima defesa da honra. Nos anos seguintes, e seguindo o movimento internacional, registrou-se significativa mudança na conscientização da sociedade sobre a gravidade dessas situações com crescente denúncia da violência contra as mulheres (MENICUCCI, 2016, p.15).
No período em que não havia a tipificação da qualificadora do feminicídio no crime de homicídio no Código Penal, prevalecia o entendimento que quando o crime fosse praticado contra mulher em razão de gênero, estar-se-ia diante de um crime passional, motivado por uma grande emoção e tem o poder de provocar no agressor um sentimento de paixão doentia.
A função da tipificação da qualificadora do feminicídio pela Lei n° 13.104/2015 foi acabar com a ideia de crime passional nos casos em que o homicídio ocorre em razão de gênero, este pensamento pendurou muito tempo tendo em vista a sociedade patriarcal, machista e misógina.
Neste sentido, o Projeto de Lei n° 292/2013 dispõe sobre os motivos que levaram a tipificar o feminicídio como qualificadora do crime homicídio:
A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido ‘crime passional’. Envia, outrossim, a mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas.
Em 2015, ocorreu a publicação da Lei nº 13.104/2015, momento em que houve alterações no Código Penal para incluir a modalidade de crime qualificado ao feminicídio. Haja vista que, ainda que houvesse a garantia à vítima no caso de uma tentativa de homicídio, a pena imposta ao agressor era menor podendo ser reduzida substancialmente no caso de bom comportamento.
Ao art. 121 do Código Penal, § 2º- A foi acrescentado como norma explicativa do termo “razões da condição de sexo feminino”, esclarecendo que ocorrerá em duas hipóteses: a) violência doméstica e familiar; b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher; a lei acrescentou ainda o § 7º ao art. 121 estabelecendo causas de aumento de pena para o crime de feminicídio.
Observa-se que não é pelo fato de a mulher ser o sujeito passivo do delito tipificado que será caracterizado sempre como feminicídio. Vale ressaltar que para este para ser configurado a qualificadora, nos termos art. 121 do Código Penal § 2°-A, o crime deve ser praticado em razão de gênero.
De acordo com Nucci (2016, p. 617), “O Feminicídio é uma continuidade dessa tutela especial, considerando homicídio qualificado e hediondo a conduta de matar mulher, valendo-se de sua condição de sexo feminino”.
Existem divergências doutrinárias quanto à natureza jurídica da qualificadora do feminicídio. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e demais tribunais afirmam que a natureza do feminicídio é objetiva, sendo compatível com as circunstâncias de natureza subjetiva (POPAGLAZO, 2018).
O informativo 625, O STJ, sedimentou o entendimento que o agente seja condenado pelas qualificadoras do motivo torpe e feminicídio:
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem OBJETIVA – vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito. STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 430.222/MG, julgado em 15/03/2018, entende que a natureza da qualificadora do feminicídio é objetiva, afirmando que as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio são compatíveis porque não têm a mesma natureza (POPAGLAZO, 2018).
A Lei nº 13.104/2015, que criou a figura típica qualificada do feminicídio, atende a ideia de Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (CONFERÊNCIA DE BELÉM DO PARÁ, 1994), estabelecendo uma “[…] política repressora da criminalidade discriminatória da mulher”, área de “políticas preventivas” (POPAZAGLO, 2018).
Na justificação do Projeto da Lei (nº 292/2013) mais conhecido como “Lei do Feminicídio”, refere que:
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita da posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e a sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante. (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)
Verifica-se, assim, a importância de tipificar o feminicídio e tratar com prioridade a proteção dessas mulheres vítimas de violência doméstica. O Supremo Tribunal Federal (STF) em controle direto de constitucionalidade, determinou que é constitucional a diferenciação no tratamento penal entre homem e mulher como vítimas de delito, por vez que essa mulher necessita da mais proteção diante de suas peculiaridades física e moral.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – GÊNEROS MASCULINO E FEMININO – TRATAMENTO DIFERENCIADO. O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira. COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria organização judiciária. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – REGÊNCIA – LEI Nº 9.099/95 – AFASTAMENTO. O artigo 41 da Lei nº 11.340/06, a afastar, nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a Lei nº 9.099/95, mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. STF, ADC 19/DF – DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 09/02/2012. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
O STF determinou a compatibilidade Constitucional dos referidos dispositivos, sobre a proteção ante às peculiaridades física e moral da mulher, a cultura patriarcal brasileira, e a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. A Lei Maria da Penha retirou da invisibilidade e silêncio as vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à Justiça.
