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As dificuldades enfrentadas pelas advogadas criminalistas em um ambiente de trabalho historicamente masculino

Anna Maria Teixeira Ramella*

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar os problemas encontrados pelas mulheres advogadas criminalistas em sua profissão, em especial a falta de paridade no tratamento entre as advogadas mulheres e os advogados homens.

Para tanto, analisou-se as histórias, relatos, matérias jornalísticas e publicações de âmbito nacional. Esses materiais foram analisados de forma consultiva e interpretativa.

Destaca-se como a maior dificuldade encontrada a violência contra as advogadas frente as violências sofridas pelo machismo inconsciente que permeia o mundo jurídico mesmo diante do retorno significante que estas têm promovido no mundo judicial.

Palavras-chave: Advogada criminalista. Obstáculos. Paridade. Gênero. Violência.

INTRODUÇÃO

O mundo jurídico ainda é maioritariamente dominado por homens e por costumes que sustentam e elevam o patriarcado que beneficiam a maioria das vezes somente o sexo masculino.

A advocacia é uma das mais antigas profissões existentes. Estudiosos do tema afirmam que muito provavelmente foi na Suméria, três milênios antes de Cristo, que surgiram os primeiros indícios da advocacia.

Os dois primeiros cursos de direito no Brasil foram criados por Dom Pedro I no dia 11 de agosto de 1827, um em Olinda, no Mosteiro de São Bento, e outro em São Paulo.[1] Estes cursos poderiam apenas serem desfrutados por homens, já que na época mulheres não tinham sequer o direito a voto.  

Por ser uma profissão tão antiga e inicialmente destinada de forma exclusiva aos homens, ainda somos eivados de características e costumes machistas que dificultam e menosprezam o trabalho feminino na área.

 A mulher advogada é colocada quase que diariamente em análise e em cheque, quase todo dia é criticada, necessitando sempre provar a sua capacidade e habilidade para exercer o trabalho ali destinado, tal situação piora quando falamos de mulheres advogadas criminalistas que além do ambiente jurídico precisam lidar também com o mundo policial na fase pré processual.

Nesses ambientes, infelizmente é bastante comum que advogadas criminalistas sejam submetidas a assédios, e como consequência são compelidas a multiplicar seus esforços, tendo que demonstrar todos os dias para os outros, a sua capacidade de exercer a mesma função que um homem.

Muitas foram as conquistas da advocacia feminina adquiridas com o passar dos anos. Há um incentivo coletivo e individual para que as mulheres sejam respeitadas, reconhecidas e avancem na carreira, e isso não é diferente na advocacia criminal, mas ainda há muito o que mudar.

Mesmo com o avanço dos direitos das mulheres, situações de abusos e discriminações são frequentes, por isso o empoderamento e a união das mulheres são essenciais na busca de um trabalho mais digno.

O presente artigo foi disposto com o objetivo de apresentar os desafios das mulheres na esfera jurídica, em especial, no âmbito do direito criminal, salientando situações de discriminação de gênero. Por fim, traz a equiparação de gênero como um avanço para a igualdade na profissão.

  • A MULHER VISTA COMO INFERIOR NO CONTEXTO SOCIAL

Antes de se adentrar nas dificuldades da profissão da mulher advogada criminalista, mister se faz pontuar o quão difícil é nascer mulher em uma sociedade patriarcal.

Desde a antiguidade o sexo feminino era restrito ao ambiente doméstico, onde vivia como propriedade do sexo masculino. Durante séculos, foi negado as mulheres o direito de tomar decisões sobre as suas próprias vidas, fazendo com que elas vivessem apenas para satisfazer as vontades dos homens, sem ter, qualquer tipo de direito.

Apesar de termos evoluído e conquistado diversos direitos, ainda temos enraizados em nosso cotidiano e nos nossos costumes muita discriminação e violência, além de pequenas ações e discursos como por exemplo: “isso é coisa de menino”, “isso é serviço de menina”, “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, entre outras frases que nos diminuem, nos limitam e nos inferiorizam.

