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Advogadas gaúchas repudiam ato de Promotor de Justiça

NOTA DE REPÚDIO
ABRACRIM-RS MULHER
Não é de hoje que temos a nítida percepção da ausência de ética e de sensibilidade de inúmeros Promotores de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o que demonstra a total ausência de preparo para o enfrentamento de questões que envolvem mulheres no sistema de justiça. A culpabilização é recorrente, seja nos casos de violência doméstica, abuso sexual ou em casos de atos infracionais, em que mães são sistematicamente humilhadas em audiências como se fossem as únicas culpadas pelos atos infracionais cometidos por seus filhos.
Recentemente, foi divulgada a notícia de que o promotor de justiça Theodoro Alexandre da Silva, atuante na comarca de Júlio de Castilhos, ao ouvir uma adolescente vítima de abusos sexuais, claramente a constrangeu e a humilhou. A notícia que se tem é que o promotor indignou-se quando a vítima retratou-se em seu depoimento para, pressionada pela família, encobrir o crime do pai. Com o exame de DNA, foi confirmada a paternidade e o aborto foi legalmente autorizado. A vítima tinha 13 anos à época dos fatos, ou seja, independentemente de quem houvesse praticado o crime, teria ela resguardado seu direito ao aborto, eis que vítima de estupro, como estabelecido pelo artigo 217-A do Código Penal.
Mais impressionante é o fato de que o promotor integra a Rede de Proteção à Infância e à Juventude. Porém, claramente desconhece ou, ao menos, não leva em consideração os dispositivos legais referentes à matéria, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a vasta normativa internacional da qual o Brasil é signatário, dentre elas a Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989). A Constituição da República de 1988, em seu artigo 227, adotou a Doutrina da Proteção Integral, trazendo a criança e o adolescente como titulares de direitos e obrigações próprios de sua condição de pessoa em desenvolvimento, afirmando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Ainda, de acordo com o art. 201 do ECA:  “Compete ao Ministério Público:  VIII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.”
Todo operador do direito que viesse a ter contato com a inquirição de vítimas de abuso sexual deveria preparar-se previamente, pois é imperioso que haja um mínimo de aptidão linguística, conhecimentos sobre a dinâmica do abuso sexual infantil e sensibilidade para conduzir a oitiva de casos de violência sexual, especialmente de crianças e adolescentes. A responsabilidade é sempre do adulto, e posturas errôneas, cruéis e desmedidas como a do caso exposto apenas contribuem para a revitimização da vítima, que deveria ser tratada como um sujeito de direitos e não como um objeto de mero exame e extração da “verdade”.
A dignidade das mulheres, crianças e adolescentes, é constantemente violada em processos penais, especialmente em razão de um machismo institucional que permeia o sistema de justiça criminal e que reflete a cultura do estupro existente na sociedade brasileira. Não é admissível que um Promotor de Justiça, enquanto representante do Estado, diga a uma adolescente ou a qualquer mulher que ela merece ser estuprada.
Por tais motivos, a ABRACRIM-RS MULHER apresenta esta NOTA DE REPÚDIO que é recebida e tomada como manifestação da ABRACRIM, pelos criminalistas associados, permanecendo a Entidade atenta aos desdobramentos do caso, no sentido da apuração das responsabilidades, nos termos da lei.
Porto Alegre, 12 de setembro de 2016.
JADER MARQUES
ABRACRIM-RS
ANA CLAUDIA CIFALI
OAB/RS 80.390
ANA LUÍZA TEIXEIRA NAZÁRIO
OAB/RS 102.241

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