Mulheres e a militância no Direito e no Plenário do Júri
Por Emmanuelle de Souza Teixeira Costa[1]
A participação das mulheres na militância da advocacia e no tribunal do júri reflete tanto os desafios que enfrentamos quanto as conquistas que arduamente alcançamos ao longo do tempo. Essa jornada é marcada pela luta constante por direitos humanos, igualdade de gênero e justiça social. No entanto, à medida que avançamos, é crucial lembrar que nossas conquistas, tão duramente obtidas, ainda correm riscos e exigem vigilância constante para que não sejam perdidas.
A militância feminina na literatura jurídico-penal nos remete à Guerra de Tróia, quando Atenas – deusa da sabedoria e da justiça – presidiu o júri de Orestes, considerado por muitos o primeiro júri da história, e com seu voto de desempate (voto de Minerva) absolveu o acusado. Importante recordar que, no julgamento de Orestes figuraram Tisífone, Megera e Alecto, as mulheres deusas, conhecidas como as três Erínias (o castigo, o rancor e o infindável), encarregadas de castigar os castigos humanos[2]. A elas atribuímos a militância das mulheres promotoras de justiça que, também, lutam por seu reconhecimento e espaço no Plenário do Júri.
Desde a mitologia grega passando pela era medieval, enquanto os homens vestiam suas armaduras, nós mulheres segurávamos o escudo sem nos esquivarmos do que viria a frente. Foi o caso de uma líder de alto escalão dos Vikings, descoberta no ano de 2017, pela cientista Charlotte Hedenstierna- Jonson, da Universidade de Uppsala.[3]
Assim, o medo tornou-se inexistente e a coragem fez frente a inúmeras batalhas.
Esse duelo, na esfera criminal, nos atraca no tribunal de lágrimas aonde àquelas armaduras dão lugar a toga e o peso do escudo faz sentir na confiança que o réu e seus familiares depositam em nós mulheres advogadas. É ali que se torna latente o combate quando em um lugar masculinizado o tom, a suavidade da voz, a inteligência e feminilidade apresentam aos juízes nossa força, capacidade e determinação.
Na época em que a advocacia era encarada como um ofício “viril”, destinado aos homens, devemos nosso lugar à advogada, Myrthes Gomes de Campos[4], que foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Ela abriu o caminho para que outras advogadas pudessem ocupar o espaço do tribunal do júri, um ambiente tradicionalmente dominado por homens. Em sua estreia, no ano de 1906, defendeu Augusto Ferreira, acusado de agredir um homem com golpes de faca em 11 de maio de 1898, adaptando a toga, vestimenta tradicional, para o sexo feminino, discutindo assim o papel da mulher, não só em seu ambiente profissional, como na sociedade[5]. A defesa se transformou em fato público por ser a primeira vez que uma mulher patrocinaria uma causa judicial. Com a plateia lotada para assistir à sua atuação, Myrthes surpreendeu o juiz, os jurados e até o réu, demonstrando profundo conhecimento do Código Penal e, sobretudo, pelo poder de argumentação. Ela venceu o promotor, até então considerado imbatível, e conseguiu a absolvição do réu[6].
Em contextos historicamente dominados por homens, nossa presença no tribunal do júri simboliza resistência e competência. A suavidade de nossa voz, combinada com a inteligência e firmeza, desafia as expectativas e padrões preconcebidos. Mas isso exige esforço constante. Estereótipos que questionam nossa autoridade e liderança ainda nos cercam, e a cobrança para equilibrar a “feminilidade” com a força necessária para sermos levadas a sério é um desafio diário. Se recuarmos, essas pressões podem nos empurrar para fora dos espaços que conquistamos com tanto esforço.
As mulheres que vieram antes de nós – de Joana D’Arc à Ruth Bader Ginsburg – pavimentaram o caminho com coragem e determinação. Elas enfrentaram sistemas opressivos e lutaram pela justiça, deixando um legado que inspira nossa militância atual. Mas esse legado é também um alerta: nada do que foi conquistado é permanente se não continuarmos a lutar por isso. A história nos ensina que os direitos que não são continuamente defendidos podem ser perdidos. Enquanto tribunas entregamos justiça ao social, discutindo os valores que hão de ser reinantes para o “amanhã”[7].
Desde então, a militância feminina na advocacia tem sido essencial para a construção de uma justiça mais inclusiva e igualitária. Essa luta, porém, está longe de ser concluída. Se não nos mantivermos ativas e engajadas, há sempre o risco de retrocessos que possam minar os avanços já conquistados.
