A advocacia criminal das promessas está morta?
Com o perdão da obviedade de uma resposta jurídica, depende.
O relativismo da pergunta vai de encontro à certeza da resposta, pois, certo é, que há duas maneiras de construí-la.
Claus Roxin, há alguns anos, indagou se teria futuro o Direito Penal e, tal pergunta pode ser facilmente direcionada à advocacia criminal.
Sem a necessidade de grandes esforços interpretativos, por certo há futuro para a advocacia criminal, pois ela sequer perdeu sua vida. Todavia, em uma de suas “formas de aparição”, não há dúvidas de que a advocacia criminal está morta, qual seja, a advocacia criminal das promessas de resultado.
Diante de um processo penal que se apresenta na prática completamente intoxicado por conveniências ideológicas, arbitrariedades e não poucas vezes, com nulidades que para muitos – e de forma equivocada – estão longe de serem absolutas – ainda que sejam -, não há espaço para promessas de resultados aos clientes, suas famílias e a quem quer que seja.
Não se trata simplesmente de estratégia de abordagem e tratamento para com os clientes, mas sim, de respeito não só à Ética exigida pela OAB, mas, também, do compromisso com a boa análise do processo penal, tanto em uma perspectiva prática quanto em um viés teórico.
Insta ressaltar, que não se pretende, aqui, esgotar quaisquer dos temas apontados, seja pela brevidade da presente reflexão, seja por não ser este o objetivo.
Outrossim, não se abordará no presente texto, qualquer discussão no que toca a responsabilidade civil no sentido do debate da existência (ou não) de diferenciações pragmáticas entre obrigações de meio e de resultado na atividade do advogado, mas se considerará, em todo raciocínio, a posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato” (STJ, REsp 1.079.185, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 4.8.2009).
Para tanto, por conseguinte, não alcançará soluções o advogado que promete a ordem de habeas corpus concedida ou que afirma a absolvição na sentença, utilizando-se, para tal, de meros achismos disfarçados de certezas, de banco de petições prontas ou pastas engessadas recheadas de julgados da última década que serão precedidos da característica de “recente” quando colados na peça processual.
Atualmente, a humanidade vive na sociedade da informação e, evitando-se o debate acerca da utilização do termo informação ou desinformação, é certo que as pessoas possuem acesso à conteúdos jurídicos de forma ampla por meio das redes sociais, sites, conversas com outras pessoas, dentre tantas outras fontes que permitem o conhecimento daquele que é leigo quanto ao Direito.
Não obstante, seria leviano não pontuar os transtornos violentos que a advocacia criminal das promessas traz consigo, o que por certo, não é desejado por ninguém.
Isso faz com que as promessas de resultado em um processo penal sejam ainda mais graves, pois, hoje, não de forma absoluta, por óbvio, o advogado não está tão isolado quanto ao conhecimento do processo.
Por meio de meros cliques no mouse ou toques na tela do celular, as pessoas possuem acesso aos andamentos processuais e conseguem conclusões sobre situações que ocorreram em um processo.
Ainda que não existissem tais facilidades, ao advogado não caberia antecipar conclusões sobre situações oriundas do processo, pois isso não encontra respaldo, conforme já destacado, nem no campo teórico, sequer no campo prático.
Processo é labirinto, juiz é incógnita, a acusação, demasiadas vezes, é obstáculo espinhoso e, frente à tudo isso, ao advogado criminalista, recai adjetivos sinônimos à solucionador, de forma a honrar o que previu o artigo 133 da Constituição Federal de 1988.
Até por isso, é possível realizar uma leitura do processo penal a partir da teoria dos jogos e, conforme bem expõe Alexandre Morais da Rosa, todos estão expostos na vida bem como nas interações humanas em um Processo Penal, a armadilhas cognitivas que vão influenciar o desenrolar da persecução penal.
Desse modo, sustentar promessas de resultado parte de uma premissa que nega a própria averiguação da produção lícita de provas no decorrer do processo, sendo certo que a conclusão sobre sua licitude só poderá ser concluída após a sua produção, bem como nega o relativismo que se observa de uma decisão que defere ou não um pedido de revogação de prisão preventiva, dentre tantos outros pontos que constroem o dinamismo inerente ao processo penal.
E para aqueles que defendem a existência de lide no processo penal, certo é que lidarão, pautando-se em uma advocacia de promessas de resultado, com a lide do processo somada à lide que se configurará (provavelmente) entre advogado e cliente.
Não se pretende aqui, negar que há, sim, pontos concretos previstos em lei que já direcionam o advogado a conclusões de situações futuras, e.g., as penas em abstrato que já demonstram a possibilidade ou não de acordo de não persecução penal, o regime inicial de cumprimento de pena em caso de condenação, entre outros, mas, ainda sim, frente ao cenário que se apresenta na prática, cabe o debate acerca da legitimidade de sustentar a antecipação de tais conclusões, pois também há subjetivismos a serem observados.
