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RACHADINHAS NA ALERJ – Embora indícios apontem crime, preventiva de Queiroz é frágil, dizem advogados

O juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, decretou na última terça-feira (16/6) a prisão preventiva de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O mandado foi cumprido nesta quinta-feira (18/6), no curso da investigação que apura um esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Segundo o Ministério Público, funcionários de Flávio devolviam parte do salário e o dinheiro era lavado por meio de uma loja de chocolate e de investimentos em imóveis.

O crime teria ocorrido entre abril de 2007 e dezembro de 2018 e envolve ao menos 11 ex-assessores que possuem parentesco, vizinhança ou amizade com Queiroz. Neste período, ele teria recebido, via transferências bancárias e depósitos em espécie, mais de R$ 2 milhões. À época, Flávio era deputado estadual.

De acordo com o Ministério Público, há indícios de que Queiroz incorreu nos crimes de peculato (artigo 312 do Código Penal); lavagem de dinheiro (artigo 1º da Lei 9.613/98); organização criminosa (artigo 2º, caput, da lei 12.850/13); e obstrução de justiça (artigo 2º, parágrafo 1º, da lei 12.850/13).

O MP também afirma ter evidências contundentes de que Queiroz exercia a função de operador financeiro dentro do esquema de “rachadinhas” que funcionava no gabinete de Flávio. O senador seria o líder a organização criminosa.

Frágil

Para advogados ouvidos pela ConJur, embora a investigação apresente uma série de evidências de que havia um esquema criminoso ocorrendo na Alerj, a decretação da prisão preventiva é genérica e pode ser derrubada em breve.

“A decisão narra eventos que teriam acontecido nos anos anteriores. Para a prisão preventiva se justificar, ela tem que ser urgente, precisa ser a única alternativa. Deve demonstrar que, se a medida não for tomada agora, irá acontecer algum crime”, afirma Priscila Pamela, presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária (CPCP) da OAB-SP.

Ao decretar a preventiva, o magistrado considerou preenchidos três requisitos presentes no artigo 312 do Código de Processo Penal: a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a necessidade de assegurar a devida aplicação da lei penal.

Pamela explica, no entanto, que a lei “anticrime” (Lei 13.964/2019) inseriu um outro requisito: a necessidade da constrição ser aplicada apenas quando houver fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a adoção da medida. As previsões foram inseridas no artigo 312, parágrafo 2º, e no artigo 315, parágrafo 1º do CPP.

“A liberdade é a regra, a privação de liberdade é a exceção. Partindo disso, a Constituição determina que as pessoas só podem ser presas em algumas circunstâncias e o CPP destrincha quais são essas hipóteses. Os tribunais superiores já reverteram decisões fundamentadas de forma genérica na garantia da ordem pública, conveniência da instrução e aplicação da lei”, diz.

A presidente da CPCP também ressalta que além da falta de contemporaneidade, não há indícios suficientes de que Queiroz poderia ameaçar testemunhas, incorrer em novas práticas de obstrução de justiça e fugir.

“O juiz não pode partir de futurologia, de imaginação. Não pode fazer um exercício do que pode vir a ser, sem um fato concreto. Decisões como essa são muito passíveis de reforma”, afirma.

Exame cuidadoso
O criminalista Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela USP, também ressalta que a decretação traz informações graves sobre o possível esquema de “rachadinhas”, e que as evidências apresentadas aparentam consistência.

No entanto, diz o advogado, “no que toca aos requisitos da prisão preventiva, há questões que precisarão ser examinadas com cuidado, para que se avalie se a medida cautelar é mesmo necessária”.

Ainda de acordo com ele, “ao que parece, as supostas tentativas de manipular provas não são tão recentes, o que pode gerar dúvidas sobre a existência de contemporaneidade entre os fatos reveladores do periculum libertatis e o decreto prisional”, afirma.

Gontijo destaca, por fim, que o estado de saúde de Queiroz, o fato dos crimes pelos quais o ex-assessor responde não envolverem violência ou grave ameaça, aliado à epidemia do novo coronavírus, podem levar a uma reversão da decisão.

“Podem ser aplicadas medidas cautelares alternativas, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal e da Recomendação 62/20, do Conselho Nacional de Justiça. A situação é complexa e caberá avaliar se estão presentes os requisitos necessários para a manutenção ou a revogação da prisão preventiva.”

A Recomendação 62, citada pelo advogado, visa diminuir o ingresso de pessoas no sistema prisional e socioeducativo, orientando que os magistrados reavaliem preventivas em que crimes foram cometidos sem violência ou grave ameaça, optando por prisões domiciliares, em especial quando o réu fizer parte do grupo de risco do novo coronavírus. Esse é o caso de Queiroz, que trata de um câncer.

Pamela concorda que a epidemia deve ser levada em conta. “Temos pregado muito a questão de que o controle de danos para a população prisional no que diz respeito ao coronavírus é o desencarceramento. Portanto, a prisão deve ocorrer em casos extremos, em que ela se demonstra extremamente necessária. Não me parece oportuno que em um momento de pandemia alguém que sequer estava foragido tenha mandado de prisão decretado. Sabendo de onde ele estava, não me parece ser a decisão mais acertada levá-lo para dentro do sistema e colocá-lo em risco”, diz.

Clique aqui para ler a decisão
0118938-48.2020.8.19.0001

Tiago Angelo – Conjur





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