A cada dois segundos, uma menina ou mulher é vítima de violência física, segundo o Instituto Maria da Penha. E estamos falando apenas de violência física, sem incluir ataques verbais e situações que expõem meninas e mulheres a constrangimentos, as famosas piadinhas.[2]

Segundo Drumont:

O machismo enquanto sistema ideológico oferece modelos de identidade, tanto para o elemento masculino como para o elemento feminino: Desde criança, o menino e a menina entram em determinadas relações, que independem de suas vontades, e que formam suas consciências: por exemplo, o sentimento de superioridade do garoto pelo simples fato de ser macho e em contraposição o de inferioridade da menina. [3]

Leandro Karnal nos ensina em seu livro “O Dilema do Porco Espinho” que as mulheres sempre enfrentaram as consequências da misoginia:

“Algumas décadas depois, uma mulher, mesmo com pendores artísticos, literários ou musicais, ainda enfrentava dificuldade enorme para expressar seus talentos em virtude ou da misoginia prevalente, ou da absoluta falta de tempo em razão do trabalho incessante no lar junto aos filhos e aos cuidados com o marido. Pode-se dizer que as mulheres continuavam reféns das lidas domésticas. Outro aspecto crucial era a dificuldade de conquistar um espaço seu para dedicar-se ao estudo, à reflexão, enfim, à solitude criadora. (…) É fato que raramente se pensou em uma mulher como um ser autônomo (como poderia ser, se dependia inteiramente do dinheiro do marido para tudo?), dotada de possíveis anseios intelectuais, sua realização estava circunscrita às quatro paredes do lar. Sua ambição maior deveria ser suprir as necessidades físicas e emocionais do marido e dos filhos. Ninguém pensaria em perguntar se ela era feliz.” [4]

Ante as declarações acima dispostas, nota-se que nascer mulher é sinônimo de ter que batalhar para garantir um espaço na coletividade, é uma trajetória de luta para conseguir o mínimo de respeito e visibilidade, o que piora no âmbito profissional, já que em uma sociedade patriarcal o sexo feminino ainda é ligado somente a tarefas destinadas a gerir e a cuidar da casa e da família.

Por isso se firmar e evoluir profissionalmente em uma sociedade dominada por homens, não é uma tarefa fácil, mas com competência e talento das mulheres têm se sobressaído nesta questão, garantido mais espaço a cada dia.

As mulheres cotidianamente desafiam a hegemonia masculina se inserindo em nichos ou cargos prestigiados nas suas profissões, desbancando em uma batalha diária o machismo incrustado na sociedade.

  • AS DIFICULDADES DA MULHER ADVOGADA CRIMINALISTA E DAS PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS

A advocacia criminal é uma área do direito que exige muito contato pessoal; exige-se de uma criminalista um trabalho de campo feito não somente nas dependências do judiciário, mas também nas delegacias, penitenciárias, presídios, casas de internação e acolhimento e é quase sempre nesses contatos pessoais diários que as criminalistas são vistas como inferiores e incompetentes.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no seu parágrafo I, nos garante a igualdade no tratamento entre homens e mulheres, mas a realidade demonstra o contrário pois somos contaminadas pela discriminação no exercer da profissão jurídica.

As criminalistas são vistas constantemente como menos competentes do que seus colegas do sexo masculino e são tratadas regularmente de forma inadequada pelos policiais, delegados, juízes, promotores e até mesmo pelos clientes que algumas vezes acham que advogadas não são capazes de representá-los adequadamente devido ao seu gênero. Além disso, temos nossa competência e intelectualidade ligada ao corpo, a roupa, a cor de cabelo, a aparência, tornando o trabalho muito mais difícil.

Quase que diariamente somos atualizadas acerca da discriminação existente na sociedade e no âmbito jurídico, diversas são as matérias jornalísticas, publicações e comentários em que advogadas são menosprezadas pelo simples fato de serem mulheres, que são diminuídas única e exclusivamente pelo gênero.