Cabe salientar, que isso não enseja a vedação à realização de promessas, pois de fato, na atuação de um advogado criminalista que se preze, elas devem existir.
Sobre esse ponto, as promessas devem ser apresentadas de forma a abordar tecnicamente a situação daquele que está sendo acusado da suposta prática de um ilícito penal, apresentando – cautelosamente – as possibilidades do caso, dentro dos limites permitidos pela lei e, sobretudo, pela ética, não só daquela prevista nas normativas da Ordem dos Advogados do Brasil, mas, também, por aquelas que regem as boas relações sociais e que constroem uma moralidade inerente à um bom profissional.
Em outras palavras, as promessas devem estar recheadas de conteúdos jurídicos que foram produzidos pelo advogado após cautelosa análise do caso concreto, de sorte que se prometerá a atuação pautada na melhor estratégia possível dentro dos limites permitidos em lei.
Assim, se atuará como um aplicador do direito e não como um mero operador, ideia de operação que, diga-se de passagem, deve ser deixada de lado por aqueles que pretendem avançar tecnicamente com a advocacia.
Como bem menciona a canção “Wind Of Change” da banda alemã “Scorpions”, que em tradução para o português significa “vento da mudança”, o futuro está no ar e é possível senti-lo em todo lugar. Sendo assim, é preciso estar preparado para essas mudanças.
Dessa maneira, faz-se necessário renunciar às velhas culturas que orbitam a advocacia criminal, estando atento aos seus novos contornos e, esses se dão aos montes, não só quanto às formas de tratamento do processo para com a cliente, mas também, com outros contornos que vão além disso, bem como transcendem as clássicas atuações nos casos de tráfico, roubo, furto, lesão corporal e receptação, entre outros.
Sobre o parágrafo acima, há vários caminhos em ascensão na advocacia criminal a serem destacados, e.g., as demandas de compliance criminal que estão em constante crescimento, os tribunais que inserem algoritmos nos procedimentos recursais e é necessário compreendê-los, a neurociência que pede espaço, os crimes praticados na rede mundial de computadores que já são uma realidade, dentre tantos outros temas que formatam o futuro da advocacia criminal.
Sobre o tema, não há como esquecer da Lei nº 14.197, de setembro de 2021, que acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, contendo seis capítulos relativos à crimes contra o Estado Democrático de Direito, novidade legislativa que por certo e infelizmente, será observada na prática de um ano eleitoral de um país polarizado como o atual, fazendo com que o advogado criminalista precise de plena capacidade de atuar em casos dessa natureza, deixando de lado, se necessário, suas posições políticas, focando somente na garantia de direitos que devem ser concretizadas ao cliente.
Note-se, portanto, que a velha advocacia criminal dá lugar à uma nova e, isso não quer dizer que seja necessário abdicar de boas práticas que já são utilizadas, mas sim, que a renúncia deve se dar no âmbito daquelas práticas que fazem mal à credibilidade da advocacia criminal.
Sobre o tema, válida é a menção à um importante trecho de obra de Francesco Carnelutti:
“O nome mesmo de advogado soa como um grito de ajuda. Advocatus, vocatus ad, chamado a socorrer. Também o médico é chamado a socorrer; mas só ao advogado se dá este nome. Quer dizer que há entre a prestação do médico e a do advogado uma diferença que, não voltada para o direito, é, todavia, descoberta pela rara intuição da linguagem. Advogado é aquele, ao qual se pede, em primeiro plano, a forma essencial de ajuda, que é propriamente a amizade.”
Sendo assim, é certo que a advocacia criminal das promessas está gozando de sua plena saúde, desde que tais promessas contenham somente aquilo que está de fato no controle do advogado, o que por certo, diz respeito somente à sua atuação com base nos conhecimentos que possui e, além disso, está vivíssima a advocacia criminal das auto promessas de busca pela excelência, fazendo com que o advogado, automaticamente, cumpra com as legitimas promessas feitas aos clientes.
Referências:
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal / Francesco Carnelutti – Tradução: Antônio Roberto Hildebrandi. 3ª edição. 6ª tiragem – EDIJUR – Leme/SP , 2020.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: responsabilidade civil / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Felipe Peixoto Braga Netto – 9. ed. rev. e atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2022.
ROSA, Alexandre de Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos / Alexandre Morais da Rosa – 6. ed. rev., atual. e ampl. Florianópolis: EMais, 2020.
ROXIN, Claus. Estudos de direito penal – 2ª ed. / Claus Roxin; tradução de Luis Greco. – Rio de Janeiro: Renovar, 2008.