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AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA TÊM REVELADO ABUSOS CONTRA ADVOGADOS

AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA TÊM REVELADO ABUSOS CONTRA ADVOGADOS


Por
Yann Dieggo Souza T. de Almeida


Como se não bastasse a constatação de que a justiça criminal brasileira é uma das piores do mundo: no ranking do “World Justice Project: Rule of Law Index 2021”, o Brasil ocupa a 112ª posição mundial, entre 139 países avaliados, e ainda mesmo na América Latina o Brasil ficou abaixo da média, ocupando a 20ª posição entre 32 países, é também uma das mais caras, com uma estrutura pesada e ineficiente.

Com a pandemia do Covid19, a prestação jurisdicional foi e vem sendo prestada pelo teletrabalho, realização das audiências, julgamentos, sustentação oral por meio de vídeo conferência e com isso a sociedade teve acesso aos abusos sofridos pelos advogados, especialmente os criminalistas.

O que já era comum para quem labuta no direito penal, como presenciar os diversos vilipêndios ao exercício da função da advocacia, com as gravações das audiências e julgamentos, a sociedade, por meio da divulgação dos sítios especializados em matérias jurídicas, tomou conhecimento de que a Justiça não é cega, mas principalmente, cara, morosa e abusiva.

Mesmo com a publicação da famigerada lei de abuso de autoridade (n. 13.869/2019), que trouxe já em seu artigo Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído” e em seu § 1º “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.”, parece que tal diploma legal não freou os magistrados ou promotores nas ofensas às prerrogativas da advocacia.

Inicio a exemplificação do argumentado neste artigo com a recente sessão virtual da 2ª câmara Criminal do TJ/MT, desembargador Luiz Ferreira da Silva, que chamou a atenção de advogado dizendo, após a sustentação oral do causídico em um julgamento de habeas corpus, que ele prestou um desserviço ao seu cliente.

Ao ilustre advogado, muito obrigado pela aula de filosofia que o senhor nos brindou. Mas, como velho advogado que fui durante três décadas, acho que, nessa linha, V. Sª. está prestando um desserviço ao seu cliente.”[1]

A lamentável fala veio de um desembargador egrégio da advocacia, pelo quinto constitucional. O curso de direito tem em sua grade a filosofia do direito e para além da importância dessa disciplina, a doutrina é tida como uma fonte formal mediata do direito.

O absurdo proferido esse desembargador pode ser analisado em inúmeros vieses: a) ofendeu o advogado que não se limita às normas dogmáticas; b) à filosofia do direito; c) à advocacia como função indispensável à Justiça; d) à Constituição Federal que traz como princípio o da ampla defesa; e) à sociedade que paga impostos para ter esse desserviço de Justiça entregue; f) aos doutrinadores que os estudiosos do direito; etc.

Em outro caso ocorrido em uma audiência conturbada em Minas Gerais viralizou e deixou muitos advogados indignados, envolvendo a magistrada Andréa Cristina de Miranda Costa, da 2ª Vara de Tóxicos da Comarca de Belo Horizonte, e os advogados Dario Dias dos Santos, Jaqueline Tavares da Silva Rocha e Francieles Angelis Sales. No vídeo, a magistrada chama o advogado de mal educado após ele pedir a palavra pela ordem. A juíza grita com o advogado e diz que ele é um péssimo profissional[2].

Na vara do Tribunal do Júri de Guará/DF, o juiz de Direito Francisco Marcos Batista, diz a um acusado durante audiência virtual na ação penal n. 0706594-77.2020.8.07.0014:

Rapaz, eu já te falei, você fala o que você quiser. Está gravando aí, eu não estou nem prestando atenção no que você está falando, estou trabalhando em outro processo aqui.”[3]

A criminalista, Drª Telma Rosa Agostinho, conseguiu gravar uma Juíza e Promotora da 24ª Vara Criminal de São Paulo, após audiência, combinando como iriam “ferrar” e forçar a condenação dos réus. Após, a advogada alegou a suspeição da magistrada, que negou e o TJSP concedeu liminar para afastar a magistrada do processo.A Juíza determinou expedição de Ofício à OAB/SP e ainda determinou abertura de inquérito policial para investigação da conduta da advogada sobre eventual crime em fazer gravação ambiental sem autorização judicial, sendo inclusive denunciada por isso. O advogado, Dr. Mário Filho, conseguiu trancar a ação penal em favor da referida advogada, por atipicidade da conduta, pois o art. 10-A da lei n. 9.296/1996 exige dolo, o que inocorreu no caso em tela. Segundo o sítio CONJUR:

“Na gravação, a juíza e a promotora também discutem o mérito do processo. A magistrada diz para a representante do Ministério Público acusar um dos ouvidos de falso testemunho. “Falso testemunho nesse aqui. Pode vir, viu doutora?”, afirma a juíza em trecho do áudio.