O STJ também tem o mesmo entendimento da necessidade de criação de tais mecanismos para melhor proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, face a essa clara desigualdade ainda existente no Brasil entre os gêneros.
Nos termos do art. 4º da Lei Maria da Penha, ao se interpretar a referida norma, deve-se levar em conta os fins sociais buscados pelo legislador, conferindo à norma um significado que a insira no contexto em que foi concebida. Nesse contexto, é de se ter claro que a própria Lei n°. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, o histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos. (RHC 55.030/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 29/06/2015).
O Estado tem o dever de criar mecanismos específicos para prevenir e coibir as diversas violências praticadas contra a mulher, em busca da igualdade entre os gêneros e ampliar a proteção da mulher vítima de violência doméstica.
Bitencourt (2015, p. 459) comenta que:
Andou bem o legislador, por que conseguiu, adequadamente, ampliar a proteção da mulher vitimada pela violência de gênero, assegurando-lhe maior proteção sem incorrer em inconstitucionalidade por dedicar-lhe uma proteção excessiva e discriminatória, o que, a nosso juízo, poderia ocorrer se, em vez da qualificadora, fosse criado um novo tipo penal, isto é, uma nova figura penal paralela ao homicídio, com punição mais grave sempre que se tratasse de vítima do sexo feminino. Assim, a opção político-legislativa foi feliz e traduz a preocupação com a situação calamitosa sofrida por milhares de mulheres discriminadas por sua simples condição de mulher, permitindo, na prática, a execução e uma política criminal mais eficaz no combate a essa chaga que contamina toda a sociedade brasileira.
Nesse contexto, observa-se que a Lei Maria da Penha 11.340/2006, tem o propósito de punir mais rigorosamente as agressões contra mulheres. Esse mecanismo é de extrema importância, já que protege a mulher em vida, evitando que as agressões cheguem ao seu ponto máximo, que é o feminicídio.
3 TIPOS DE FEMINICÍDIO, ESTATÍSTICAS OFICIAIS DO FEMINICÍDIO ÍNTIMO E A PENA IMPOSTA AO AGRESSOR PREVISTA NA LEI Nº 13.104/2015, AGRAVADA PELA LEI Nº 13.771/2018
É necessário ressaltar que o assassinato contra a mulher para ser enquadrado na Lei do feminicídio precisa apresentar características específicas contidas na mesma, uma vez que existem outros tipos de delitos envolvendo mulheres que não estão incluídos como feminicídio. São exemplos de crimes não classificados como feminicídio: o latrocínio, o assassinato por brigas entre pessoas desconhecidas e quando uma mulher assassina a outra.
Os desafios da violência e da criminalidade contra as mulheres são um dos problemas mais graves a serem enfrentados pelo Estado e sociedade, haja vista que ocorre em razão do sentimento de posse e controle das mulheres. Os cenários onde ocorrem os delitos e as suas características, definem o tipo de feminicídio, os quais contribuem para o melhor entendimento dos órgãos competentes para elucidar e combater a violência.
São três os tipos de feminicídio (PEREIRA, 2015), sendo eles:
– Feminicídio íntimo é aquele cometido por companheiros, ou ex-companheiros, o qual a vítima teve uma relação íntima, familiar, de convivência e afins, desde que haja uma relação de contato direto entre vítima e autor do delito.
– Feminicídio não íntimo é aquele cometido por homens com os quais a vítima não possuía relação íntima, familiar, de convivência e afins, ou seja, o homem era uma pessoa estranha na vida daquela mulher.
– Feminicídio por conexão é aquele que a mulher é assassinada em razão de se encontrar na linha de tiro, ou seja, quando o homem tentava matar uma mulher e acaba acertando a outra por aberratio ictus.
Existem diversos mecanismos para coibir esses tipos de violência contra a mulher, mas tem sido um grande desafio a redução do feminicídio íntimo, que é praticado no interior da residência, ou seja, no lar da vítima. De acordo com pesquisa do IPEA (2019), o índice de feminicídio íntimo teve aumento considerável entre 2013 e 2018. A seguir, o quadro n°1 demonstra as taxas de homicídios de mulheres, dentro e fora de casa e feminicídio íntimo.
Quadro 1 – Homicídio de mulheres dentro e fora de casa e taxa de feminicídio íntimo.
