Tribunal dos EUA condena à morte por falha processual
Muitas pessoas podem contribuir para um erro judicial: magistrados, advogados, promotores, testemunhas, jurados etc. Mas só uma paga pelo erro: a parte. Para isso existem tribunais de recursos e mecanismos para correção de erros judiciais. Mas o que acontece quando um tribunal superior se recusa a analisar o recurso de um condenado à pena de morte porque houve uma pequena falha no processo? Para um tribunal de recursos como o do estado de Alabama, o réu morre. E não se fala mais nisso.
A Justiça de Alabama tem idiossincrasias que preocupam a comunidade jurídica dos Estados Unidos, segundo o jornal The New York Times. Uma delas é a de não dar a atenção às decisões da Suprema Corte, e agir como se elas não existissem. Em 2010, a Suprema Corte reformou decisão de um tribunal de recursos da Flórida e, em 2011, de um tribunal de recursos do Alabama, por suas atitudes extremamente rígidas quanto a prazos em casos de pena de morte. “Parece que os tribunais de Alabama não escutam”, diz o jornal.
O último caso, que está arrepiando o senso de justiça dos americanos, foi a decisão, por 2 votos a 1, de um tribunal superior do estado de não aceitar o recurso de Ronald Smith porque o advogado deixou de recolher uma taxa de US$ 154 quando deu entrada no pedido — e porque não apresentou, dentro do prazo, documentação comprobatória de que o réu era considerado “indigente” e que não tinha recursos para fazer o pagamento.
Além de se apegar rigidamente à exigência do pagamento da taxa, ignorando a orientação da Suprema Corte, o tribunal também não levou em conta os conhecidos “problemas” do advogado do réu, diz o jornal. O defensor cumpria pena, suspensa condicionalmente, por embriaguez em lugar público e era dependente de metanfetamina. Foi preso duas vezes por posse de drogas, declarou falência e tentou suicídio. À época, quando não chegava embriagado ao escritório, alguém tinha de ir buscá-lo em casa para levá-lo ao tribunal, como declarou seu assistente.
Nessas condições, o advogado dificilmente poderia proporcionar uma defesa adequada ao réu, que não tinha condições financeiras para contratar outro defensor. No entanto, ele pelo menos entrou com o pedido no tribunal de recursos para rever a condenação, diferentemente do que ocorreu em outro caso. A disputa Maples v. Thomas resultou na repreensão da Suprema Corte ao mesmo tribunal de Alabama.
Nesse caso, já noticiado pela ConJur — clique aqui para ler —, uma das mais proeminentes firmas de advocacia dos EUA, a Sullivan & Cromwell, de Nova York, sequer deu entrada no pedido de recurso porque perdeu o prazo. O funcionário encarregado da correspondência engavetou as cartas enviadas pelo tribunal a dois advogados porque eles haviam se desligado da firma. Mesmo assim, os ministros da Suprema Corte concederam um novo prazo ao réu.
A juíza Rosemary Barkett, do tribunal do Alabama, disse em seu voto divergente que não vê diferenças entre os casos de Smith e Maples. “A grande questão é se é moralmente permissível culpar o réu por erro de seu advogado ou de quem quer que seja”, afirmou. “Não é justo e não é equitativo permitir que um réu condenado à morte sofra as consequências de um erro de seu advogado. O réu pode ser culpado, mas tem o direito de apresentar seu caso.”
Não há dúvidas razoáveis de que Smith tenha matado o funcionário de uma loja em 1994, na cidade de Huntsville, Alabama, entendeu a Justiça. Há dúvidas, porém, sobre as circunstâncias do crime. No julgamento, os jurados levaram em consideração essas dúvidas ao declarar o réu culpado, mas recomendar a pena de prisão perpétua em vez da pena de morte. Mas o juiz não aceitou a recomendação dos jurados e condenou Smith à pena de morte.
Essa é outra idiossincrasia da Justiça de Alabama, diz o New York Times. Apenas três estados dos EUA permitem a juízes se sobrepor a decisões dos jurados: Alabama, Flórida e Delaware. Na Flórida e em Delaware, entretanto, há décadas os juízes dispensam essa faculdade que lhes é atribuída por lei. No Alabama não é assim. Desde 1976, juízes já rejeitaram 110 recomendações dos jurados, segundo levantamento da Equal Justice Initiative, uma firma de advocacia sem fins lucrativos que representa réus e prisioneiros pobres. Em 100 casos, os juízes desconheceram a recomendação dos jurados e impuseram pena de morte aos réus.
Outra peculiaridade da Justiça local é não garantir representação a réus considerados “indigentes” em procedimentos pós-condenação à pena de morte. “Essa é uma característica peculiar de Alabama”, disse a ministra Ruth Ginsburg na decisão do caso Maples versus Thomas. “Algumas vezes, prisioneiros sentenciados à morte não têm representação alguma no Alabama”, criticou.
FONTE: WWW.CONJUR.COM.BR