“Doutora, mas é, a senhora pode, pede uma perícia. Vai, explora isso. Falar que veio aqui, que tá nitidamente envolvida. Ela é muito ruim, doutora”, disse a magistrada à representante do MP.

Na peça, a advogada alega que tanto a juíza como a promotora de Justiça buscam juntas meios para condenar os acusados. “A juíza Sônia orienta a promotora de justiça a atuar contra testemunha requerendo o falso testemunho, acusa as testemunhas policiais de serem bandidos, imputa crime de calúnia contra a advogada, iria ‘puxar’ e ‘tentar’ ‘condená-los'”, diz trecho do documento.

“Agora. O que vai ser difícil. doutora. é pegar o elo, o elemento subjetivo. (…)”, afirma a juíza para a promotora.

No diálogo, a juíza afirma o seguinte sobre o testemunho dos policiais envolvidos no caso:

“Ahhh… Difícil. (…) Aí jogaram em quem? No outro, que tá preso. (…) Ah! Informação privilegiada, mas pera aí, não vai ficar claro. (…) Não vai ficar claro que é informação privilegiada. Não é bem assim, né? (…) Aí um policial. Até você, a senhora, até vou colocar. Colocar assim, que na polícia tudo foi dito, né?”

Em outro trecho da gravação, a atuação da advogada Telma Rosa Agostinho é tema da conversa. “E ela é muito sem educação. Quem é ela para dizer o que a juíza pode falar ou não pode falar? (trecho inaudível)’, diz a promotora. O escrivão que também participava da conversa concorda e a juíza afirma que a defensora quer apenas “criar animosidade”.

A juíza ainda critica o sotaque carioca da advogada e diz que a defensora só quer ganhar dinheiro defendendo o crime organizado. “Sei lá. Tá defendendo essa gentaiada (sic) aí do (trecho inaudível). Tá correndo atrás, doutora de ganhar dinheiro atrás desse crime organizado. Sabe, doutora?”, questiona.”[4]

Em caso semelhante ocorrido em outubro/2020, um advogado criminalista foi processado pelo desembargador Sérgio Antônio Ribas, do TJ/SP, após ter tido conversa com outros magistrados, e em intervalo de sessão jurisdicional, gravada pelo causídico. A ação foi proposta na vara Cível do Foro Regional da Vila Prudente, em SP. O advogado levou a público que os desembargadores estavam discutindo fatos da vida do réu sem relação com o julgamento (uma magistrada chega a pesquisar sobre o acusado na internet). Ao ver isso, o advogado pediu a palavra e informou que deixaria a sessão já que havia um explícito prejulgamento de seu cliente.

É como diz o velho ditado: é o poste mijando no cachorro. O CPC, em seu artigo n. 367, §6º, autoriza as partes a gravarem audiência independentemente de autorização judicial e tal artigo é aplicável ao CPP por força do art. 3º, que admite analogia.

Noutra ocasião, o advogado Flávio Grossi teve que participar de uma audiência da cama de um hospital por ter sido negado seu pedido urgente de redesignação da sessão, mesmo estando internado com suspeita de Covid-19. O indeferimento partiu pelo juiz José Álvaro Machado Marques da 4ª Auditoria da Justiça Militar de São Paulo, que ignorou o estado de saúde do causídico, não lhe restando outra alternativa senão a de participar da audiência do leito no hospital[5].


Em uma audiência criminal presidida pelo Juiz Sergio Bernadeti, na cidade de Piraquara-PR, o juiz trata o advogado Gabriel Gasquer, indeferindo a pergunta do advogado e ainda diz com desdém[6]:

Advogado: ao receber uma informação como essa qual o procedimento que a polícia adota?

Juiz: indefiro doutor, isso não é relativo aos fatos, por favor, vamos primar pela brevidade, questionando os fatos que a testemunha presenciou.

Advogado: ok, peço então que Vossa Excelência consigne em ata essa minha pergunta, porque ao nosso modesto sentir ela é importante, com fundamento no art. 360, V do Código de Processo Civil.

Juiz: Dr, não sei se o senhor tem conhecimento Dr, mas inicialmente aqui é o Código de Processo Penal; em segunda lugar o ato está sendo gravado, todas as circunstâncias estão registradas em áudio e vídeo, pode prosseguir por favor…

Advogado: é direito da defesa, Excelência, que conste no termo da assentada por aplicação analógica pois não há disposição expressa em nosso Código de Processo Penal, a aplicação analógica do nosso Código de Processo Civil, eu quero apenas que conste esta pergunta indeferida por Vossa Excelência, para que o Tribunal, se for o caso, analise ou não essa pertinência. Respeitamos absolutamente a decisão de Vossa Excelência, não é esse o ponto, mas que o Tribunal possa ter conhecimento se a pergunta da defesa é pertinente ou não.