Segundo Drummont isso acontece pois o machismo, em efeito de mistificação, supercodifica a representação de uma relação de poder, passando a representar e colocar em pratica a dominação do homem sobre a mulher na sociedade por meio de atos, atitudes e práticas tais como:  violência verbal e física, grosserias, dizeres preconceituosos, assédio sexual, assédio moral, ditos populares, piadas infames, diferenças de cargos e diferenças salariais. [5]

Além de toda a dificuldade enfrentada no âmbito profissional, de ter que lidar com um machismo desenfreado, precisamos conciliar o trabalho com a vida pessoal, e, como a advocacia criminal envolve muitas horas de trabalho, incluindo noites e fins de semana, é complexo para as advogadas equilibrar a profissão com suas responsabilidades familiares e muitas vezes materna.

Veja-se, portanto, que as advogadas têm buscado diariamente o seu espaço de reverência no âmbito profissional, mas encontra barreiras de uma sociedade que ainda é machista, e por muita das vezes não consegue enxerga-la como uma profissional competente e que merece respeito.

Por isso de suma importância que o empoderamento feminino entre as criminalistas ganhe força, voz e expressão, há necessidade de união para se exigir da Ordem dos Advogados do Brasil e do Legislativo a criação de novas leis e provimentos que beneficiem a mulher, garantindo a paridade de gênero.

Nesse contexto importante pontuar a expressão aristotélica que expressa o princípio da isonomia: “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

Isso porque a igualdade prevista na Constituição Federal vai além da questão de gênero e busca o tratamento isonômico entre todos, ou seja, nas palavras de Nery Junior ͞Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades´.[6]

Dentro da Ordem dos Advogados do Brasil a paridade de gênero foi pauta exclusiva somente em 2013 com a criação da Comissão da Mulher Advogada. Tal comissão foi criada com o intuito de reforçar e garantir que as mulheres tenham melhores condições de exercer sua profissão em ambientes que ainda são dominados pelo sexo masculino, tendo como foco a valorização das mulheres advogadas.

Em 2015, foi criado o Plano de Valorização da Mulher Advogada, onde neste, através de diretrizes, foi instituída, a defesa das prerrogativas das mulheres no exercício da advocacia, dando origem ao Provimento 164/15, que trata do fortalecimento dos direitos humanos da mulher.

Em 2016 foi aprovada a Lei 13.363 (Lei Julia Matos), que estabelece direitos e garantias para as advogadas gestante, lactante, adotante ou que querem dar à luz.

Diversos fóruns ocorreram entre os anos tendo como roteiro a desigualdade de gênero e o respeito às mulheres e em 2020 foi apresentada pela Conselheira Federal Valentina Jungmann a Lei da Paridade, cujo projeto fora aprovado no mesmo ano.

A aprovação da Lei trouxe um avanço para a advocacia, após noventa anos de instituição eis que finalmente poderá se adquirir espaços mais igualitários na instituição.

A lei de paridade altera art. 131, caput, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, e art. 7º caput, do Provimento nº 146/2011, fixando um percentual de 50% (cinquenta por cento), tanto de titulares quanto suplentes, para candidaturas de cada gênero para estabelecer que as chapas devam atender a este percentual para obterem o registro. Bem como a implementação de cota racial de 30% (trinta por cento).

 A lei sem dúvidas irá trazer mudanças significativas para a advocacia feminina, porém todos os projetos, comissões e legislações existentes ainda não combatem a discriminação existente, ou seja, o caminho da paridade de gênero é muito novo e tem muito ainda que ser trilhado.

  • CONCLUSÃO

Apesar do grande destaque das advogadas, o machismo ainda é enraizado no mundo jurídico, mesmo que de forma inconsciente, e este deve ser combatido, por meio de legislações e campanhas junto à sociedade, demonstrando a importância da mulher na advocacia e como elas devem ser vistas e tratadas com respeito.

