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Adolescente em conflito com a lei tem direito ao indulto natalino

Por Alexandre Paranhos Pinheiro Marques

Não pretendo com o presente texto esgotar a discussão acerca da viabilidade da incidência do direito de indulto para os adolescentes em conflito com a lei. Na verdade, trata-se de tema que ainda não foi tratado pelas autoridades públicas, sendo certo que o objetivo do presente trabalho é, de forma técnica, expor a viabilidade da incidência do instituto.
A ideia de escrever sobre a matéria partiu de minha vivência na seara da proteção da criança e do adolescente como defensor público titular da Coordenadoria da Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Em uma simples análise da legislação vigente em nosso país indubitavelmente o tratamento dispensado para o adolescente é especial, tendo sido editadas normas neste sentido.
Como ponto de partida da análise, podemos indicar as normas de direito internacional das quais o Brasil tornou-se signatário, a exemplo do artigo 24 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto 592/92 e o artigo 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos:
art. 24.
1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.”
art. 19. Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado”.
Já no que tange às normas internas temos o artigo 227 da Constituição da República de 1988, ápice da visão escalonada do ordenamento jurídico, que aponta inúmeros direitos fundamentais específicos das crianças e adolescentes, sendo relevante dizermos que em relação a estes é dispensada a denominada proteção integral, devendo ser observada, inclusive, absoluta prioridade[1].
Por sua vez, com fito de ser atendido o ditame constitucional, no ano de 1990 foi editado do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em tal diploma legal temos diversos dispositivos que corroboram o indicado na Lei Maior tal como o artigo 3º, ora transcrito:
art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Desta forma, não se discute que em razão da nossa legislação, a criança e o adolescente recebem tratamento especial.
Observada a necessidade de que a criança e o adolescente tenham um tratamento diferenciado pelo ordenamento jurídico, embora não pratiquem infração penal, pois são considerados inimputáveis por força do disposto no artigo 27 do Estatuto Repressivo[2],  são passíveis de praticar atos infracionais que são, de acordo com o textualizado no artigo 103 e artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, fatos análogos aos crimes ou contravenções sujeitos a uma resposta do Estado editor da norma que nada mais é do que as medidas socioeducativas.
Inexoravelmente, não podemos deixar de afirmar que as medidas socioeducativas possuem conteúdo punitivo e aflitivo. Isto porque se o adolescente vai com sua conduta de encontro ao que dispõe a legislação estará sujeito a uma resposta do Estado, podendo ser, inclusive, privado de sua liberdade de locomoção em razão da incidência da internação, seja ela provisória ou definitiva.
Neste diapasão, embora o adolescente pratique ato infracional análogo a crime, de acordo com os itens 54 das Regras Mínimas das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de RIAD) e artigo 35, inciso I da Lei 12.594/2012, não poderão receber tratamento mais gravoso do que os adultos. Isto porque, se como já indicamos, o adolescente recebe tratamento especial do ordenamento jurídico, não seria razoável nem proporcional que recebesse tratamento mais severo do que o adulto[3].
Destarte, ainda que o adolescente em conflito com a lei possa ser sujeito ativo de infração penal, até porque faltará um dos elementos do seu conceito estratificado ou analítico, qual seja a culpabilidade, por ser ele inimputável (inimputabilidade por imaturidade) e por poder estar submetido a uma resposta do Estado que pode lhe privar da liberdade de locomoção, deverá receber, ao menos, o mesmo tratamento conferido ao adulto pelo ordenamento jurídico penal.
Ultrapassada a etapa de que o adolescente recebe tratamento especial e está sujeito a uma resposta do Estado em razão do ato infracional que pratica, temos que trazer à baila o instituto da remissão.
A remissão é prevista no artigo 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente através do qual o Estado, por meio do Ministério Público, abre mão da aplicação da medida socioeducativa ao adolescente, evitando a sua responsabilização[4].
Com isso, concluímos que a legislação destinada ao adolescente em conflito com a lei expressamente prevê a possibilidade de não ser ele submetido, desde o início de uma demanda, a uma resposta estatal, mesmo tendo praticado ato infracional.
Neste caminho, se o próprio Estado abre mão de punir o adolescente logo no início da demanda judicial, com maior razão poderá assim proceder na fase de execução da medida socioeducativa.
Outrossim, o indulto é direito público subjetivo do apenado. O indulto conduz à extinção da punibilidade, consoante indica o artigo 107, inciso II do Código Penal, ou seja, o Estado abre mão do seu direito de punir o apenado, durante o processo de execução, tendo este cumprido certo período da pena.
Tanto para o adolescente, como para o adulto, seja na remissão, seja no indulto, o Estado abre mão de punir quem praticou certo ato contrário à lei. A única diferença é temporal, ou seja, no caso da remissão, a mesma se dá no início do procedimento judicial de conhecimento e o indulto se dá na fase de execução da pena.
Destarte, se o adolescente em conflito com a lei necessita de tratamento especial e no mínimo igualitário ao dispensado para o adulto e cabe para o mesmo a remissão, com maior razão o cabimento do indulto.
Ainda assim, se cabe a extinção da punibilidade para o adulto em razão do indulto ou abatimento da reprimenda penal que lhe é atribuída, tendo ele praticado ato mais grave, pois praticou infração penal por ser considerado imputável, com maior razão para o adolescente com a lei que pratica ato infracional e é considerado inimputável.
Concluindo pela  possibilidade de se aplicar o instituto do indulto nos casos envolvendo adolescente em conflito com a lei, passemos a indicar como se dará a incidência nos casos concretos.
Certo é que poderemos ter três hipóteses de indulto para o adolescente: o etário, o humanitário e o simples.
Na primeira hipótese, qual seja a do indulto etário, o instituto será aplicado ao adolescente que tem sua primeira passagem no juízo da infância e da juventude e já tenha alcançado seus 18 anos de idade.
Isto porque a medida socioeducativa é excepcional para os maiores de 18 anos de idade, o que se depreende da regra indicada no parágrafo único do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente[5].
Portanto, se a medida socioeducativa é excepcional para o maior de 18 anos, tendo ele uma primeira passagem pelo juízo da infância e da juventude, natural que possa ser agraciado pela extinção da medida sócio educativa.
Assim, se, verbi gratia, um adolescente com seus 17 anos tem sua primeira passagem pela Vara da Infância e Juventude, é internado e alcança seus 18 anos, deverá o mesmo ser indultado, com a extinção da medida socioeducativa.
Na  segunda hipótese temos o denominado indulto humanitário, aplicado aos casos em que for observada doença grave. Os decretos natalinos de indulto possuem dispositivo que viabilizam o indulto nos casos em que a agente tenha uma doença crônica grave ou deficiência que necessite de seus cuidados[6].
Esta hipótese será aplicada ao adolescente que seja acometido, durante o cumprimento da medida socioeducativa de doença crônica grave ou deficiência que necessite de seus cuidados.
Inclusive temos a regra contida no artigo 46, inciso IV da Lei 12.594/12 que possibilita a extinção da medida socioeducativa nos casos de doença grave que inviabilize seu cumprimento o que corrobora a possibilidade de falarmos em indulto humanitário em favor do adolescente[7].
Por fim, cabe indulto simples, consoante os decretos[8], quando o apenado cumprir 1/3 da pena, em sendo primário, e 1/2 no caso de ser reincidente.
Sendo assim, teremos a extinção da medida socioeducativa quando o adolescente já tenha cumprido 1/3 do tempo se for hipótese de primeira passagem ou 1/2 se for reincidente. Nesta hipótese devemos considerar o tempo máximo de internação definitiva que é de 3 anos[9].
Portanto, se o adolescente for primário, teve sua internação provisória em 29/9/2016, deverá ele cumprir 1/3 da medida, ou seja, terá direito ao pedido de indulto e consequente extinção da resposta estatal em 28/9/2017. No entanto, se o mesmo adolescente for reincidente, terá ele direito ao pedido de extinção da medida em 28/3/2018.
Diante de tudo o que foi exposto, chegamos a conclusão de que o adolescente, ante a proteção especial que lhe é dispensada, associada à legislação vigente que determina, inclusive, que ele tenha no mínimo o mesmo tratamento destinado ao adulto, terá direito a concessão do indulto e consequente extinção da medida socioeducativa.


