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DA IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JURI ANTES DO TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.

Me deparo, pela segunda vez, com a tentativa de um juiz de levar a julgamento pelo Tribunal do Júri um réu que vem combatendo a sentença de pronúncia através de recursos nobres, tanto o especial (STJ), como o extraordinário (STF). Esses recursos, como de praxe, não foram admitidos na origem e dessa decisão foram interpostos os respectivos agravos.
Como o processo físico baixou ao juiz de origem, e, não obstante a pendência do julgamento do Agravo em Recurso Especial e Agravo em Recurso Extraordinário acima mencionados, que debatem teses que podem afastar o acusado de sentar no banco dos réus do Júri Popular e, portanto, a decisão de pronúncia não estar preclusa , o juízo de primeira instância determinou que se procedesse ao julgamento do acusado, consequentemente que se intimasse a acusação e a defesa para apresentarem rol de testemunhas, etc., argumentando a ausência de efeito suspensivo aos recursos constitucionais.
Voltei ao estudo e pesquisa do assunto, mesmo já tendo conhecimento pessoal de que a matéria estava, como ainda está, afeta ao Plenário do STF desde 01 de abril de 2014, a partir do julgamento interrompido do HC 119314-PE, em que sustentei oralmente, e no qual após o voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, que denegava a ordem, o julgamento foi afetado ao Plenário por sugestão do ministro Gilmar Mendes, para que se analise a possibilidade de interpretação do artigo 421 do Código de Processo Penal (CPP) de modo a permitir que eventuais recursos ao STJ, e mesmo ao STF, não impeçam o julgamento do acusado pelo Tribunal de Júri. De sabença trivial, o artigo 421 do CPP exige que a DECISÃO de pronúncia esteja preclusa para que os autos sejam encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri.
Por isso, como dito, voltei ao estudo do caso, e das pesquisas mais recentes sobre o tema.
Encontrei uma decisão recente, de um Juiz da Comarca de Rondônia, mandando réus cuja pronúncia não havia transitado em julgado para submissão ao julgamento popular. O Juiz vai mais longe, e não só sustenta que recursos nobres e seus incidentes não tem efeito suspensivo, como atrai o julgamento do famigerado HC 126292/STF para fundamentar sua decisão, pois segundo ele, verbis:
“Embora tal DECISÃO não contenha caráter vinculante, sinaliza, diante do surrado brocardo de que “quem pode o mais pode o menos” que a posição do STF quanto a submissão ao julgamento de quem recorre aos Tribunais Superiores sem efeito suspensivo será a mesma adotada à possibilidade de início do cumprimento da pena, mesmo sem a trânsito em julgado. Não haveria lógica se, relativizado o princípio constitucional da “presunção de inocência” e admitida a execução da condenação criminal sem o trânsito em julgado formal da SENTENÇA – que tem evidentes imbricações materiais – não adotasse o STF a mesma linha de pensamento no que se relaciona com a preclusão, que, embora se referindo na hipótese à DECISÃO de pronúncia, que tem natureza mista, tem relação de maior preponderância com o direito processual.”
Penso, com todo respeito, que não assiste razão alguma para se negar vigência ao artigo 421 do CPP. É que os Recursos Especiais e Recursos Extraordinários respectivamente no STJ e STF, que sempre discutem acerca da legalidade ou não da pronúncia de acusados, se procedentes após o julgamento pelo Júri em que o acusado haja sido condenado, trará sério e irreversível prejuízo ao mesmo.Por isso, ninguém pode ser submetido ao julgamento do Júri Popular sem a preclusão da decisão de pronúncia e após a decisão final das Cortes Superiores sobre os termos e legalidade desta.
É que o artigo 421 do Código de Processo Penal é imperativo ao exigir a preclusão da decisão de pronúncia para que se prossiga na marcha processual, a fim de evitar prejuízo ao acusado. O referido artigo 421 do Código de Processo Penal instituiu claramente que“preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao Juiz presidente do Tribunal do Júri”, iniciando, a partir daí a segunda fase de processamento do sistema misto do Tribunal do Júri, com a consequente abertura de prazo para apresentação do rol de testemunhas e requerimentos das demais diligências pertinentes, conforme artigo 422 do mesmo diploma legal.