HOMICÍDIO DE MULHERES TAXAS DE 2013 A 2018 TAXA DE 2019
FORA DA RESIDÊNCIA QUEDA DE 11,5% XXXX
NA RESIDÊNCIA AUMENTO DE 8,3% XXXX
FEMINICÍDIO ÍNTIMO XXXX 88.8% DOS CASOS
Fonte: Dados oficiais do atlas da violência (2019) realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O quadro 1 representa as taxas de homicídios de mulheres dentro e fora de casa entre 2013 a 2018 no Brasil. Em análise aos homicídios de mulheres pelo local do fato, pode-se observar a ocorrência de feminicídio íntimo e não íntimo. A taxa de homicídios ocorridos fora da residência da vítima obteve quedas nos períodos entre 2013 e 2018, uma redução de 11,5%, e em contrapartida, a taxa de homicídios na residência da vítima, aumentou 8,3% entre 2013 e 2018, e no ano de 2019 o número de registro de feminicídios íntimo teve um aumento de 88,8%. Verifica-se, assim, que o feminicídio íntimo constitui um número expressivo se comparado com o feminicídio não íntimo.
De acordo com o levantamento de dados do Monitor da Violência, parceria do G1 com Núcleo de Estudos da Violência (2020), houve alta na morte de mulheres registrado em todo o país no primeiro semestre de 2020. O aumento de homicídios aconteceu durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que Estados adotassem diversas medidas de isolamento social.
O Brasil teve 1.890 homicídios dolosos de mulheres no primeiro semestre de 2020 (uma alta de 2% em relação ao mesmo período de 2019) do total, 631 foram feminicídios, número também maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado.
Verificou-se, durante a pandemia, a diminuição de denúncias de diversos tipos de violência mesmo com a possibilidade de realização de Boletim de Ocorrência-BO pela internet (ALVES, 2020). Contudo, os registros de violência doméstica e familiar contra a mulher e casos de feminicídio aumentaram neste período já que as vítimas estavam em contato constante com seus agressores.
De acordo com o Fórum Brasileiro Segurança Pública (2020), a Central de Atendimento criada para atender mulheres em situação de violência, houve aumento nos atendimentos de 34% no período do mês de março e de abril de 2019 em relação aos mesmos meses do ano de 2020. Observa-se que a ocorrência do aumento de casos de violência não fora registrada apenas em 3 Estados brasileiros a seguir: Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A devida afirmativa é comprovada pelo Instituto Maria da Penha (2020), que fez uma alerta por meio de um vídeo denunciando o índice de aumento nos casos de violência doméstica desde a decretação social. O mesmo revela informações significativas.
Casos de violência doméstica aumentaram em pelo menos seis estados brasileiros, segundo estudo do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Em comparação com o mesmo período em 2019, os números aumentaram em São Paulo, Acre, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pará. Só no estado de São Paulo, que concentra o maior número de casos de covid-19 no País, atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9%. O total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação entre março de 2019 e março de 2020. A quantidade de feminicídios também subiu de 13 para 19 casos (46,2%). (MARTINELLI, 2020).
O Brasil ocupa a 5° posição no Ranking dos países que mais matam mulheres e fica atrás somente de EL Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, de acordo com Mapa da Violência da Organização das Nações Unidas (2015). Ocupa também o 10° lugar no ranking, acompanhado da Argentina, como um dos países com as maiores taxas de feminicídio na América Latina (COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE-CEPAL,2019).
Quadro 2 – Ranking de feminicídios na América Latina os últimos anos (2017/2018).
N° PAÍSES ANO TAXA DE HOMICÍDIOS POR 100 MIL MULHERES
1° El Salvador 2018 6.8
2° Honduras 2017 5.1
3° Bolívia 2018 2.3
4° Guatemala 2018 2.0
5° República Dominicana 2018 1.9
6° Paraguai 2018 1.7
6° Uruguai 2018 1.7
7° México 2018 1.4
8° Equador 2017 1.3
9° Porto Rico 2018 1.2
10° Argentina 2018 1.1
10° Brasil 2018 1.1
Fonte: Dados oficiais da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL, 2019)
No Brasil, em torno de 12 a 13 mulheres são mortas diariamente o que tende a aumentar. De acordo com dados IPEA (2019), o aumento da violência contra mulheres no Brasil nos últimos anos, não se confunde com o aumento de população. Houve um aumento expressivo da morte de mulheres dentro de suas residências. O Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (2018), realizou um levantamento de dados para identificar em que circunstâncias ocorrem os feminicídios, identificou o dia da semana, horário, local e tipos de instrumentos utilizados para a prática desses crimes.
Gráfico 1 – Dia da semana em que ocorre o crime de feminicídio.
Fonte: Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (2018)
Inicialmente, realizou-se o levantamento dos dias da semana e horários em que ocorreram os ataques às mulheres. Concluiu-se que a maior incidência das mortes, consumadas ou tentadas, é de segunda a sexta, totalizando 68%, Domingo 17%, e Sábado 15%, totalizando 32% aos finais de semana.
