Direito ao esquecimento é atalho para censura judicial, concluem especialistas
Por Marcelo Galli
O direito ao esquecimento é um “atalho” para eliminar o equilíbrio entre direitos fundamentais e cria uma “hegemonia presumida” da privacidade de modo genérico, servindo como pretexto para todo pedido de remoção de informações da internet. Essa é a opinião do professor e advogado Marcel Leonardi, que representou o Google em audiência pública nesta segunda-feira (12/6) sobre o tema no Supremo Tribunal Federal.
Para ele, “direito ao esquecimento é um nome elegante” para justificar a censura de conteúdo lícito e de informações verdadeiras da internet. Afirmou ainda que os defensores, em vez de enfrentar o ônus argumentativo e convencer o Judiciário das razões pelas quais um pedido de remoção se justifica, querem gerar um “superdireito”, um “coringa”, para se sobrepor ao sopesamento quando direitos básicos entram em conflito.
Segundo Leonardi, o reconhecimento do “direito ao esquecimento” permitirá que informações verdadeiras sejam removidas da internet de modo facilitado apenas porque desagradaram alguém. Ele conta que muitos pedidos de remoção de conteúdo de resultados de buscas enviados ao Google fundamentados no suposto direito são de resultados para fontes públicas, como diários oficiais e jornais de grande circulação.
O professor falou que Judiciários de países como Japão, Austrália, Colômbia e Chile já rejeitaram o direito ao esquecimento porque entenderam que a sua aplicação poderia impedir a livre circulação de informações na internet e censura.
A audiência foi convocada pelo ministro Dias Toffoli, relator de recurso movido por irmãos de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro e retratada em programa da Rede Globo. A discussão é se pessoas ou familiares podem exigir que seus nomes sejam omitidos de documentos, textos ou reportagens sobre fatos antigos.
Como Toffoli já afirmou quando decidiu promover a audiência, o recurso “trata da harmonização de importantes princípios constitucionais”: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; do outro, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada.
Caprichos
O professor Anderson Schreiber falou pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil. Para ele, o direito ao esquecimento não deve ser guiado pelo capricho do envolvido, criando o que chamou de versão “voluntarista”. Isso, diz, levaria a uma espécie de internet de cada um. A prevalência dessa vontade pelos usuários de internet em decisões judiciais, segundo ele, ameaça as empresas de tecnologia, principalmente responsáveis por motores de busca, porque reconhece a qualquer usuário a possibilidade de moldar, de acordo com sua vontade, o que é publicado sobre seu nome.
Segundo Schreiber, o direito ao esquecimento não pode ser “direito de propriedade sobre acontecimentos pretéritos”, o que seria inconstitucional. Ele explicou que o texto constitucional tutela, entre seus direitos fundamentais, não só a privacidade, mas também, e em igual medida, a liberdade de informar e o direito de acesso pela sociedade à informação. “Nossa ordem jurídica não admite proprietários de passado”, afirmou.
Dados regulados
O advogado Gustavo Mascarenhas, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, defendeu a possibilidade de a vítima, seus familiares e mesmo os agressores invocarem a aplicação do direito ao esquecimento na esfera civil. Para ele, não se pode haver relativização de direitos, em especial daqueles ligados ao desenvolvimento da pessoa humana, como são os casos da intimidade, da vida privada, da honra e da dignidade. Por isso defendeu a necessidade de se regular o uso de dados que podem afetar a intimidade e a privacidade do indivíduo por meios de comunicação e buscadores de internet. “O direito de informar não pode sobrepor-se a outros igualmente constitucionais. Cumprida a pena, os fatos que cercam um ato criminoso precisam ser superados.”
Ele lembrou ainda que a Constituição veda penas perpétuas, e o Código Penal impõe limites de até cinco anos para que os fatos que levaram à condenação ou ao processo “desapareçam”. “Passados cinco anos do cumprimento ou extinção da pena, os fatos criminosos e os agentes envolvidos não podem ser alvo de novas reportagens jornalísticas ou documentais, devendo os buscadores da rede mundial de computadores serem instados a manter apenas aqueles links carregados até a chegada desse marco temporal”, disse.
Direito à emoção
Para o professor Carlos Affonso Pereira de Souza, do Instituto de Tecnologia do Rio de Janeiro, o direito ao esquecimento é uma categoria emocional, e não jurídica. “Nenhuma decisão judicial conseguirá extrair da mente das pessoas a lembrança de alguma coisa, extirpar parte da memória.”
Para ele, o suposto direito de ser esquecido fragiliza a liberdade de expressão. A tentativa de se retirar conteúdos da internet por meio judicial, argumentou, pode provocar o contrário do que se pretendia.
Como exemplo, citou o famoso “caso Barbra Streisand”. A cantora norte-americana batizou o efeito inverso que um pedido de remoção de conteúdo por dar a um fato. Ela processou um fotógrafo que inseriu, num álbum virtual de imagens da Costa da Califórnia, foto de uma mansão dela. A artista queria que a foto fosse tirada do ar, mas o caso ganhou atenção da imprensa local e as fotos acabaram se espalhando pela internet, estimulando que mais pessoas fotografassem a casa.
Em sua participação na audiência, o advogado André Zonaro Giacchetta, do Yahoo do Brasil, criticou iniciativas legislativas para mudar o Marco Civil da Internet e inserir o direito ao esquecimento no dispositivo legal. Citou especificamente o Projeto de Lei 2.712/2015, que permitiria a remoção não só de conteúdo jornalístico, mas também de citações a fatos antigos feitas por usuários em redes sociais.
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