[1]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[2] O adolescente não pratica infração penal, posto que faltará no caso concreto um dos seus elementos (conceito analítico), qual seja a culpabilidade. A culpabilidade é composta de imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Em razão da inimputabilidade pela imaturidade (critério etiológico) restará ausente no comportamento do adolescente a culpabilidade, estando ele, inclusive, sujeito à legislação especial.

[3] “54. Com o objetivo de impedir que se prossiga à estigmatização, à vitimização e à incriminação dos jovens, deverá ser promulgada uma legislação pela qual seja garantido que todo ato que não seja considerado um delito, nem seja punido quando cometido por um adulto, também não deverá ser considerado um delito, nem ser objeto de punição quando for cometido por um jovem.”
“Art. 35.  A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;.”

[4] “Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.”

[5] “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.” (grifei)

[6] O último decreto natalino de indulto publicado no final do ano de 2015, Decreto 8.615, em seu art. 1º, inciso VI, viabiliza o indulto para aqueles que tenham doença crônica grave ou deficiência que necessite de seus cuidados.

[7] “Art. 46.  A medida socioeducativa será declarada extinta:
(…)
IV – pela condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida;” (grifei)

[8] Os decretos de indulto indicam para o adulto a necessidade de cumprimento de 1/3 da pena se primário e 1/2 se reincidente.

[9]  Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: (…) § 1o  O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Alexandre Paranhos Pinheiro Marques é defensor público, titular da Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Autor do volume de Direito Penal – Parte Geral, da Coleção Defensoria Ponto a Ponto da Editora Saraiva.

Revista Consultor Jurídico, 13 de dezembro de 2016, 10h32

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