Gráfico 2 – Horários dos feminicídios.
Fonte: Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (2018)
No Gráfico 2 consta que a maioria dos crimes de feminicídio ocorre durante o dia e início da noite, no início da tarde até meia noite com 35%, 21% ocorrem durante a madrugada, manhã 20% e no período da tarde 19%.
Gráfico 3 – Local do feminicídio.
Fonte: Núcleo de gênero do Ministério Público de São Paulo (2018).
Observa-se no Gráfico 3 o local onde ocorre com maior frequência o crime de feminicídio, sendo a residência da vítima com 66% de casos de feminicídio íntimo. Com os resultados da pesquisa, conclui-se que, em regra, a mulher sofre o ataque fatal em casa.
Gráfico 4 – Instrumentos de crimes mais usados para o feminicídio em SP
Fonte: Núcleo de gênero do Ministério Público de São Paulo (2018)
O Gráfico 4 demonstra os tipos de armas mais usados no assassinato de mulheres em São Paulo. Os Instrumentos mais usados de acordo com a pesquisa são; faca, foice e canivete com 58%, arma de fogo 17%, instrumentos domésticos 11%, uso das mãos 10%, e outros meios 4%. Baseando-se nos dados fornecidos referentes aos índices de violência contra as mulheres, percebe-se que mesmo com a transformação do feminicídio em crime hediondo, os números de assassinatos continuam aumentado. Foram feitas importantes alterações na Lei nº 13.104/2015, com a finalidade de punir os agressores de mulheres.
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
§ 2º Se o homicídio é cometido:
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
§ 2 o -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena – detenção, de um a três anos.
§ 7 o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018)
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.
Com as alterações jurídicas supracitadas, foi criado a qualificadora do homicídio pela Lei nº 13.104/2015, a Lei do feminicídio. Diante de diversas discussões doutrinárias para acrescentar importantes alterações à referida lei, assim o legislador entendeu a necessidade de editar a Lei nº 13.771/18, vigorando no ano de 2018, com a finalidade de editar a Lei nº 13.104/2015, e assim possibilitar e ampliar a punição dos agressores. E essa nova lei determina que a pena deverá ser aumentada em 1/3. São três tipos de agravantes, que se configuram no feminicídio que ocorre durante a gestação ou em até três meses após o parto da vítima; naquele que ocorre contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; e o terceiro é aquele que ocorre na presença de filhos ou pais da vítima (MACHADO, 2017).
Percebe-se uma grande evolução quanto ao alcance e efetividade das leis produzidas para inibir o crime de feminicídio, mas ainda existem várias mudanças que devem ser realizadas para melhor eficácia dessas leis. O investimento mais eficaz é conscientizar as vítimas sobre os seus direitos e a reeducação do agressor para que tenha consciência de seu ato machista, egoísta autoritário e, acima de tudo, ignorante. O Estado como gestor de Políticas Públicas tem que ser mais ativo no controle da morte de mulheres, para que as leis e programas de Enfrentamento a Violência contra a mulher tenham eficácia definitiva na prevenção e proteção das vítimas de violência doméstica.
4 A EFETIVIDADE DA LEI Nº 13.104/15 E O CONTROLE DA MORTE DE MULHERES PELO ESTADO
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é um instrumento de garantia da efetivação da Lei de Feminicídio. Tal Lei, por meio de sua difusão e implementação, bem como a ampliação e o fortalecimento da rede de serviços para as mulheres em situação de violência, baseia-se em aspectos relacionados à punição do agressor, a prevenção à violência e a assistência à vítima, articulando serviços que possam coadunar a garantia de direitos e valorização do indivíduo como pessoa humana.
No âmbito da justiça, nota-se que a criação de mecanismos legais representando um compromisso assumido pelo Estado ante à morte de mulheres que se reverte em ações concretas, buscando diminuir o índice da violência contra a mulher e a sua situação relacionada aos seus diversos tipos.
Desse modo, as políticas públicas disseminadas pela Lei Maria da Penha, circundam como proteção à mulher, prevendo Medidas Protetivas de Urgência, que geralmente são solicitadas na Delegacia de Polícia ou ao próprio juiz.