É de suma importância que as mulheres advogadas, continuem em busca do seu lugar profissional haja vista que o estudo, a persistência, a coragem, a força, a liberdade, a igualdade e a resiliência são primordiais para o desenvolvimento intrínseco do avanço do protagonismo feminino na atual sociedade.

A discussão de gênero é a forma mais eficaz de desconstrução da teoria machista e patriarcal presente na nossa sociedade, e somente por meio do conhecimento, do debate, é que se chega a um movimento contrário a esta discriminação contra a mulher.

Há muito caminho a percorrer para que possamos trabalhar com maestria e ainda, representar e ser representada, como parte do empoderamento e sororidade na sociedade, porém não podemos parar.

É essencial que haja uma transformação cultural na visão que se tem acerca da mulher, é necessário enxergá-la como essencial para a sociedade e para advocacia.

Adichie em seu livro Sejamos todos Feministas sustentava que: “A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte de nossa cultura, então temos que mudar a nossa cultura”. [7]

*Anna Maria Teixeira Ramella é vice-presidente da Abracrim Santa Catarina

BIBLIOGRAFIA

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

CF Valentina Jungmann apresenta projeto que estabelece paridade entre homens e mulheres nas eleições da oab. OAB Goiás. Publicado em 15/08/2020 Disponível em: https://www.oabgo.org.br/oab/noticias/reivindicacao/cf-valentinajungmann-apresenta-projeto-que-estabelece-paridade-entre-homens-emulheres-nas-eleicoes-da-oab/. Acesso em: 21 fev. 2023.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 fev. 2023.

DRUMMOND, Marcílio Guedes. Dia do Advogado (11 de agosto). Breve história da Advocacia. A advocacia é uma das profissões mais antigas da humanidade. Disponível em: Https://marciliodrummond.jusbrasil.com.br/artigos/218337057/dia-do-advogado-11-de-agosto-breve-historia-da-advocacia Acesso em 20 fev. 2023.

DRUMONT, Mary Pimentel. Elementos Para Uma Análise do Machismo. Perspectivas, São Paulo, 1980.

KARNAL, Leandro, O dilema do porco-espinho: Como encarar a solidão, fls. 58, Editora: Planeta, 10 de outubro de 2018.

NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

SANTOS, João Vitor. Cultura do patriarcado e desigualdades históricas entre os sexos são vetores de uma epidemia de violência contra a mulher. Entrevista especial com Nadine Anflor. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/586504-cultura-do-patriarcado-e-desigualdades-historicas-entre-os-sexos-sao-vetores-de-uma-epidemia-de-violencia-contra-a-mulher-entrevista-especial-com-nadine-anflor Acesso em: 21 fev. 2023.


[1] DRUMMOND, Marcílio Guedes. Dia do Advogado (11 de agosto). Breve história da Advocacia

A advocacia é uma das profissões mais antigas da humanidade Disponível em: https://marciliodrummond.jusbrasil.com.br/artigos/218337057/dia-do-advogado-11-de-agosto-breve-historia-da-advocacia Acesso em 20 fev. 2023.

[2] SANTOS, João Vitor. Cultura do patriarcado e desigualdades históricas entre os sexos são vetores de uma epidemia de violência contra a mulher. Entrevista especial com Nadine Anflor. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/586504-cultura-do-patriarcado-e-desigualdades-historicas-entre-os-sexos-sao-vetores-de-uma-epidemia-de-violencia-contra-a-mulher-entrevista-especial-com-nadine-anflor Acesso em: 21 fev. 2023.

[3] DRUMONT, Mary Pimentel. Elementos Para Uma Análise do Machismo.Perspectivas, São Paulo, 3: 81, 1980.

[4] KARNAL, Leandro, O dilema do porco-espinho: Como encarar a solidão, fls. 58, Editora: Planeta, 10 de outubro de 2018.

[5] DRUMONT, Mary Pimentel. Elementos Para Uma Análise do Machismo. Perspectivas, São Paulo, 3: 81-85, 1980.

[6] NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.p,42.

[7] ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 57.

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