O poder da investigação defensiva
Carla Fernanda Vieira*
Em muitos cenários da advocacia criminal clássica brasileira o papel investigativo é desempenhado apenas pela autoridade policial e pelo órgão acusador. Dos elementos colhidos nas investigações, quase sempre se concebe um processo criminal, o que dificulta a igualdade na seara processual.
Em séries e filmes americanos, frequentemente nos deparamos com advogados que atuam como verdadeiros investigadores. Além de suas funções burocráticas, esses profissionais realizam inquirição de testemunhas, coletam provas, reconstituem fatos, tudo em favor da defesa, exercendo uma advocacia investigativa abundante. Tal retrato fictício, infelizmente, ainda está distante da prática penal brasileira.
O crescimento do direito penal e as complexidades dos casos criminais geraram uma demanda crescente por advogados que não só representam os clientes no tribunal, mas também realizam investigações próprias para garantir uma defesa robusta. Diante da dificuldade de assegurar uma igualdade processual, a defesa criminal clássica e monótona perde força, tornando a profissionalização da prática jurídica e o avanço das técnicas de investigação ferramentas essenciais no dia a dia do advogado.
Em âmbito nacional, o Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[1] não só autoriza como regulamenta a investigação criminal defensiva. Esse provimento permite que o advogado realize atos investigatórios para a instrução de procedimentos administrativos e judiciais, garantindo a ampla defesa e o contraditório.
Notavelmente, a apuração defensiva não é bem recebida por autoridades judiciárias que esperam obediência inquestionável. Contudo, o direito investigatório deve ser imposto e exercido pela defesa para evitar injustiças e estancar ilegalidades.
Essa prática ajuda a prevenir erros judiciários, contribuindo para a identificação de testemunhas, documentos e outras evidências que possam ter sido negligenciadas ou ignoradas pela acusação. A investigação defensiva também pode revelar abusos de poder ou falhas na investigação oficial, assegurando que os direitos do acusado sejam respeitados. Em muitos casos, a atuação de investigadores defensivos pode ser determinante para a absolvição de inocentes e para a manutenção da credibilidade do sistema judicial. Portanto, a investigação defensiva é um componente fundamental para a realização da justiça e a proteção dos direitos individuais no processo penal.
Um exemplo disso é a recente decisão proferida pelo Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital do Estado de Santa Catarina, que reconheceu a ilicitude de uma prova decorrente da apreensão de telefone celular e todas as demais dela derivadas. Por meio da investigação defensiva, o defensor instaurou incidente de ilicitude de prova e observando as diretrizes do Provimento n. 188/2018, inquiriu uma testemunha que confirmou ter sido coagida e ameaçada a fornecer sua senha pessoal do aparelho telefônico.
Isto é, a investigação defensiva desempenha um papel crucial no âmbito penal, oferecendo um contraponto essencial à investigação oficial conduzida pelas autoridades. Ao permitir que a defesa tenha um papel ativo na construção do caso, a investigação defensiva promove a igualdade de armas entre as partes, essencial para a justiça.
Portanto, o exercício da prerrogativa profissional do advogado em diligências investigatórias é um avanço significativo para o fortalecimento da advocacia e da justiça. Essa prática contribui para a efetividade do direito de defesa e para a construção de um processo judicial mais justo e equilibrado, onde todas as partes têm a oportunidade de apresentar suas provas e argumentos de maneira plena e eficaz.
*Carla Fernanda Vieira, Advogada Criminalista; graduada pela Unisul – Universidade do Sul de Santa Catarina; Membra da Comissão do Tribunal do Júri de Santa Catarina; advogada no escritório Nathália Poeta Advocacia Criminal e Koerich e Santos Advogados Associados.
[1] Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018. Acesso em: 22 de maio de 2024.