Juiz: Indefiro Doutor, o vídeo faz parte…

Para o advogado Mário Filho, o Juiz agiu com desdém com relação à pessoa do advogado que está representando a defesa, em sua maior amplitude; no processo penal os detalhes são importantes, não é da maneira como o magistrado quis fazer “vamos rápido”; a grande impressão que dá dessa empáfia do juiz é que já tem sua convicção do processo; o art. 367 do CPC, aplicado ao Código do Processo Penal que em seu art. 3º admite a analogia – ele passa também a ter influência diretiva no CPP, então a ata por escrito é fundamental, pois o vídeo pode se perder ou corromper.

Embora não faça parte do Poder Judiciário, mas atuante como fiscal da lei, os membros do Ministério Público também aproveitam de sua microfísica do poder (Foucult) para destilar seus abusos.

Em outro caso, a juíza de Direito Fernanda Moura de Carvalho e a promotora de Justiça Eliane Gaia protagonizaram um bate-boca no dia 17/03/2022, em sessão da 1ª vara do Tribunal do Júri de Recife/PE, onde a representante do Parquet desrespeitando o depoimento do réu, necessitando de intervenção da magistrada[7]:

Juíza: Silêncio. Doutora promotora de Justiça!

Promotora: Não precisa gritar não, doutora… calma!

Juíza: Estou precisando, porque a senhora não está obedecendo a presidência.

Promotora: Se contenha também.

Juíza: Doutora promotora de Justiça!

Promotora: Se contenha.

Juíza: Continência a senhora não me determina! Cale a boca a senhora! Sente-se!

No dia 08/02/2022, durante uma sessão virtual em processo judicial da 3ª Vara Criminal de Guarapuava, no Paraná, a promotora não percebeu que seu microfone estava ligado ao chamar os advogados de defesa de “bosta[8].

Outros casos, mas não irrelevantes, ocorreram nas esferas dos julgamentos cíveis, mas comprovam o “desserviço” recebido pela população envolvendo o Judiciário ou Ministério público.

No próximo caso, além do puxão de orelha que um advogado levou durante sessão de julgamento no TJ/PB por estar sem gravata, outra cena inusitada aconteceu naquele Tribunal. Durante a sessão da 4ª câmara Cível, o procurador de Justiça José Raimundo é flagrado dormindo em plena sessão[9].

No TJMT em julho/2020, o procurador Paulo Padro esqueceu o microfone ligado e acabou soltando um pum, desculpando-se em seguida[10]: “teve dois momentos que eu me descuidei com o microfone. Se, por acaso, eu fui deselegante ou causei mal estar, queiram me perdoar, por favor“.

No TJAP em abril/2020, o desembargador Carmo Antônio apareceu em uma sessão em vídeo usando nada mais do que coisa alguma: descamisado[11].

Em vista do exposto, percebe-se que as garantias que asseguram aos advogados o exercício pleno e inviolável de sua atividade, que é a defesa em face do abuso de poder constitui-se em luta legítima em favor do exercício da advocacia e da legalidade.

Oportuno lembrar o que dispõe o artigo 6º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia):

Art. 6° Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da Justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.”

É inaceitável os tratamentos dispensados aos causídicos, pois a lei determina o dever de urbanidade a ser dispensado aos advogados no exercício da sua nobre missão que é administrar a justiça, nos termos do art. 133 da Constituição da República.

Várias condutas citadas, ocorridas em sala de audiência ou julgamento em Tribunais, transcendem aos interesses das partes e caracterizam ofensa às prerrogativas do advogado e da advocacia, diante de atitudes inóspitas, agressivas, soberbas, não cordiais, arbitrárias etc.

Esses comportamentos têm sido revelados desde que a Justiça passou a operar por videoconferência, ofendem a advocacia, mas também ferem a dignidade da pessoa humana, sobretudo, diante da gravidade do contexto pandêmico.

Essa série de violações de prerrogativas dos advogados perante a Justiça virtual desafia o trabalho do advogado em si e não podem se perpetuar como outrora, pois agora tudo isso está sendo levado ao conhecimento da sociedade, que é quem paga para ter um serviço de qualidade.

É preciso levantar a bandeira de respeito à advocacia para que essas situações como as narradas jamais ocorram, tendo em vista que os processos refletem na vida e liberdade das pessoas, não podendo ser alvo de arbitrariedade ou desdém por parte de Juízes e Promotores. Quando isso ocorre, não são só as pessoas envolvidas que são atingidas, mas também o advogado e a advocacia.


Yann Dieggo Souza T. de Almeida – Advogado criminalista e membro da ABRACRIM



[11] https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/desembargador-aparece-em-sessao-virtual-sem-camisa-24
73032
. Acesso em 02/04/2022.

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