Neste panorama, o artigo 421 do Código de Processo Penal estabeleceu pressuposto imprescindível para o início da tramitação da segunda fase da marcha processual dos feitos que atraem a competência do Tribunal do Júri, qual seja, que para a preparação e realização do plenárioexige-se a preclusão da decisão de pronúncia, o que, não ocorrendo, em razão da pendência do julgamento de Agravos em Recurso Especial e Agravos em Recurso Extraordinários, impede a realização do julgamento.
Com efeito, saindo da premissa de que o legislador não insere (ou não deveria inserir) termos amorfos na carta legislativa, a expressão “preclusão” presente no artigo em debatepressupõe situação processual em que a pronúncia se encontra já firmada pela coisa julgada formal, logo, que se evidencie a imutabilidade dos termos da acusação que será levada para a instrução em plenário.
Ademais da barreira formal imposta pelo legislador, possível submissão de acusado cuja sentença de pronúncia ainda não tenha transitado em julgado enveredaria necessariamente em um sem número de bagunças processuais. Explicamos.
Imagine a hipotética situação em que Mévio, acusado em crime conexo da competência do Tribunal do Júri, encontra-se discutindo a legalidade de suadecisão de pronúncia – seja do ponto de vista infra-constitucional ou constitucional -, nas instâncias superiores e, mesmo a despeito de não ter efetivamente ocorrido o trânsito em julgado da referida decisão, o Juízo de primeiro grau determina pela realização da instrução plenária do júri.
Neste caso, seja proferida sentença condenatória, pode ocorrer de o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial, ou o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário, julgar descabida a pronúncia , ou até anulá-la,possivelmente fazendo retroagir a marcha processual até o seu início, o que acabaria prejudicando não só o acusado, como também a própria administração da justiça e a economia processual.
Assim, em leitura universalista da posição do artigo 421 do Código de Processo Penal com o resto da legislação, bem como da análise do referido artigo com os princípios regentes do sistema judiciário brasileiro, é imperativa a necessidade de que se aguarde a preclusão final da decisão de pronúncia, sobrestando-se, portanto, o julgamento dos acusados que possam se encontrar temporariamente pronunciados para serem submetidos ao julgamento do Júri Popular.
Portanto, para que se evitem redundâncias processuais, consequentemente desonerando a máquina pública e o cidadão, é imprescindível que se aguarde a real preclusão da decisão de pronúncia e que se supere, obviamente, todas as discussões sobre o alcance e significado de seus termos, que irão lastrear a acusação. A adoção desta simples medida, inclusive já prevista pelo legislador, irá preservar de que possível julgamento seja posteriormente modificado através do julgamento dos Recursos Constitucionais.
Como já exposto, o julgamento definitivo dos Recursos Constitucionais pode modificar completamente a situação processual originária que vigia na esfera jurídica do réu, o que acaba por tornar sem efeito qualquer decisão do Conselho de Sentença e criaria a necessidade de se realizar um novo julgamento, com todas as inseguranças e gastos a esteinerentes.
Outrossim, nem a invocação do argumento de que a interpretação do art. 421 alimentaria a morosidade judicial, pois supostamente atravancaria a submissão do acusado ao órgão competente para julgamento do feito e violaria o princípio da duração razoável do processo é capaz de afastar a necessidade de tornar imprópria a suspensão do processo até a preclusão da pronúncia; até porque é dever e obrigação do Estado dar celeridade ao processo, resguardando-o de possível prescrição da pretensão punitiva.
Neste panorama, a continuação da tramitação, com o consequente julgamento prematuro de acusados cuja sentença de pronúncia ainda não transitou em julgado perante o Tribunal do Júri afeta de maneira gravíssima a economia processual, pois pode acarretar dois, ou até três – caso a criatividade do julgador permita -, julgamentos sobre o mesmo fato em juízos distintos até, sem qualquer necessidade e sem motivo aparente.
Ademais, destaca-se novamente que não há como afirmar que a decisão de pronúncia está preclusa se ainda pode ser alterada pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal por meio dos Recursos Constitucionais. E não estando preclusa, não pode o juízo singular, por força do próprio mandamento do legislador, determinar o prosseguimento da ação, pois, assim procedendo, violaria o artigo 421 do Código de Processo Penal.
