A adstrição entre a corrupção passiva e a lavagem de capitais
Diante de tantos acontecimentos atuais vivenciados em nosso país, relatando casos envolvendo os crimes de corrupção passiva e de lavagem de capitais, o presente artigo busca apresentar, ainda que de maneira perfunctória, algumas observações a respeito dos crimes supramencionados, procurando demonstrar que nem sempre ambos estarão interligados entre si.
Na grande maioria das vezes, sempre quando um servidor público recebe alguma vantagem indevida, seja por interposta pessoa ou por uma empresa laranja, a inicial acusatória, isto é, a denúncia, imputa ao agente a prática de ambos os crimes – corrupção passiva pela vantagem indevida, e lavagem de dinheiro pelo recebimento dissimulado – mediante a aplicação da regra do concurso material de delitos, prevista no art. 69 do Código Penal.
No tocante ao crime de lavagem de capitais, podemos conceitua-lo, segundo padrões objetivos estabelecidos pelo legislador brasileiro (art. 1° da Lei 9.613/98), como uma conduta dirigida à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores provenientes de uma infração penal.
Como bem observa Luiz Regis Prado (PRADO, p.p 518 e 519), o crime de lavagem de dinheiro se desmembra em três etapas, que podem se desenvolver de forma separada, simultânea ou conjunta, sendo que “na primeira – colocação ou inserção (placement) -, introduz-se o dinheiro líquido no mercado financeiro (ex: banco, corretora); na segunda – ocultação, encobrimento ou cobertura (layering) -, escamoteia-se sua origem ilícita (ex: paraíso fiscal, superfaturamento) e na terceira – integração, conversão ou reciclagem (integration) -, objetiva-se a reintrodução do dinheiro reciclado ou lavado na economia legal (ex: aquisição de bem, empréstimo)”.
Por outro giro, a corrupção passiva é a vantagem pecuniária recebida indevidamente pelo agente em razão do cargo público, ou seja, é a venalidade no desempenho da função pública (MASSON, p. 1201).
Assim, indaga-se: será que sempre haverá a ligação entre ambos os institutos, imputando ao agente a cumulação das penas previstas para cada um deles?
Para respondermos a esta indagação, mostra-se oportuno transcrever o art. 317 do CP, in verbis:
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
Como podemos notar, na corrupção passiva o recebimento da vantagem indevida poderá se dar de maneira direta – quando pelo próprio agente público -, ou de forma indireta – por meio de um terceiro, interposta pessoa, física ou jurídica.
Dessa forma, estar-se-á devidamente consumado o crime em análise quando o agente público recebe vantagem indevida por meio de uma terceira pessoa. Entretanto, não podemos aceitar a tese que vem sendo muito utilizada pelo Ministério Público no sentido de que a prática do crime de lavagem de dinheiro sempre irá pressupor a incidência do crime de corrupção passiva.
Este raciocínio mostra-se pertinente, na medida em que a ocultação mediante o recebimento dos valores indevidos por interposta pessoa ou interposta empresa já está devidamente prevista no tipo penal da corrupção, através da expressão “receber indiretamente”, como visto alhures.
Nesse diapasão, se o ato da ocultação ocorrer ao mesmo tempo do recebimento, o crime de lavagem de dinheiro restará absorvido pelo crime de corrupção passiva, na medida em que a conduta não extrapola os limites do tipo penal que regula a corrupção passiva, incidindo no caso o princípio da consunção. Entender de maneira diversa – como vem sendo apresentado pelo Órgão Ministerial -, seria punir duas vezes alguém pelo mesmo fato (bis in idem).
Por outro giro, se, após o recebimento da vantagem indevida, o agente público pratica atos autônomos com o fim de ocultar ou dissimular os valores ilícito, estar-se-á evidenciado o concurso material de crimes, possibilitando que o agente seja punível pela prática dos dois crimes, segundo a regra do art. 69 do CP.
Oportuno destacar que, nesse mesmo sentido, operou-se o entendimento do STF quando do julgamento da Ação Penal n° 470, afastando a incidência do crime de lavagem de capitais por entender que o uso de interposta pessoa para o recebimento de valores é parte, integrando o tipo penal de corrupção passiva.
Dessa forma, podemos concluir que é plenamente cabível a incidência do concurso material entre o crime de corrupção passiva e o crime de lavagem de capitais, desde que, após o recebimento da vantagem indevida, o servidor público realize atos com o intuito de ocultar ou dissimular os valores ilícitos. Do contrário, isto é, se a ocultação ou a dissimulação for praticada simultaneamente ao recebimento, deverá o crime de lavagem de dinheiro ser absorvido pelo crime de corrupção passiva, seguindo-se a regra do princípio da consunção.
Por Thales Abrahão de Campos
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Referências:
MASSON, Cleber. Código penal comentado. 3. Ed. Ver., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. – 7. Ed. Ver. E atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Nem sempre é correta a dupla imputação por corrupção e lavagem. https://www.conjur.com.br/2018-dez-03/direito-defesa-nem-sempre-correta-dupla-imputacao-corrupcao-lavagem. Acessado em: 29/01/2019.