A história nos mostra o poder transformador da militância das mulheres na advocacia, como nos casos da Lei Maria da Penha e da tipificação do feminicídio, que trouxeram mudanças legislativas significativas. Em Santa Catarina, a liderança de Claudia Prudêncio da Silva, primeira mulher em 94 anos a presidir a OAB-SC, representa um marco histórico na luta pela representatividade feminina na advocacia. Contudo, a desigualdade persiste e ainda se manifesta em diferenças salariais, menos oportunidades de liderança e preconceitos enraizados no ambiente de trabalho. Não podemos nos acomodar.
Além disso, enfrentamos discriminação e assédio, tanto de colegas quanto de clientes, o que impulsiona a necessidade de redes de apoio e movimentos específicos para resistir a essas adversidades. A pressão para equilibrar as demandas profissionais e pessoais é uma realidade para muitas advogadas, especialmente em sociedades onde as responsabilidades familiares ainda recaem majoritariamente sobre as mulheres. Essas dificuldades são amplamente conhecidas, mas é necessário sublinhar que o combate a essas injustiças não pode cessar. Cada uma de nós deve manter-se firme e ativa para proteger e expandir os espaços que conquistamos.
A militância feminina na advocacia fortalece não apenas os direitos das mulheres, mas enriquece o campo jurídico com perspectivas inovadoras. A nossa participação ativa é essencial para garantir que a sociedade avance em direção a uma justiça verdadeiramente acessível a todos. No entanto, para que isso aconteça, precisamos estar sempre prontas para defender os espaços que ocupamos e avançar ainda mais.
O futuro da advocacia depende de nossa presença ativa, de nossa união e de nossa capacidade de continuar lutando, tanto no tribunal do júri quanto na militância pelos direitos das mulheres. Não podemos nos dar ao luxo de recuar; é hora de nos engajarmos ainda mais, de fortalecer nossas redes de apoio e de assegurar que, no futuro, as mulheres sejam reconhecidas não apenas como ocupantes, mas como líderes incontestáveis nos espaços que conquistamos.
*Emmanuelle de S. Teixeira Costa. Advogada Criminalista; gradualda pela UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí de Santa Catarina; pós graduada em Direito Aduaneiro pela Univali, Direito do Trabalho pela AMATRA; Presidente da 42ª Subseção da Ordem dos Advogados de Santa Catarina; Membra da Acrismesc e e da Abracrim; Advogada no escritório Gomes & Teixeira Advocacia.
[1] Advogada, especialista em direito aduaneiro, direito do trabalho, membra da Abracrim, Acrimesc, militante no Tribunal do Júri, Presidente da 42ª Subseção de Balneário Piçarras/SC.
[2] Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-primeiro-juri-da-historia/327561490#:~:text=Consta%20que%20o%20j%C3%BAri%20para,o%20primeiro%20da%20hist%C3%B3ria%20mitol%C3%B3gica> Acesso em: 19 ago. 2024.
[3] Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/uma-mulher-entre-os-l%C3%ADderes-guerreiros-vikings/a-40455138> Acesso em: 19 ago. 2024.
[4] Aval da Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência. Revista IOAB. 6 de julho de 1899 Primeira mulher a ser admitida no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. […] não se pode sustentar, contudo, que o casamento e a maternidade constituam a única aspiração da mulher ou que só os cuidados domésticos devem absorver-lhe toda atividade. […] Não é a lei, é a natureza, que a faz mãe de família. […] a liberdade de profissão, é, como a igualdade civil da qual promana, um princípio constitucional […]; nos termos do texto do art. 72, § 22 da Constituição o livre exercício de qualquer profissão deve ser entendido no sentido de não constituir nenhuma delas monopólio ou privilégio, e sim carreira livre, acessível a todos, e só dependente de condições necessárias ditadas no interesse da sociedade e por dignidade da própria profissão; […] não há lei que proíba a mulher de exercer a advocacia e que, importando essa proibição em uma causa de incapacidade, deve ser declarada por lei […].
[5] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Myrthes_Gomes_de_Campos> Acesso em: 19 ago. 2024.
[6]Disponível em: <https://www.oab.org.br/noticia/60107/juristas-que-marcaram-a-historia-do-pais-myrthes-gomes-de-campos> Acesso em: 19 ago. 2024.
[7] Sales, Dani, Júri. O Tribuno. 1ª edição. Cuiabá – MT: Carlini & Caniato Editorial, 2020.