A solução passível de ser adotada no presente estudo não comporta o reducionismo de que os Recursos Nobres não possuem efeito suspensivo. Claro que não. O ponto nodal é que o legislador redator do Código de Processo Penal estabeleceu uma séria e clara condição formal para que se inicie a preparação dos atos instrutórios da instrução plenária através da remessa dos autos para o magistrado de piso, qual seja, que a pronúncia esteja preclusa.
Portanto, mesmo que existam entendimentos que afirmam que a pendência de recursos na via especial ou extraordinária não cria barreira para que o acusado seja julgado pelo Conselho de Sentença, quase sempre de juízes de primeiro grau, as circunstâncias legais demonstram, em conjunto com uma interpretação sistêmica de nossa carta constitucional e convencional (razoabilidade, proporcionalidade, economia processual, dignidade da pessoa humana e até estado de inocência), ser necessária a suspensão do processo e do julgamento até decisão final acerca dos Recursos interpostos contra decisão de pronúncia, que ainda não foram devidamente analisado pela Corte Cidadã ou pelo Tribunal Constitucional.
Sobre a decisão de pronúncia e o disposto no artigo 421 da norma processual penal brasileira, Eugênio Pacelli de Oliveira in Curso de Processo Penal sustenta que:
“E somente após preclusa a via de impugnação da decisão de pronúncia (art. 421, CPP) é que terá seguimento o processo, em razão da prejudicialidade manifesta da matéria nela contida, em relação ao julgamento do Tribunal do Júri. De que adiantaria a sessão de julgamento em plenário se o recurso interposto contra a decisão de pronúncia fosse provido?”.
Não é demais relembrar a recente decisão do Exmo. Sr. Min. Ricardo Lewandowski que, no afã de suspender o Júri do ex-deputado paranaense Luiz Ribas Carli, adotou o entendimento de que “definição do mérito, por ora, poderia impor sério prejuízo ao paciente, que, como visto, aguarda a preclusão de teses defensivas ainda não julgadas”, visto como a defesa daquele réu havia já interposto Agravo em Recurso Especial que ainda se encontrava pendente de julgamento. (HC 132.512-PR)
Nesta mesma toada, o Exmo. Sr. Min. Teori Zavascki também concedera medida liminar na análise do HC nº 125.439 (16/12/2014) para determinar a suspensão de eventual sessão do Tribunal do Júri, visto como ainda pendia de julgamento o agravo interposto pela defesa:
“[…] é possível verificar dos documentos que instruem a inicial que pende de exame o agravo interposto contra decisão do Tribunal estadual que não admitiu o recurso extraordinário. Aparentemente, portanto, não está preclusa a decisão que pronunciou o paciente (CPP, art. 421: “preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri”). 3. Com essas considerações, defiro o pedido de liminar para suspender eventual sessão do Tribunal do Júri designada.”
Quando passou à análise do mérito do writ supracitado, o em. Relator teceu melhores argumentos sobre a questão, evidentemente confirmando os efeitos da medida liminar:
“[…] Com razão o impetrante em relação à indevida remessa dos autos à origem antes do trânsito em julgado. É que, não obstante a Coordenadoria de Recursos Extraordinários do STJ tenha certificado o trânsito em julgado e remetido os autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, havia um agravo interposto contra decisão do Tribunal estadual que não admitiu o recurso extraordinário. […] Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem, tão somente para confirmar os efeitos da medida liminar.”
Vale frisar, finalmente, que a redação do artigo 421 do Código de Processo Penal permite concluir que esta prevê que os autos só são encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri após a preclusão da sentença de pronúncia, de forma a evitar a hipótese de o Recurso Especial ou Extraordinário vir a ser provido, consequentemente sendo declarada a ilegalidade da decisão de Pronúncia– que imporia a necessidade de uma nova ser ofertada, sem prejuízo de todos os recursos ainda cabíveis desta nova decisão; e impor reflexamente ao acusado prejuízo psicológico que afeta de maneira direta a sua dignidade: de se ver julgado duas vezes perante o Conselho de Sentença, muitas vezes aguardando sob cárcere cautelar, o que torna verdadeiro e inadmissível constrangimento ilegal que deve, de imediato, ser repelido.
Emerson Leônidas.
Advogado Criminalista.
Presidente da Abracrim PE
Membro da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB.
Davi Carvalho Meira. Acadêmico da Universidade Federal de Pernambuco.

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