Por se tratar de medida de urgência a vítima pode solicitar a medida por meio da autoridade policial, ou do Ministério Público, que vai encaminhar o pedido ao juiz. A lei prevê que a autoridade judicial deverá decidir o pedido no prazo de 48 horas. A lei prevê medidas que ensejam obrigações ao agressor, como afastamento do lar, proibição de contato com a ofendida, bem como medidas que asseguram a proteção da ofendida, como por exemplo, encaminhá-la junto com seus dependentes a programa oficial de proteção, determinar a recondução da vítima ao seu domicílio (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, 2016)
Na percepção de Dias (2019), a Lei Maria da Penha elencou um rol de medidas a fim de assegurar efetividade à garantia da mulher de viver uma vida sem violência.
Essas medidas, de acordo com a autora supramencionada, visam não apenas deter o ofensor, mas garantir a segurança pessoal e patrimonial da ofendida e de seus filhos, não sendo mais apenas atribuição da polícia, mas dos juízes e do Ministério Público. Destaca-se, que as Medidas Protetivas de Urgência não se limitam àquelas previstas nos artigos 22 ao 24, mas há aquelas que se encontram esparsas na legislação, cujo objetivo é a proteção da mulher.
Para coibir os aspectos relacionados à violência contra as mulheres é imprescindível a interligação entre Estado e sociedade, haja vista que está integração, cria sinergia com vistas a dá maior efetividade às Políticas Públicas implementadas, levando em consideração os contextos histórico, social e cultural que vulneram as mulheres e dificultam processos de mudanças no quadro da violência.
Com relação à implementação das políticas públicas de prevenção e erradicação da violência contra as mulheres previstas no art. 8º da Lei Maria da Penha não estão sendo aplicadas de uma maneira efetiva e que esteja resguardando e suprindo as necessidades da mulher (DIAS, 2019). Em razão ao crescente número de violência e ao consequente aumento de demandas por parte das vítimas, de certa forma, interferiu e dificultou o trabalho das instituições envolvidas no serviço para a erradicação e proteção das mesmas.
Conforme estabelece o artigo 8º, inciso IV da Lei nº 11.340/2006:
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes:
É primordial, o papel desempenhado pelas Delegacias de Defesa a Mulher, pois, configura como uma política pública, representando um espaço para acolher as mulheres vítimas da violência, daí a relevância da autoridade policial no atendimento destes casos. Na visão de Cunha (2008, p. 55):
Um dos propósitos de sua criação foi garantir atenção especializada às mulheres que procuravam as delegacias de polícia e frequentemente eram submetidas a tratamentos vexatórios e negligentes. De fato, a criação das delegacias especiais motivou muitas mulheres a denunciar, publicizando o problema da violência contra a mulher.
Para tanto, é necessário que as Delegacias, estejam preparadas, de fato, para garantir um apoio multidisciplinar no que se refere aos âmbitos social, psicológico, educacional e jurídico, pois, as Delegacias da Mulher têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, investigação e enquadramento legal, sempre pautada no respeito aos direitos humanos a aos princípios do Estado Democrático de Direito.
A Lei Maria da Penha trouxe inovações legislativas com o objetivo de proporcionar maior proteção a Mulher, e foi justamente nas Medidas Protetivas de Urgência que o legislador buscou impor maior espectro protetivo às mulheres. Elas possuem natureza híbrida, pois abordam não só a área criminal, como também cível, trabalhista, previdenciária, etc. Assim, buscou-se assegurar os direitos da mulher em todos os espaços da sua vida.
O procedimento para aplicação das Medidas Protetivas ficou disposto ao longo dos artigos 18 a 21 da Lei Maria da Penha. Como a Lei não dispõe o rito legal a ser seguido, há dúvidas quanto sua natureza e processamento. Entretanto, considerando a gravidade dos crimes abarcados pela Lei, optou-se por rito simplificado e célere, a fim de possibilitar o acesso de todas as vítimas, seus representantes legais ou familiares.
Quando uma Lei é publicada, a sociedade entende que essa se torna eficaz de imediato. Mas, como observa-se na prática é diferente, a maioria das vítimas de violência doméstica tem medo de denunciar, porque convivem com o agressor, por isso a importância da educação e proteção a essas mulheres vítimas de violência de gênero que na maioria das vezes não tem conhecimento sobre seus direitos. A Lei nº 13.104/2015 produziu seus efeitos jurídicos desde a sua vigência e determina sanções para aqueles que não a cumprem. De acordo com as estatísticas apresentadas, identifica-se o crescimento alarmante da morte de mulheres nos últimos anos, por razão de gênero.
Na maioria dos casos, o feminicídio pode ser evitado, pois a vítima pode identificar alguns sinais de violências que o antecedem, pois existe um ciclo de violências, onde o feminicídio se torna a consequência máxima e fatal para a vítima.
