A adoção da metáfora dos cães de Pavlov no campo do Direito Penal
Por Aury Lopes Jr. e Philipe Benoni Melo e Silva
A histórica amizade entre o cão e o homem fez surgir a famosa frase: “O cão é o melhor amigo do homem”. Contrapondo essa ideia, no filme White God, dirigido pelo cineasta Kórnel Mundruczó, se desenvolve a discussão a respeito da opressão e da tensa relação entre poder e submissão, que, dentre outras, se perpassa na relação entre os homens e os cães.
Ainda sobre cães, Ivan Pavlov foi um fisiologista russo que ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina no ano de 1904 por seu trabalho de estudar os processos digestivos dos animais. Enquanto estudava a digestão em cães, Pavlov observou uma ocorrência interessante: os animais começavam a salivar sempre que um assistente tocava um sino e entrava na sala para alimentar os cachorros.
Com o experimento, Pavlov fez uma das grandes descobertas da atualidade: o reflexo condicionado. Trata-se de um processo que descreve a origem e a transformação de comportamentos com base no binômio estímulo vs.resposta sobre o sistema nervoso central dos seres vivos.
O teste ficou conhecido como “cães de Pavlov” e teve grande influência nos estudos do que viria a ser a psicologia comportamental. O que Pavlov fez foi, basicamente, apresentar um estímulo neutro ao cachorro, tocando uma sineta por repetidas vezes. Depois, o pesquisador emparelhava uma carne para o cão, logo em seguida ao som da sineta — o que gerava salivação no cão. Após determinado período, Pavlov apresentava apenas o som da sineta e, ainda assim, os cães salivavam como se estivessem comendo carne.
O condicionamento pavloviano refere-se aos processos e procedimentos pelos quais os seres vivos aprendem novos reflexos. Seguindo os mesmos estudos, John Watson realizou pesquisas em que comprovou que é possível “aprender” a sentir emoções (por exemplo, sente-se medo quando se escuta o motor do aparelho do dentista)A psicologia explica que emoções e comportamentos podem ser aprendidos e moldados, despidos de senso crítico, de acordo com o estímulo que recebem.
Trata-se de um traço patológico, onde os fanáticos pela vitória se apresentam ao processo como jogadores viciados pela satisfação pessoal. Assim, por entenderem que estão imbuídos de uma missão divina, porque acreditam estar lutando no time do bem contra o mal, vira uma guerra onde tudo valeNa experiência de Pavlov, reinava a artificialidade, a manipulação e a dimensão de semideus do condutor do processo, visto que, ao soar a campainha pavloviana, mesmo que a comida não fosse apresentada aos cães, eles já estavam salivando.
A defesa atual demanda uma desconstrução! É preciso desconstruir o imaginário social que tem contaminado o Direito com os discursos de moral da decisão! A legitimidade do Poder Judiciário não decorre da vontade da maioria, mas, sim, do caráter democrático da ConstituiçãoÉ preciso deixar de salivar com os discursos de “combate”, que contaminam e criam mapas mentais paranoicos, impossibilitando um julgamento despido de preconceitos ou julgamentos morais. Como revela StreckNão se trata de novidade que o falso discurso populista tem servido como estímulo (moral) para o julgador. Se hoje a bola da vez é o “combate à corrupção”, na versão espanhola do século XV, eram os procedimentos de limpeza que justificavam as perseguições contra mouros e judeusNo início do texto, foram apresentadas duas perspectivas referentes a homens e cães. Na primeira, fez-se lembrança sobre “o melhor amigo do homem”. Na segunda, rendeu-se homenagem ao trabalho do diretor cinematográfico Kórnel Mundruczó, em razão do filme White God, palco da discussão a respeito da opressão e da tensa relação entre poder e submissão, que, dentre outras, se perpassa na relação entre os homens e os cães.
Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 33.
Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4 ed. rev. atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 371.
Direito processual penal. p. 61
Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3 ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009. p. 162.
Revista de Direito Alternativo. Imprensa: São Paulo, 1992. p. 33