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A conveniente ideia midiática de que o crime compensa no caso Marcelo Odebrecht

Marcelo Bareato*

Que a mídia vem ditando regras no direito brasileiro, especialmente no direito penal, parece lugar comum.

Com a crescente onda de juízes cada vez mais no foco das redes sociais e objetivando carreiras políticas, seguir o que a mídia posta e o que causa clamor público, nunca esteve tão na moda.

Não é por menos que somos o único país que transmite julgamentos em tempo real, fazendo com que juízes, cada vez mais, busquem junto à comunidade em que atuam, qual a opinião do cidadão sobre esse ou aquele crime, e julguem de acordo com as impressões que recebem a título de informação.

Ocorre que, como estamos acostumados a dizer em nossos artigos, juiz tem por função aplicar a lei posta, nos exatos limites daquilo que ela determina. Não é função do magistrado ouvir opinião do cidadão ou seguir o que a mídia força como forma de direito. Isso, em incontáveis vezes, leva apenas ao que chamamos de vingança.

E os casos estão por todo o repertório do nosso direito, seja quando começamos a desacreditar a vítima, como forma de mostrar que o agir truculento da polícia está correto, ou quando endeusamos aquele que está responsável por cumprir um ato legal e excedeu todos os limites permitido, como se estivéssemos criando um parâmetro de ética para a prática de crimes.

Quem pratica crime é criminoso, independente se é juiz, promotor ou delegado. Não podemos punir desrespeitando a lei e esperar que o “criminoso” respeite a pena imposta se ela (pena) advém de um processo ilegal, de procedimentos ilícitos ou que afrontem a dignidade da pessoa humana e as garantias constitucionais.

Neste passo, vale lembrar que, quem dita as regras de como o judiciário se comportará é o Governador. Dele advém as diretrizes que são invariavelmente político-partidárias e carregadas no contexto midiático. Com o que ele (governador) espera, as mídias colocarão no ar o caso a ser julgado no judiciário, forçando com que a população aceite esta ou aquela verdade, como sendo a correta para o caso concreto. Ao chegar na fase de julgamento, o juiz, que segue a onda de ser bem-quisto pela população, trata de colocar sua opinião nas redes sociais e divulgar cada passo que pretende dar, esperando que a população esteja a seu lado, para que seja ovacionado quando estiver nos restaurantes, eventos ou em qualquer aparição pública; fazendo com que o direito esteja cada vez mais distante da realidade daquele caso a ser julgado.

De toda sorte, pouco importa o direito, já que a sua promoção a desembargador, por exemplo, está condicionada ao que o Governador entende como sendo o melhor para a população, diga-se de passagem, o melhor para a sua reeleição ou eleições futuras.

Com Marcelo Odebrecht não foi diferente. Com uma operação chamada Lava-Jato, juízes como Sérgio Moro e o Promotor de Justiça Deltan Dallagnol, de 2014 a 2021, abriram mais de 200 inquéritos, procederam mais de 400 investigações e condenaram mais de 100 pessoas, supostamente envolvidas em escândalos de corrupção.

Com a ressalva de que não estamos aqui para defender este ou aquele envolvido, fato é que, em todos os procedimentos é possível perceber que a lei não foi respeitada. Neste sentido, quando a lei não é obedecida nos exatos termos do que prevê a Constituição Federal, as leis especiais e o processo penal, outra sorte não há que a anulação de tudo quanto fora feito.

A Lava-Jato era a expressão do gasto desmedido para com a população, na busca por satisfazer interesses políticos partidários de juízes e promotores e isso, ficou bem claro quando as portas do judiciário curitibano foram abertas e todos os desmandos passaram a fazer parte da realidade brasileira.

Promotores em viagens internacionais para investigar pessoas que não estavam relacionadas a caso algum; abertura de procedimentos contra pessoas mencionadas por supostos criminosos em delações extrajudiciais; penas absolutamente fora dos patamares legais; repatriação de 1% dos supostos valores desviados e legalização dos demais 99%, como forma de premiar quem quisesse falar e poupasse o trabalho do Ministério Público; tribunais de exceção com três magistrados para julgar cada caso, enquanto nossa lei é clara em proibir tais “táticas” e, tudo com a finalidade de impedir que fossem alegadas as parcialidades e suspeições que, de fato, sempre existiram; mitigação de cláusula pétrea como é o caso do princípio da presunção de inocência, apenas para validar a prisão após sentença recorrível; tornozeleira eletrônica para os amigos que foram condenados há mais de 20 anos, para que ficassem apenas 2 anos em suas mansões, desde que prestassem depoimento no sentido de validar o que Moro e Dallagnol queriam; etc.

Não é à toa que todos os absurdos realizados entre 2013 a 2022 estão sendo anulados, mesmo com todo gasto que a famigerada operação trouxe aos cofres públicos, seja com os inquéritos, os processos, os recursos, as prisões e as anulações sobre o todo, com a ressalva de que seremos obrigados a indenizar a todos os envolvidos e “prejudicados”, que foram ou sofreram violações em seus direitos enquanto ser humano e componente de um estado democrático de direito.

Mas, não se espantem, não! Isso só está ocorrendo porque a comunidade internacional resolveu achincalhar ou ministros do Supremo quando proferem palestras fora do Brasil, ocasião em que são questionados sobre como é possível falar em democracia e dignidade da pessoa humana se o judiciário brasileiro não respeita, nem mesmo, o texto maior, ou seja, a própria Constituição Federal.

Essa desaprovação na comunidade internacional é a responsável por fazer com que, depois de 9 (nove) anos – 2013 a 2022 -, o Supremo reveja seus posicionamentos e opte por anular os procedimentos que violaram, de forma tão brutal, o devido processo legal e as garantias constitucionais. Logo, não se trata, como na chamada do Jornal Opção no Instagram (@jrnalopcao), de dizer que “O “Perdão” a Marcelo Odebrecht sugere que o crime compensa no Brasil e impunidade reina” ou ainda, como o texto indica, que “O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou, com um golpe de tinta, nesse dia 21, todas as ações da Operação Lava-Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht”; para além de toda a desinformação proposta, estamos diante da tentativa de recobrar a respeitabilidade do judiciário e, talvez, dar um sinal aos juristas, mundo a fora, de que o Brasil é sério e mantém a estabilidade jurídica que dele se espera.

Destarte, meu Caro Leitor, é preciso que tenhamos parcimônia ao ler certos textos ou replicar informações desprovidas de razão. Se queremos que a cultura jurídica faça parte do nosso dia a dia, é necessário entender os meandros do processo e nos afastar da conveniente ideia midiática de que o crime compensa, quando, na verdade, estamos corrigindo erros grosseiros e restabelecendo a segurança jurídica, tão necessária. Se queremos mais, devemos requerer do judiciário, após as anulações, que todos os envolvidos, sejam eles juízes, promotores, delegados, desembargadores, ministros, arquem com os custos dos procedimentos errados, suas indenizações e recebam punições administrativas, por não cumprir o que a lei determina e, ai sim, estaremos no caminho para que outras situações desastrosas como essas, não voltem a acontecer.

*O autor é Advogado Criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Vice Presidente da ABRACRIM/GO – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Secção Goiânia/GO, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, membro da Coordenação de Política Penitenciária  da OAB/Nacional gestão (2022/2025), Coordenador da subcomissão de Direitos Humanos para o Sistema Prisional  da OAB/Goiás (gestão 2022/2024) e Coordenador da Comissão Interestadual de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional junto ao Conselho Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia/GO, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).

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