Após a publicação da Lei do feminicídio, no ano de 2015, continuou crescendo anualmente o número de vítimas desse tipo de violência e esse crime tem uma peculiaridade, o agressor é companheiro ou ex- companheiro da vítima. Diante desse crescimento de feminicídios e na tentativa de coibir essa situação, foram acrescentados agravantes no art. 121 do Código Penal, tipificando o feminicídio como uma qualificadora, quando a mulher é morta em razão de gênero consequentemente tornando esse crime hediondo, interferindo então na dosimetria da pena, punindo mais severamente os agressores. A pena para o crime vai de 12 a 30 anos de reclusão. Mas, pode ser elevada em um terço (1/3), caso o crime seja praticado na presença de filhos, pais ou avós da vítima, durante a gestação ou nos três meses imediatamente pós-parto e ainda contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência (AGÊNCIA SENADO, 2018).
De acordo com o G1 (2020), durante a Pandemia no Estado do Pará, os casos de feminicídios cresceram 118%, Do início de janeiro a junho, foram 37 mulheres mortas. Para especialistas em Direitos Humanos e Direitos da Mulher, o isolamento social motivado pela pandemia é um fator crucial para o aumento da violência doméstica. O crescimento da violência doméstica tem crescido mundialmente, mas o Brasil tem um impacto sobre a taxa de mortes assustador, de 4 mulheres mortas para 100 mil mulheres, ou seja 78% da média mundial, morre uma mulher a cada sete horas no Brasil. Na maioria dos casos, a vítima não fez a denúncia.
Quadro 3 – Feminicídios no Pará – Números de casos (2020)>
JANEIRO 8 casos, sendo 1 em Altamira, 2 em Cametá, 2 em Marituba, 1 em Muaná, 1 Santarém e 1 em Tailândia;
FEVEREIRO 11 casos, sendo 1 em Água Azul do Norte, 1 em Brasil Novo, 2 em Breu Branco, 1 Cachoeira do Pará, 1 em Canaã dos Carajás, 1 em Marabá, 1 em Oriximiná, 1 em Parauapebas, 1 em São João de Pirabas, 1 em Tailândia.
MARÇO 4 casos, sendo 1 em Ananindeua, 1 em Belterra, 1 em Ourém, 1 em Ourilândia do Norte e 1 em Tomé-Açu.
ABRIL 4 casos, sendo 1 em Ananindeua, 1 em Aurora do Pará, 1 em Canaã dos Carajás e 1 em Redenção.
MAIO 4 casos, sendo 1 em Benevides, 1 em Dom Elizeu, 1 em Itupiranga e 1 em Marabá.
JUNHO 5 casos, sendo 1 em Conceição do Araguaia, 1 em Parauapebas, 1 em Redenção, 1 em Santa Maria das Barreiras e 1 em Tucumã.
Fonte: Adaptado pelo autor de acordo com dados do G1 2020
Diante das estatísticas e número de casos apresentados, entende-se a importância da reeducação desse agressor e educação da vítima também para saber quais são seus direitos de proteção pelo Estado. Apenas punir o agressor não será a solução mais eficaz para acabar ou prevenir o feminicídio. A prevenção tem sua importância para o combate desse tipo de violência, mas existe uma maior preocupação em reeducar esse agressor, para conscientizá-lo para que não tenha reincidência do crime.
A Lei nº 13.984/2020, sanciona que o juiz tem o poder de decidir se o agressor deverá ser obrigado ou não a fazer uma reeducação, com acompanhamento psicossocial. A alteração da Lei nº 13.984/2020, se tornou para Lei do feminicídio e Lei Maria da Penha um complemento para proteger a vítima antes que ocorra o feminicídio. E caso aconteça, o Estado dever obrigar esse agressor a ter acompanhamento psicossocial e reeducação, para que ele não faça mais vítimas e seja ressocializado. É valido ressaltar que a reeducação não livrará o agressor do cumprimento da eventual pena ao final do processo, decidida contra o agressor no âmbito do processo judicial pela agressão. Essa medida se tornará meio para que o agressor crie consciência de seus atos, tenha equilíbrio emocional e possa viver em sociedade sem causar danos, considerando que a reeducação é o meio mais eficaz para prevenir e reduzir as taxas de feminicídio. Tendo a educação um papel determinante para a efetivação das Leis e proteção dessas vítimas.
