As escolhas que desacreditam o Supremo e emprestam a advocacia uma nova cara
Marcelo Bareato*
Os recentes episódios experimentados pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente na figura do Ministro Alexandre de Moraes e, fortemente rebatido pelo ex-ministro Marco Aurélio (veja @estadao – “o supremo não é competente para julgar os arruaceiros de 8 de janeiro, diz Marco Aurélio” – ainda – “Marco Aurélio critica acúmulo de relatorias de Alexandre de Moraes em inquéritos: nada justifica”), além das decisões sobre casos idênticos que se alternam entre favoráveis, em um mês, e desfavoráveis noutro, vem colocando em xeque a credibilidade do maior Tribunal do país e refletindo de maneira muito negativa no cenário nacional e internacional.
A verdade é que nossos ministros, há muito, deixaram a função de interpretar a Constituição indicando os limites em que é possível aplicar os princípios que se relacionam ao caso concreto, e passaram a discutir dilemas, propiciando um amontoado de jurisprudências contrárias ao texto Maior.
Com isso, juízes em fase de conhecimento também entenderam ser possível abandonar a lei e imprimir em suas sentenças, o que chamam de moral e bons costumes, publicando em redes sociais seus pareceres e formas de interpretação, deixando claro suas preferências e, em que casos costumam pesar a mão, aniquilando a imparcialidade que deveria ser o fator motivador de qualquer decisão.
O efeito, como se percebe, é em cascata. O juiz não se vê obrigado ao texto legal porque o ministro da Suprema Corte não o aplica. O desembargador, no Tribunal, ao julgar o recurso, até para manter o corporativismo, faz questão de indicar que não segue lei, Constituição ou jurisprudência, afinal lhe compete fazer justiça através da manutenção da moral e dos bons costumes.
Por sua vez, cada câmara ou turma dos Tribunais, já que não há punição para quem não aplica a lei, se vê no direito de julgar de acordo com o que bem entender, fazendo com que, por exemplo, o Estado de São Paulo decida diferente do Estado de Goiás, que por sua vez, decide diferente do Estado de Minas Gerais, que também o faz diferente do Estado de Santa Catarina e, assim seguem todos, numa orgia jurídica.
Com isso, os advogados lançam mão dos meios possíveis para tentar fazer com que seus clientes tenham, ao menos o mínimo para garantir a hoje muito distante segurança jurídica e recorrem ao STJ e STF, através dos inúmeros recursos especiais e extraordinários, aos quais seguem-se os embargos, agravos, habeas corpus; agora com a medíocre finalidade de solicitar aos Tribunais Superiores que uniformizem a jurisprudência aplicada aos quatro cantos e desencontrada, desarrazoada na sua essência.
Percebam! A ideia motriz de todo o direito seria recorrer a um Tribunal apenas quando um juiz, em primeira instância, deixasse, numa hipótese rara e inadmissível, de aplicar de forma correta a lei vigente. Tal situação deveria ser traduzida em verdadeira repulsa, já o que correto, se fosse praticado, diminuiria o trabalho dos Tribunais Superiores e forçaria apenas a interpretação da extensão dos princípios constitucionais.
Entretanto, abandonamos por completo a ideia de Constituição e justiça e passamos a nos contentar com a parte obscura da força, ou seja, pedir que qualquer ministro nos diga quem, em sua moral e bons costumes, disse menos besteiras e não se afastou tanto da Magna Carta.
O descontrole é amplo e irrestrito, ao passo em que, o próprio órgão encarregado de fiscalizar o judiciário e criado especialmente em 2004 como forma de exigência da ONU para manutenção de nossa cadeira junto a Organização Mundial, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, faz vistas grossas sobre a maioria das reclamações que recebe e, quando toma alguma posição, o faz de forma minimamente aconselhadora, como se premiando o imperdoável.
É nesse ponto que nasce aos advogados que militam no criminal e, especialmente, nos Tribunais Superiores, a possibilidade de aprendizado sobre uma nova forma de advocacia, que demanda mais conhecimento, mas que é, no momento, a única capaz de provocar o desassossego daqueles que não respeitam a lei e a Constituição. Estamos nos referindo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que é guardiã do Pacto de San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário desde 25 de setembro de 1992 e por isso se obriga a cumprir suas disposições.
Não é por menos que o artigo 2 do Pacto explicita o Dever de Adotar Disposições do Direito Interno – “se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiverem garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades”; seguido pelo artigo 7 – Direito a Liberdade Pessoal: 2 – “ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”.
Resta evidente que nenhuma jurisprudência pautada na moral e bons costumes, faz parte da obrigação assumida pelo Brasil em 1992, quando reafirmamos nossa obediência e, ato continuo, declaramos respeito absoluto a Constituição e as leis vigentes (veja também chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf ).
Dito de outra forma, sabemos que estamos na contramão do que possuímos por base legal, estamos sistematicamente desconstruindo o conceito de segurança jurídica, caminhamos em busca de uma justiça que, de justa, não tem absolutamente nada e estamos fomentando julgadores midiáticos, com tendências político-partidárias, que provocarão um futuro extremamente nebuloso, para todos que militam na área do direito.
Cientes desse fato e temerosos pela retomada dos julgamentos pautados apenas no direito posto, os Tribunais se organizam, por vezes impedindo as sustentações orais, quando poderão ser confrontados no alto de suas arrogâncias, por outras impedindo que o advogado grave a audiência em que participa, em outros casos permitindo que promotores desrespeitem advogados e, como parece lugar comum, dando voz de prisão aos causídicos que insistem em se fazer respeitar.
Para tanto, incrementando o faz de contas, existem movimentos que procuram conferir uma certa lisura aos atos antidemocráticos, mostrando uma aparente preocupação com os rumos do direito, como ocorreu no Supremo Tribunal Federal, quando protagonizou estudos sobre a jurisprudência da Corte Interamericana, no último dia 20 de maio de 2024, no Seminário Internacional cujo teor foi Desafios e impacto da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (vide @corteidhoficial), na tentativa de mostrar que não há necessidade do recurso àquela Corte Internacional, vez que estamos cumprindo, no contexto interno, tudo que é correto e indispensável.
Assim, meu Caro Leitor, a dica de hoje é no sentido de não duvidarmos que se tratam de tempos tormentosos, mas como mar calmo nunca fez bom marinheiro, talvez seja esse o convite para um estudo mais aprofundado sobre direitos humanos e momento para aproveitar as escolhas que desacreditam o Supremo Tribunal Federal e toda a justiça brasileira, para aprimorar nossa advocacia, especializando-a, a ponto de romper os muros da ignorância, as fronteiras que nos limitam e projeta-la para voos mais altos, conhecendo e trabalhando com os princípios e Cortes que garantem o respeito a dignidade e aos direitos conquistados com tanto sofrimento e história.
*Marcelo Bareato é Advogado Criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, membro da Coordenação de Política Penitenciária da OAB/Nacional gestão (2022/2025), Coordenador da subcomissão de Direitos Humanos para o Sistema Prisional da OAB/Goiás (gestão 2022/2024) e Coordenador da Comissão Interestadual de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional junto ao Conselho Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia/GO, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).