CONFLITO DE COMPETÊNCIA – Fraude pela internet cometida a partir do exterior será julgada pela Justiça estadual
De acordo com a jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, a competência da Justiça Federal para julgamento de crimes depende do preenchimento de três requisitos essenciais e cumulativos: que o fato esteja previsto como crime no Brasil e no exterior, que o país seja signatário de tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir o delito e que a conduta tenha ao menos começado no Brasil e o resultado tenha, ou devesse ter, ocorrido no exterior, ou de forma recíproca.
Por entender que o caso não se enquadra nos critérios estabelecidos pelo STF, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça declarou a competência da Justiça de São Paulo para julgar uma ação penal contra pessoas acusadas de usar indevidamente uma marca brasileira de joias para dar golpes por meio das redes sociais.
A ação teve início quando a empresa proprietária da marca, em representação à Polícia Civil paulista, alegou ser vítima de crimes contra a propriedade intelectual em mensagens postadas nas redes sociais ou encaminhadas por WhatsApp e e-mail. Segundo o inquérito policial, a fraude foi praticada por internautas localizados em outros países. Com as mensagens na internet — que normalmente simulavam promoções da marca —, eles atraíam pessoas para páginas falsas e tentavam induzi-las a fazer operações financeiras.
O juiz de Santana de Parnaíba (SP), vinculado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que o processo discutia delitos transnacionais praticados no exterior pela internet e, por isso, encaminhou os autos para a Justiça Federal, o que causou o conflito de competência. Para o juízo federal, os crimes em apuração não afetavam interesses da União e o uso da internet, por si só, não é suficiente para justificar a sua competência.
No STJ, foram acolhidos os argumentos do juízo federal. A relatora do conflito, ministra Laurita Vaz, ressaltou que, no CC 163.420, a 3ª Seção reconheceu a competência da Justiça Federal não apenas no caso de haver efetivo acesso da publicação na internet por pessoa localizada no exterior, mas também nas hipóteses em que a amplitude do meio de divulgação permita o acesso internacional. No entanto, a ministra também lembrou a jurisprudência estabelecida pelo STF no RE 628.624 e afirmou que o caso em análise não se encaixa nos critérios determinados pelo Supremo.
“No caso, não há elementos probatórios que permitam afirmar que as condutas em apuração são criminalizadas nos países em que a mensagem foi visualizada (até porque esses locais não estão declinados nos autos) e que houve resultado no exterior, com usuários vítimas das fraudes”, destacou a ministra, lembrando também que o Brasil não é signatário de tratado internacional em Direito Comercial que o obrigue a criminalizar violações contra o registro de marcas.
Além disso, ela considerou que não seria prudente estabelecer a competência da Justiça Federal sob o argumento de que haveria interesse da União na apuração dos crimes em razão da posição do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), uma autarquia federal, no sistema de proteção à propriedade industrial no Brasil. Para a relatora, antes de cometer crimes contra a marca, o que os fraudadores pretendiam era induzir os consumidores a acreditar em falsas promoções da grife de joias, com a verdadeira finalidade de obter vantagem ilícita.
“Sob essa perspectiva, a conduta praticada, a rigor, corresponderia ao crime de estelionato, que absorveria os crimes da Lei 9.279/1996. É a premissa que, a propósito, resultou na edição da Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça”, argumentou a ministra.
CC 168.775
Conjur