É importante que agressores frequentem os grupos de reeducação e apoio, não apenas contribui para a queda dos casos de reincidência, mas também para a proteção emocional do próprio agressor, com a oportunidade de se reeducar para conviver melhor com a sociedade e com a sua família em particular — ressaltou o Senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ), quando o projeto (SCD 11/2018) foi votado no Plenário do Senado (SENADO, 2020). A frequência do agressor a centros de reeducação e readaptação buscará conter reincidência, que se aduz manifestação do machismo enraizado pela na sociedade patriarcal, machista e misógina. Diante da obrigatoriedade da reeducação dos agressores, espera-se que de fato seja reduzida a taxa de feminicídio íntimo, garantindo a total segurança às vítimas.
O Ministério Público do Estado do Pará, em parceria com o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (NEVM) visando a redução e prevenção de possíveis agressões, acompanham e criam atividades voltadas ao enfretamento de agressões de gênero. O NEVM, disponibiliza uma extensa rede de proteção a essas mulheres e um subsite para a melhor compreensão da Lei Maria da Penha e conteúdo como Campanha Nacional Margarida que visa educar a mulher sobre os seus direitos, bem como chamar a atenção para a necessidade de denunciar o seu agressor. Na maioria das vezes, a vítima se reconcilia com o agressor, então visando a proteção da vítima é essencial o amparo ao agressor. A Defensoria Pública do Estado do Pará criou no ano de 2010 o Núcleo do Homem Autor da Agressão de Violência Doméstica e Familiar (NEAH), visando ampliar os meios de resolução de conflitos no seio familiar, principalmente contra a vítima.
Quadro 4 – Rede de proteção à mulher vítima de violência doméstica (NEVM).
Judiciário 1. Julgar as Ações Penais nos crimes contra a mulher.
2. Conceder as Medidas Protetivas.
Promotoria de Violência Doméstica 1. Propor a ação penal pública
2. Solicitar que a polícia civil inicie ou dê prosseguimento às investigações
3. Atuar como custus legis nos autos de Medidas Protetivas.
4. Fiscalizar os estabelecimentos públicos e privados de atendimento à mulher em situação de violência
DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) 1. Registrar o Boletim de Ocorrência
2. Instaurar o inquérito policial
3. Encaminhar ao juízo o requerimento das medidas protetivas de urgência feito pela vítima.
Defensoria Pública Órgão de orientação jurídica e defesa, em todos os graus, daqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Com o objetivo de proteger os Direitos da mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Abrigos São serviços estruturados para acolher e proteger mulheres em situação de violência doméstica e familiar, quando há risco de morte. Tendo tempo limitado para permanência no abrigo, costuma abrigar tanto a mulher, quantos aos filhos da mesma.
Equipe Multidisciplinar Equipe especializada no atendimento humanizado da mulher vítima de violência, integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
IML – Centro de Perícias Papel fundamental do enfrentamento à violência contra a mulher, pois fornece ao MP elementos capazes de incriminar o agressor nos crimes que deixam vestígios.
PROPAZ-Mulher Espaço que visa concentrar todas as esferas de proteção da mulher em um único endereço, evitando assim o calvário enfrentando pelas vítimas, que precisavam antes se dirigir a vários locais, muitas vezes distantes entre si, em uma verdadeira revitimização perpetrada pelo Estado.
SPM (Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República) A SPM assessora diretamente a Presidenta da República, em articulação com os demais Ministérios, na formulação e no desenvolvimento de políticas para as mulheres. Paralelamente, desenvolve campanhas educativas de caráter nacional, assim como projetos e programas de cooperação com organizações nacionais e internacionais, públicas e privadas. A atuação da SPM respeita todas as formas de diversidade: racial, geracional e de orientação sexual; mulheres negras, indígenas, do campo, da floresta e/ou com deficiência.
Fonte: Adaptado pelo autor de acordo com informações do Ministério Público do Estado do Pará (NEVM)
Contudo, a Lei nº 13.104/2015 ainda não apresenta medidas que controlem a taxa de mortalidade de mulheres vítimas de feminicídio, é necessário sobretudo conscientizar e mobilizar toda a sociedade que às vezes acaba oprimindo a vítima e desestimulando as denúncias e, assim, mantendo-a em silêncio diante de todos os tipos de violências. O Estado tem se mostrado ativo no controle social de políticas públicas, porém omisso no combate à violência. A maioria das vítimas procura de imediato a Delegacia mais próxima da residência e são intimidadas no momento da denúncia por profissionais despreparados, onde deveriam ser acolhidas. A proteção da mulher continua frágil, existem diversos meios de enfrentar a violência, mas não tem um efeito imediato. O crescimento do Feminicídio vem reforçar a ideia que o Estado tem dificuldade em aplicar a lei no caso concreto.
É evidente a disparidade entre a lei do feminicídio e sua efetividade. A realidade dos cidadãos brasileiros é na maioria precária, criando uma situação também de desinformação, desigualdade e exclusão social, dificultando a denúncia das violências sofrida pelas vítimas, sendo dificil a identificação do agressor, para executar a lei.
A Lei nº 13.140/2015 não apresenta eficácia suficiente ante o conjunto de mecanismos criados para inibir a violência contra a mulher em razão de gênero, especialmente com o objetivo de mobilizar e conscientizar a sociedade para reduzir esse tipo de violência. O Estado é responsável pelo controle social e Políticas Públicas de enfrentamento a violência de gênero, todavia, tem se mostrado omisso no combate ao crime de feminicídio. Existe uma rede de proteção e diversas campanhas com a finalidade de combater esse tipo de violência, mas não há efeitos plausíveis na redução dos feminicídios. Desde a criação da Lei de Feminicídio (2015), a morte de mulheres tem aumentado consideravelmente.
É evidente a divergência entre a existência da Lei do Feminicídio e sua eficácia, pois, a vítima na maioria das vezes devido sua condição social precária, encontra-se desinformada sobre seus direitos, contribuindo para desigualdade e consequentemente exclusão social, dificultando a aplicação da Lei e punição do agressor. Enquanto o Estado permanecer inerte, violências desse gênero não cessarão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da tessitura teórica metodológica sobre o objeto de estudo denominado feminicídio, como resultado de uma sociedade machista, patriarcalista e misógina, chega-se aos seguintes resultados:
A violência doméstica é a realidade cruel de muitas mulheres, onde permanecem caladas e submissas diante de diversas violências decorrentes da desigualdade sociocultural. O feminicídio é um crime apoiado na misoginia, o qual exterioriza os sentimentos mais repugnantes contra a mulher, objetificando o corpo feminino e a morte delas pelo simples fato de ser mulher, contribuindo diretamente para o resultado, sendo o feminicídio o desfecho fatal para a vítima. A morte de mulheres em razão de gênero é consequência de um Estado omisso e uma sociedade ideologicamente machista, patriarcal e misógina, que gera sentimento de descriminação, opressão e superioridade contra a mulher, contribuindo para crescimento da morte de mulheres no Brasil e em diversos Países.
Diante das recorrentes mortes de mulheres, o feminicídio foi criminalizado com o intuito de cessar e prevenir a morte de mulheres em razão de gênero, o qual está previsto na dosimetria da pena, agravada pela Lei nº 13.771/2018, editando assim a Lei nº 13.104/2015, o qual possibilita e amplia a punição dos agressores. Essa nova Lei determina que a pena deverá ser aumentada em 1/3, e especifica em quais casos a pena será agravada. É evidente a evolução quanto ao alcance e efetividade das Leis produzidas para inibir o crime de feminicídio, mas ainda não são suficientes, e existem diversas mudanças a serem realizadas para melhor eficácia das Leis. É necessário divulgar amplamente os direitos das mulheres em situação de violência doméstica, conscientizar e mobilizar toda a sociedade para que não desestimulem as vítimas a denunciar o agressor, e assim, consequentemente, diminuir os índices de mortes em razão de gênero.
Verifica-se, então, o crescente número de casos de feminicídios no Brasil, mesmo após a criação e alteração de diversas Leis. É fator primordial aferir a ineficácia da Lei do Feminicídio nº 13.104/2015, qual não atingiu sua finalidade na redução das mortes de mulheres em razão de gênero, confrontando o controle do Estado como gestor de Políticas Públicas de Enfretamento a Violência contra a mulher. É necessário que o Estado, sociedade e o judiciário estejam juntos para solucionar esse tipo de violência, sendo de extrema importância o apoio psicossocial do agressor e reeducação para que não tenha reincidência, visando o objetivo mais importante: oferecer ampla proteção à vítima e desconstruir a ideologia machista, patriarcalista e misoginia da sociedade. O investimento mais eficaz é conscientizar as vítimas sobre os seus direitos e reeducar o agressor para que tenha consciência de seu atos e exigir um posicionamento mais ativo do Estado no controle da morte de mulheres.
Portanto, conclui-se a importância de compreender e discutir sobre os aspectos da sociedade, buscando analisar as problemáticas e oferecer soluções práticas ao combate da violência doméstica contra a mulher em razão de gênero. O Estado dever ser mais ativo no controle da morte de mulher, para que esse conjunto de proteção à vítima de violência doméstica tenha eficácia definitiva.
REFERÊNCIAS
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IPEA (INSTITUTO DE PESQ